sábado, 26 de abril de 2025

Lar é onde o coração está - Capitulo 86

 

Diego acordou exasperado e ao pegar o celular ao lado da cama, encontrou um pequeno bilhete em cima do aparelho, escrito na caligrafia técnica do marido, onde estava escrito. “Levei o Paulo pra escola. Durma mais um pouco. Volto logo pra gente tomar café juntos. Te amo”.  



Em resposta, o rapaz esboçou um sorriso comovido enquanto se sentava na cama e notava que a dor de cabeça havia ido embora e ele se sentia melhor. O relógio informava que eram 7h30 da manhã, quase uma hora depois de quando costumava acordar, para levar o irmãozinho â escola.

Após fazer a higiene matinal, Diego rumou para a pequena cozinha, pensando em pelo menos colocar a cafeteira para funcionar, mas se surpreendeu ao descobrir que Marcelo já havia feito isso também e o cômodo estava repleto do aroma delicioso de café. E sozinho no meio da casa, ele riu baixinho.

***

Joaquim tinha acabado de abrir a porta da loja de sabonetes e pelo fato de durante o período da manhã a loja não ter muito movimento, ele se ocupou de organizar os preparativos para o casamento.

Tinham decidido que eles queriam oficializar a união antes do ano acabar, afinal, com aquele imbecil homofóbico na presidência, quanto mais rápido eles se casassem, melhor. 

Agora estava enviando um e-mail a uma série de cartórios civis para tirar o orçamento dos custos e o mais importante, se tinham uma data próxima. Enviou para uns cinco cartórios diferentes e Francisco tinha se comprometido a entrar em contato com outros cinco.

 Seria só uma união no civil, coisa simples. Mas ele queria fazer nem que fosse uma pequena recepção para alguns amigos próximos. O que levou Joaquim ao próximo tópico de sua lista, pesquisar o preço de um Buffet e um salão.

Mal deu uma busca rápida e quase caiu para trás com os valores. Ficou bem desanimado, pois mesmo que ambos colocassem boa parte dos salários e parcelassem em várias vezes, ainda assim ia ficar bem salgado.

Enquanto soltava um suspiro desanimado, murmurou para a loja vazia que “talvez não seja para acontecer assim...”, mas não teve muito tempo para digerir essa conclusão, pois logo algumas clientes entraram na loja e ele se ocupou em atendê-las e apesar de dar toda atenção para elas, sua mente continuava voltando nos preços astronômicos que havia visto para uma recepção simples que servia no máximo 30 convidados.

***

— Di, voltei! — a voz vinha de longe. Diego tinha sentado no sofá e ligado a tevê enquanto esperava o marido voltar de levar Paulo para a escola, mas acabou cochilando de novo.

Abriu os olhos com lentidão, sentindo que a enxaqueca estava voltando, apesar de ter tomado os analgésicos na noite anterior. Quando viu Marcelo se aproximando, Diego esboçou um sorriso fraco e se aprumou no sofá.

— Oi. Obrigado por levar o Paulo pra escola. — as palavras saíram pastosas por causa do sono e quando ele sentiu a mão morna do marido fazer um afago em seu rosto, Diego suspirou baixinho.

— Imagina. A enxaqueca ainda não passou, né? — não era a primeira vez que ele tinha uma crise forte daquelas e Marcelo já estava acostumado com os sinais. — Eu vou te fazer um chá, cafeína... Não é uma boa por enquanto. — ele complementou enquanto se afastava em direção da pequena cozinha.

— Obrigado... Acho que vou ligar pro Raul e avisar que hoje não vou pra imobiliária. — murmurou Diego e sentiu a garganta arranhar dolorida enquanto falava. Fechou os olhos e repousou a cabeça nas costas do sofá, suspirando baixinho e quando ouviu o bip do micro-ondas, Diego abriu um olho.

— Aqui, bebe um pouco de chá. — viu o marido se sentar ao seu lado e enquanto sorvia um gole de chá de camomila, Diego deitou a cabeça no ombro de Marcelo, aproveitando a calmaria daquela manhã.

— Você tem paciente hoje? — perguntou num tom descontraído, tentando não transparecer seu desejo de que o outro ficasse mais um pouco ali com ele.

— Só de tarde. Vou ficar com você até a Mayara trazer o Paulo. E falando nisso, será que você vai estar melhor pra gente sair com o pessoal sábado? — Diego tomou outro gole de chá e sentiu a garganta que até aquele momento ardia, melhorar.

— Espero que sim. Na verdade, só vou ficar em casa hoje porque não estou legal, mas amanhã já volto pra imobiliária. Não posso relaxar muito. — sentiu-se ser abraçado com cuidado por Marcelo e se aconchegou, curtindo o contato.

— Mas hoje você devia descansar. — Diego estava se esforçando demais, como sempre. Se sobrecarregando com o trabalho, a casa e a criação de Paulo e por mais que Marcelo fizesse o seu melhor para ajudá-lo, o outro se recusava a dividir as tarefas por completo com ele.

— Sabe, quando eu levei o Paulo pra escola hoje, ele me perguntou se você estava bem. — comentou despretensioso enquanto observava Diego saborear mais um gole de chá e fechar as pálpebras com lentidão.

— Acho que ele ficou assustado ontem. Deu pra ver no rostinho dele. — respondeu Diego ainda de olhos fechados. Suas têmporas estavam pulsando de dor e parecia que alguém invisível havia colocado sua cabeça em uma prensa mecânica e a apartado ao máximo.

— Na verdade, ele me contou que quando o pai dele dizia que estava com “dor de cabeça”, ele ou a mãe acabavam apanhando. Na maioria das vezes, era a Beatriz que apanhava... Na frente dele. — Diego suspirou cansado e abriu um olho, encarando o marido de forma fixa.

— Ele está aqui com a gente já faz nove meses e ainda assim, há tantos traumas pelos quais ele passou e que a gente não sabe... Eu preciso procurar uma psicóloga infantil pro Paulo. — declarou Diego para em seguida terminar de beber o chá e soltar outro suspiro cansado enquanto se levantava e dizia que ia ligar para a imobiliária.

Mas antes de entrar no pequeno corredor que levava aos quartos, ele deu meia volta e beijou Marcelo com paixão, murmurando em seguida. “Obrigado por me ajudar hoje. Eu sei que não posso fazer tudo por conta própria, mas fico feliz também de saber que não estou sozinho nessa”.

Alguns minutos depois, Diego voltou a sala e se sentou no sofá, encostando a cabeça no ombro do marido, que tinha pego uma caneca de café para si. Ficaram em silencio por alguns minutos, até que Diego murmurou incomodado.

— Veja só a situação, estamos os dois em casa, o Paulo ta na escola, podíamos fazer alguma coisa, mas não... Eu tinha de ficar com enxaqueca. — ouviu Marcelo dar um risinho e sentiu o braço dele envolver seus ombros.

— Você se cobra demais. Além do que, esse final de semana o Paulo vai posar na casa da Lola e da Joana, então depois que voltarmos da nossa saída com o pessoal, vamos ter algum tempo só para nós. — Diego riu baixinho ao ouvir a sugestão e em seguida apoiou a cabeça no ombro de Marcelo, cochilando novamente.

***

Quando Paulo chegou da escola, ao contrário de entrar correndo animado como sempre fazia, o menino caminhou com passos cuidadosos e controlados e estacou um pouco antes de entrar no pequeno espaço em que ficava o sofá da sala, observando Diego que estava adormecido ainda com a cabeça apoiada no ombro de Marcelo.

— Ei rapaz, você já voltou da escola. — Marcelo o cumprimentou e após deitar o marido com cuidado no sofá, se aproximou para dar um abraço no menino e um beijo no rosto de Mayara, explicando para a moça sobre a situação de Diego.

— Enxaqueca? Pobrezinho... — Ela exclamou surpresa ao mesmo tempo em que lançava um olhar preocupado para o amigo que permanecia adormecido no sofá.

— May. Eu preciso ir pro consultório, tenho um paciente agora a uma da tarde e eu sei que não faz parte do trato, mas, será que você pode ficar de olho no Diego pra mim? — ao ouvir a moça responder para que fosse tranqüilo, que tudo ficaria bem, Marcelo sentiu um pouco de alivio.

Deu um abraço em Paulo e outro beijo no rosto de Mayara e saiu, pedindo para que se acontecesse qualquer coisa, que a moça ligasse em seu celular.

Durante toda essa situação, Paulo permaneceu em pé no centro do corredor que levava para os quartos, segurando as alças da mochila com certa força e encarando o irmão adormecido com uma expressão preocupada.

— Vai trocar de roupa, querido. Eu vou esquentar o almoço pra gente, ta? — Mayara fez um afago nos cabelos do menino, mas para sua surpresa, o garoto se assustou com o toque e deu um pequeno pulo.

— O que? Ah sim, eu tou indo... — a moça viu o menino arrastar os pés até o próprio quarto e sumir porta dentro, reaparecendo alguns minutos depois trajando um conjunto de shorts e blusa de malha.

Diego dormiu boa parte da tarde e Mayara notou como o menino encarava o irmão com uma expressão preocupada e evitava fazer barulho, em um comportamento bastante atípico. Quando o rapaz acordou, um pouco antes das seis da tarde e se deu conta de que tinha cochilado ali, ele se sentiu um pouco envergonhado, mas ao olhar para o lado e ver o irmãozinho em pé próximo ao sofá, Diego esboçou um sorriso e estendeu os braços convidando-o para um abraço.

— Vem cá, ta tudo bem. — enquanto abraçava o menino, Diego sentiu o corpo pequeno de Paulo se enrijecer, como se estivesse tenso e em resposta fez um afago leve nos cabelos do garoto, repetindo que estava tudo bem.

— Como foi na escola hoje? — perguntou ao mesmo tempo em que guiava o irmãozinho para se sentar ao seu lado e cumprimentava Mayara, pedindo desculpas por ter dormido a tarde toda.

— Imagina, você estava precisando descansar. Paulo, conta pro Diego sobre aquela lição que você fez hoje na aula e que a professora te deu um elogio. — o menino começou a falar num tom baixo e receoso, observando qualquer reação que Diego pudesse ter, mas em poucos minutos já tinha se animado e tagarelava animado, saindo correndo no meio da narrativa para ir buscar o caderno que trouxe para mostrar ao irmão.

— Mas olha só, que legal! Eu fico muito orgulhoso de você ter me contado isso, Paulo. — Diego declarou enquanto se levantava e rumava para a cozinha em busca de algum alimento e via o menino segui-lo com alegria.

Uma meia hora depois, Marcelo chegou do trabalho e se ofereceu para levar Mayara para casa, enquanto isso, Diego começou a esquentar a janta, canja de galinha que havia feito no dia anterior. No entanto ele notou que, ao ficar sozinho com Paulo, o menino voltou a se comportar de forma receosa, o que o fez se sentar ao lado do garoto à mesa e tentar conversar com ele.

— Sabe, hoje cedo o Marcelo me contou que... Antes de você vir morar com a gente, o seu pai dizia ter dor de cabeça e... Ficava meio agressivo. E que era por isso que você estava se comportando desse jeito comigo. — o menino ergueu o rosto redondo e exibiu aqueles grandes olhos castanhos que por incrível que parecesse, estavam ainda mais arregalados.

— E você... Tá bravo comigo por isso? — ao ouvir aquela pergunta, Diego teve um impulso de abraçar o irmãozinho, mas se conteve, pois viu que o menino precisava de uma resposta consistente.

— Não mesmo. Eu nunca vou ser violento com você, especialmente quando eu estiver com dor. Você está seguro aqui com a gente, Paulo. Ninguém nunca mais vai te machucar, eu prometo. — o garoto piscou e abriu e fechou a boca algumas vezes seguidas,  como se estivesse tendo problemas para digerir aquela informação, mas no fim parece que acabou compreendendo que ali não era como sua antiga casa e isso na verdade, era uma coisa boa.

— Diego? — o rapaz fez “hm?” em resposta, observando o menino adotar uma postura mais relaxada e confortável na cadeira e então dizer — Obrigado. — e aquilo cortou seu coração e o fez abraçar o irmãozinho, sentindo os braços curtos do menino retribuir o gesto.

***

Joaquim remoeu mentalmente os gastos hipotéticos da festa de casamento durante todo o dia e quando Francisco veio buscá-lo para levá-lo ao curso técnico, o rapaz permaneceu boa parte do trajeto em silencio, que só foi quebrado quando ele deu um beijo rápido no namorado antes de sair do carro.

Algumas horas depois, quando o namorado foi buscá-lo, Joaquim ainda tentava resolver sozinho como poderiam custear uma comemoração, nem que fosse para poucas pessoas. Estava tão focado nisso, que mal prestou atenção na matéria da aula.

Quando entrou no carro, cumprimentou Francisco com um beijo suave e permaneceu em silencio, até que, incomodado com a distância do loiro, o outro rapaz perguntou se havia algo errado.

— Hm? Por que ta perguntando isso? — respondeu Joaquim em um reflexo defensivo que não passou despercebido.

— Porque eu fui te buscar hoje e você entrou quieto e saiu calado e agora voltou ainda mais silencioso. — o loiro não queria compartilhar aquele problema hipotético com o namorado, ele queria ser capaz de achar a solução sozinho, mas após mais algumas tentativas insistentes de saber o motivo, acabou cedendo e contando sobre as cotações de preço que tinha feito durante o dia.

— É esse o problema? Não é assim tão complicado. — Francisco viu o loiro resmungar que ele estava “diminuindo a situação toda” e “me fazendo sentir idiota por surtar por algo tão besta”.

— Eu não disse que era besta. Só que não é assim tão complexo. A gente já fez a lista de convidados? Não né? Então, não dá pra cotar Buffet sem ter o numero de pessoas. E eu sei, você quer uma coisa intimista, sem muita gente, mas o que você fez hoje é algo que minha avó chamava de “colocar a carroça na frente dos bois”.  —Francisco suspirou cansado e alcançou a mão esquerda do loiro, segurando-a com carinho.

— Primeiro a gente faz a lista, depois a gente re-faz essa lista, até chegarmos em um numero de pessoas que ambos vamos querer que estejam lá, afinal, é o nosso dia. E só então vamos ver essa coisa de salão, Buffet e o que mais precisar. E eu sei que você quer fazer as coisas por conta, mas eu também faço parte disso, né? — ouviu Joaquim rir baixinho e murmurar “é claro que faz, seu bobo”.

— Então estamos de acordo. Vamos montar uma lista de pessoas que queremos convidar, contar para os nossos amigos sábado e só daí, depois de fizermos tudo isso, é que vamos juntos, procurar um lugar para a recepção. — Joaquim esboçou um pequeno sorriso, apesar de lá no fundo ainda se sentir meio idiota por ter tentado se adiantar tanto sozinho.

— E o que você acha de quando chegarmos em casa, você vai tomar um banho morno e eu estouro uma pipoca e a gente vê um filme debaixo das cobertas? — o loiro concordou com um murmúrio positivo e pensou que boa parte do motivo que o ajudava a seguir em frente na vida, estava ali, ao seu lado no carro.

Continua...

 

Nota da autora:

Para quem está lendo este capitulo na semana do dia 26/04/2025, peço desculpas pela demora. Para ser bem sincera, às vezes me pergunto de onde eu ainda tiro ânimo para continuar escrevendo isso aqui.

Não sei se tem alguém lendo, muito menos se tem alguém gostando do que está lendo e tem horas que, sinceramente, me dá vontade de só abandonar essa história. Eu tenho alguns problemas pessoais que me impedem de ser pontual nas atualizações, mas a falta de feedback de quem lê tem sido uma das maiores.

Eu sei que isso aqui não é nenhuma história de fantasia medieval ou um universo paralelo de viagem no tempo, é só cotidiano brasileiro de um grupo de pessoas inventadas por mim e seus dramas pessoais. E talvez por isso não tenha atraído tantas pessoas para ler quanto eu gostaria. E eu posso lidar com isso, eu posso lidar com o fato de que esta história que está em publicação há cinco anos não é popular.

Mas o que acaba comigo um pouquinho há cada atualização é o silencio das pessoas que – supostamente – ainda estão lendo este trabalho.

Desculpe o desabafo, mas eu precisava falar em algum lugar.

A parte disso, espero que quem ainda está acompanhando a história tenha gostado do capítulo, peço desculpas se ele pareceu um “tapa buraco”, mas é que eu não quero apressar os pontos-chaves da narrativa só para “terminar logo”.

Obrigada pro ler até aqui e até o próximo capítulo, que eu espero conseguir lançar mais rápido.

Perséfone Tenou

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