— Nossa, estou
exausto. — declarou Joaquim enquanto voltavam para casa e complementou com “ainda bem que amanhã é domingo”, ao que
Francisco concordou com um murmúrio positivo.
— Mas foi legal
sair com o pessoal. — Joaquim observou enquanto se espreguiçava no banco do
passageiro, fazendo com que a camiseta que usava subisse alguns centímetros,
exibindo seu umbigo e tal gesto não passou despercebido por Francisco, que deu
uma olhada rápida naquela direção.
— Só achei que o
Diego tava meio mal-humorado, não tava? — perguntou Francisco enquanto paravam
em um sinal. Mesmo sendo três da manhã, havia câmeras rodoviárias nos postes e
ele não queria pegar uma multa.
— Então, pelo que
ele me contou, aconteceu uma coisa chata lá na imobiliária onde ele trabalha e
daí, ele acabou descontando no Marcelo. Espero que eles tenham se resolvido. —
o loiro murmurou chateado.
— Eles vão se
acertar, todo casal briga de vez em quando. A gente também teve nossas
diferenças. — ao que ouviu Joaquim dizer “E
como temos”. Para o loiro estava difícil ficar acordado, tinha levantado
cedo para trabalhar naquele sábado e não costumava dormir tão tarde...
Acabou cochilando
antes de chegarem em casa.
— Quim? Vem, vamos
pra casa. Coloca o braço aqui em volta do meu pescoço, isso! — Francisco
enlaçou o namorado pela cintura e o ajudou a caminhar até o elevador que dava
para os apartamentos e com certa dificuldade Francisco pescou as chaves do
apartamento no bolso e entrou, ainda amparando Joaquim que permanecia
semi-acordado.
— Eu posso ir pro quarto sozinho... Não se
preocupa. — o loiro murmurou cambaleando sonolento, sendo auxiliado pelo
namorado que riu baixinho e o guiou até o quarto, onde o ajudou a se trocar e
colocou-o na cama.
Embrulhado nas
cobertas, Joaquim soltou um suspiro satisfeito quando sentiu a mão morna de
Francisco fazer um afago no seu rosto. O outro rapaz então se retirou para a
pequena sala de estar do apartamento, pois não estava com sono.
Ele se sentia
feliz de ter alguém de quem cuidar.
***
— Ainda não
acredito no que aquele cara fez com a Darcy lá no barzinho. Digo, eu não sou
idiota, eu sei que tem gente LGBTfóbica em toda a parte, mas caramba, num
barzinho lá da Augusta! De todos os lugares do mundo aquele era o ultimo em que
eu... Enfim, você entendeu, né? — Mayara desabafada sua frustração com Letícia
enquanto elas voltavam para o apartamento.
— Com certeza! O
cara foi um escroto com ela e depois se voltou contra a gente e as outras moças
do bar também! Depois que o pessoal do bar expulsou ele, eu ouvi o gerente
falar que aquele tipo estava começando a proliferar por lá. Também, com quem
está no poder... Já era de se esperar. É como se tivessem aberto a tampa do
esgoto e liberado todo tipo de atrocidade... — Letícia complementou desgostosa,
sentindo uma saliva amarga se juntar em sua boca. Ela não costumava debater
política, mas era meio difícil não fazer isso quando o atual idiota no cargo de
presidência queria toda a sua comunidade morta.
— Né? Eu já estou
acostumada com algumas reações homofóbicas “mal” disfarçadas, que nem aquele
dia que a gente estava lá em frente de casa e aquelas duas fofoqueiras passaram
nos encarando. Eu sou filha de um casal de lésbicas quando a adoção homoafetiva
nem existia, então é obvio que sempre tive de lidar com esse tipo de violência,
mas agora ta fora do controle. O Diego contou que ele e o Marcelo foram
constrangidos outro dia no cinema, porque deram um selinho. — Letícia perguntou
se eles haviam feito boletim de ocorrência e ouviu a namorada dizer que sim,
mas que não acreditava que serviria de muita coisa.
— Esse tipo de
coisa se arrasta as vezes até por anos antes que alguém seja processado... Mas
claro que eu disse ao Diego que ele fez bem de denunciar, mesmo que demore, a
gente precisa mostrar que não somos “de
matar com a unha”, como diz minha mãe Joana. Mas é frustrante. — o plano
quando chegassem ao apartamento de Letícia era tomarem um banho morno e irem dormir.
Elas estavam de acordo que não tinham animo para fazer nada mais físico.
E a sugestão ter
partido de Letícia causou em Mayara uma sensação de confiança e acolhimento,
especialmente por não ter sido ela que teve de manifestar o desejo de apenas
dormirem abraçada aquela noite.
***
Enquanto voltavam
para casa, Diego permanecia quieto, pensando em como se desculpar pelo seu
comportamento de antes. Ele até ensaiou iniciar uma frase, mas acabou
desistindo segundos antes.
Eles ficaram em
silencio até chegarem em casa. A tensão era tanta que poderia ser cortada ao
meio com uma faca.
— Você vem pra
cama? — Diego Ouviu Marcelo perguntar e desconversou arrumando uma desculpa
qualquer para continuar na cozinha. Estava envergonhado do próprio
comportamento, mas não tinha coragem de se desculpar.
Começou a se
ocupar lavando algumas poucas peças de louça que estavam na pia, ao mesmo tempo
em que remoia toda a situação daquela noite, murmurando um “como eu sou idiota” baixinho de tempo em
tempo.
Quando colocou o ultimo
copo no escorredor, Diego se segurou na pia, os braços afastados e as mãos
espalmadas enquanto soltava um longo e cansado suspiro. E então ele foi
surpreendido por Marcelo que o abraçou pela cintura com cuidado enquanto
sussurrava.
— Tá melhor? — se
surpreendeu ao ouvir Marcelo perguntar tão calmo e controlado e ao mesmo tempo,
com a proximidade da voz e o calor do hálito dele contra seu pescoço, Diego
sentiu um pequeno arrepio de prazer. Apesar disso, naquele momento, toda a
compostura do marido apenas causou mais desconforto, fazendo Diego pensar em
como havia sido idiota.
— Pra ser sincero,
estou. Desculpa ter sido um idiota com você mais cedo... E aquilo que você
falou... Você estava certo, a gente ta criando o Paulo juntos e eu não devia te
impedir de participar... Na verdade, aquilo tudo foi só a gota que faltou pro
meu copo transbordar. — Diego então mordeu o lábio inferior com força bastante
para causar um pouco de dor, aliviado por ainda estar de costas para o marido.
— Mas, o que
aconteceu? Foi algo que eu fiz? — Marcelo estava sendo cauteloso ao formular a
pergunta, porque não queria entrar em outra discussão sem sentido com o marido.
— Não! Nunca. — em
um gesto impulsivo, Diego se virou dentro do abraço, encarando os olhos gentis
de Marcelo e sentindo uma batida falhar no peito. Após soltar outro suspiro longo e exausto,
continuou.
— Foi uma coisa
que aconteceu na imobiliária há alguns dias... Lembra da enxaqueca que eu tive?
Então, foi causada por isso... — e ele contou sobre toda a situação envolvendo
o casal de lésbicas, cuja locação de um apartamento estava prestes a ser
oficializada, até que a dona do imóvel, uma mulher na faixa dos 50 e poucos, ao
descobrir quem seriam as inquilinas, disse sem qualquer rodeio na cara das duas
que não iria alugar para “gente como essa
ai”.
— E daí ela ainda
disse várias outras coisas bem homofóbicas e eu tive de fingir que nada daquilo
me afetava! Claro que eu e o Raul repreendemos a mulher, dissemos que ela
estava cometendo um crime e tudo o mais, mas não adiantou. E para completar,
ela ainda tirou o imóvel da nossa imobiliária. Agora imagina eu, um homem gay,
casado com outro homem, vendo esse tipo de reação escrota e não podendo nem
responder a altura ou podia perder o emprego! — Marcelo viu o marido suspirar
cansado mais uma vez e acabou perguntando o porquê de ele não ter lhe contado
sobre aquela situação.
— Não sei, acho
que eu não queria te preocupar... — às vezes Diego guardava problemas para si e
ficava remoendo tudo por dias, até acabar tendo um mal estar físico.
— Tá tudo bem, já
passou. — Diego sentiu o marido abraçá-lo e enquanto escondia o rosto na curva
do pescoço dele, esboçou um pequeno sorriso em resposta. Apesar de que para ele
não havia “passado”, mas assim como Marcelo, ele também não queria iniciar
outra discussão sem sentido.
— Sabe, mudando de
assunto, eu fiquei feliz de saber que eles vão casar... — comentou Diego, que
após se afastar alguns centímetros do abraço de Marcelo, começou a girava a própria
aliança no anelar da mão esquerda de forma distraída.
— Apesar de eu não ter demonstrado muita...
Animação quando eles falaram... Acho que depois vou ligar pro Joaquim e me
desculpar por que... — mas o resto da fala foi omitido por um beijo apaixonado
que Marcelo lhe deu, o fazendo enlaçar o pescoço dele com os braços, enquanto
experimentava a sensação sedutora da língua dele domando a sua.
— Eu acho que o
Joaquim não ficou chateado, você precisa tentar se preocupar um pouco menos...
— Marcelo deslizou o polegar da mão direita contra os lábios macios de Diego,
observando como ele já estava excitado apenas com aquele contato breve.
— ...Que tal a gente ir lá pro quarto e
eu...Alivio um pouco da sua tensão? — viu
Diego sorrir com a sugestão e se deixar guiar puxado com gentileza pela não até
o quarto, onde Marcelo derrubou o marido com um movimento suave sobre a cama.
Diego se permitiu
apreciar as sensações que eram causadas em seu corpo conforme o marido o despia
e beijava cada parte recém-exposta de pele, arrancando dele suspiros baixos de
satisfação. Fazia algum tempo desde a última vez que eles ficaram íntimos sem
se preocuparem que Paulo ouvisse alguma coisa.
Porque era isso o
que diziam sobre sexo depois de ter filhos, não é? A freqüência diminuía e a
menos que fosse um completo insensível, você começava a se preocupar se algum
som chegaria até o quarto da criança e isso, obvio, atrapalhava poder sentir
prazer.
— Ei, volta pra
mim... — ouviu Marcelo sussurrar perto de seu ouvido, causando um arrepio
elétrico no comento em que beijou a curva do seu pescoço com carinho.
— Desculpa, eu só
tava pensando... — “No Paulo?”
complementou Marcelo ao mesmo tempo em que esboçava um pequeno sorriso e
complementava a frase com “Ele está bem,
você não precisa se preocupar”.
— É que foi
meio... Involuntário. — Diego riu sem jeito enquanto sentia seus sapatos e
calças serem removidos e em seguida uma caricia preguiçosa ser feita sobre sua
semi-ereção, ainda coberta pela roupa intima. Em seguida observou o marido
pegar alguns preservativos e o tubo de lubrificante na gaveta de uma das
mesinhas de cabeceira.
— Eu entendo, mas
só por hoje, tenta se desligar de tudo isso. Dos problemas, das preocupações e
foca só aqui na gente agora, acha que consegue? — Diego soltou um risinho
irônico, afinal o outro estava pedindo para alguém com ansiedade crônica para
não pensar negativamente no futuro e não se preocupar com todo tipo de situação
hipotética catastrófica?
— É, eu acho que posso
tentar. — agora estava totalmente despido e observava Marcelo remover as
próprias peças, igualando a situação rapidamente, mas quando fez menção de se
sentar para dar algum prazer ao parceiro, foi impedido pela mão espalmada do
marido em seu tórax, segurando-o com delicadeza.
— Não, hoje você
só aprecia. — se apoiando nos cotovelos, Diego concordou com um meneio de
cabeça enquanto sentia a língua morna do outro deslizar com suavidade pela
extensão de sua rigidez lhe causando arrepios deliciosos.
Aquelas caricias
suaves por toda a pele tesa fez Diego encher as mãos com o lençol abaixo de si,
enquanto jogava a cabeça para trás e permitia que um ofego sufocado escapasse
de seus lábios, enquanto na outra extremidade do contato íntimo, Marcelo observava
maravilhado as reações do marido.
E quando sem aviso
teve sua rigidez engolfada com delicadeza pelos lábios mornos do marido e ao
sentir-se abarcado dentro daquela cavidade morna, Diego exprimiu um suspiro surpreso
e deliciado ao mesmo tempo em que levava uma das mãos até o topo da cabeça de
Marcelo, fazendo um agrado suave conforme sentia a felação aumentar de ritmo.
Uma das mãos
espalmadas de Marcelo deslizou pelo ventre e tórax desnudos de Diego, até
alcançar o mamilo direito, o qual começou a arreliar com lentidão enquanto
ainda o tomava com a boca. E foi quando Diego sentiu os dedos úmidos de lubrificante
do parceiro roçar contra sua entrada, contornando ao redor em uma preparação
agonizante para o que viria a seguir. Em resposta, ele fechou os olhos e
suspirou extasiado quando sentiu um digito de Marcelo invadi-lo com
vagarosidade, ao mesmo tempo em que a felação continuava constante.
— Marcelo... Eu...
Hmm... — Diego pediu por entre ofegos excitados, não conseguindo completar a
frase. Tinha três dedos do marido dentro de si e ainda estava sendo estimulado
pela boca do outro mas ansiava por mais. Precisava sentir o outro por completo.
— Você quer que eu
continue? — a pergunta era retórica, afinal, o desejo estava estampado no rosto
de Diego, mas Marcelo não conseguiu evitar de proferir a frase e sentiu uma
fisgada dolorosa e excitante no próprio baixo-ventre ao ver o parceiro
concordar com um meneio breve de cabeça.
O rosto de Diego
estava afogueado e podia-se ver pequenas gotículas de suor escorrendo por suas
têmporas, assim como a respiração dele se apresentava acelerada e constante e
em resposta, Marcelo arreliou o mamilo direito com lentidão arrancando mais um
gemido sufocado de prazer, o que o fez sorrir.
E assim que
removeu os dedos do interior do parceiro e o retirou de sua boca, Marcelo se
inclinou sobre Diego e o beijou nos lábios com suavidade, fazendo com que o
outro provasse do seu próprio gosto, salgado e ácido na saliva dele, conforme
suas línguas se enrolavam e torciam lentamente.
Após observar o
marido colocar o preservativo no próprio membro, Diego sentiu o peso morno do
corpo macio sobre o seu, o contato úmido da pele contra a sua e o toque suave
dos lábios tocando nos seus próprios, apenas um suave roçar quase virginal, ao
mesmo tempo em que a ponta morna da rigidez dele roçava com suavidade contra
sua entrada pulsante.
Sentiu a mão morna
acariciando sua coxa ao mesmo tempo em que sentia-se ser preenchido por
completo pelo outro e isso lhe causou um novo pequeno ofego de prazer, que em
resposta, levou um dos braços até as costas de Marcelo e deslizou as unhas com
um pouco mais de força do que o planejado contra aquela pele morna e sedosa,
enquanto sentia-se abarcar por completo o marido dentro de si.
Em seguida ele
envolveu os quadris do parceiro com as pernas, apoiando os pés na altura dos
quadris, enquanto sentia seus corpos se chocarem com suavidade e a cadencia das
investidas aumentarem para então esconder o rosto na curva do pescoço de
Marcelo, exprimindo alguns gemidos sufocados de puro êxtase.
— Eu te amo, Di. —
ouviu o outro sussurrar em seu ouvido enquanto após algum tempo que ele não
conseguiu precisar, liberava sua carga contra o preservativo, mas ao tentar
responder, tudo o que Diego conseguiu deixar escapar de seus lábios foram
gemidos vocálicos dentre os quais exprimiu a palavra “também”. E alguns minutos depois, ele também atingiu o ápice, com a
ajuda de uma breve masturbação feita pelo outro.
A mão firme de
Marcelo segurando sua nunca enquanto os dedos habilidosos trabalhavam em sua
rigidez e o jeito como podia ver os olhos apaixonados dele sobre si causaram um
efeito afrodisíaco consistente e ao mesmo tempo em que se deixava esvair entre
os dedos do parceiro, Diego afundou a cabeça contra o travesseiro, experimentava
aquela sensação de saciedade que apenas uma sessão de amor bem feita era capaz
de causar.
Sonolentos,
ofegantes e exaustos, os dois permaneceram deitados nus, lado a lado na cama,
por um período que não conseguiram delimitar, mas que pareceu ao mesmo tempo
longo e curto demais.
— Me promete uma
coisa? — Marcelo murmurou, após descartar o preservativo na pequena lata de
lixo que ficava ao lado da sua mesinha de cabeceira, limpar o ventre de Diego
com uma toalha de forma dedicada e em seguida pegava as cobertas para colocar
sobre ambos.
— O que? — Diego
perguntou enquanto experimentava o calor morno dos edredons e se aninhava ao
lado do parceiro, sendo abraçado com carinho.
— Que você não vai
mais guardar seus problemas só pra você... Eu sou parte da sua vida, assim como
você é da minha, e eu não quero ver só os momentos bons, eu quero te dar apoio
quando algo complicado acontecer. — Diego escondeu o rosto sob as cobertas,
sentindo-se envergonhado pelo papel infantil que havia feito antes. Não era que
não confiasse em Marcelo, apenas queria ter conseguido resolver seus problemas
por conta própria.
— Di? Qual a sua
resposta? — um silêncio desconfortável havia caído sobre o quarto e Marcelo se
perguntou se havia feito o certo intimando o outro naquele momento. Mas
precisava resolver as coisas o mais breve possível.
— Eu prometo! Sei
que preciso aprender a controlar um monte de sentimentos e reações e a
compartilhar certas situações com você, caramba, você tá sempre me dando apoio
e eu ainda consigo estragar tudo! — desabafou Diego enquanto espiava pela borda
das cobertas.
— Mas é isso que é
fazer parte de um relacionamento. A gente se apóia e divide as situações
complicadas. No futuro se acontecer algo parecido de novo, conta pra mim, ta?
Eu sempre vou estar aqui pra você. — Diego sentiu um beijo suave ser depositado
no topo da sua cabeça e sorriu, respondendo.
— Eu também sempre
vou estar aqui por você. — eles até cogitaram de engrenarem em uma segunda
rodada, mas o cansaço foi mais forte. Eles estavam mentalmente exaustos.
***
No dia seguinte,
Paulo acordou um pouco assustado por não estar no próprio quarto, mas ao se
lembrar que estava na casa de Lola e Joana, o menino se acalmou. Ele levantou,
trocou de roupa, foi ao banheiro onde fez xixi e escovou os dentes e então
desceu para a cozinha.
— Bom dia,
rapazinho! Quer comer? — Lola estava em pé perto do fogão. A idosa usava um
turbante em volta dos cabelos prateados e uma longa e larga camisola de flanela
e Paulo pensou em quanto se sentia bem na presença daquela mulher que dizia que
ele podia chamá-la de “vó”.
— Bom dia vó Lola,
eu quero sim, o que tem pra comer? — ao que Joana, que havia acabado de entrar na cozinha emendou “Melhor perguntar o que não tem, quando tem
visita aqui em casa a Lola se supera na cozinha, não é mesmo querida?” e em
seguida a idosa indígena depositou um beijo suave no rosto da esposa, que em
resposta lhe deu um tapa leve com o guardanapo que estavas em seu ombro, ao
mesmo tempo em que a mandava se sentar.
— O Paulo não é
visita, ele é parte da família! Aqui querido, temos pão de queijo, goiabada, biscoitos, pão fresquinho,
manteiga, leite, umas broinhas de milho que eu fiz hoje de manhã e a Mayara me
disse que você gosta desse negócio de morango aqui, então eu comprei uma
latinha. Agora senta querido e come. Você também, velha teimosa! Come pra
depois ir dar uma caminhada com o menino. — a atmosfera naquela casa era muito
agradável, Paulo se sentia seguro e querido com as duas idosas.
— Isso mesmo
menino, tome um bom café da manhã, para sairmos dar a minha caminhada depois. O
médico disse que eu tenho de andar pelo menos 45 minutos todos os dias, então
eu vou até a pracinha, compro um jornal, às vezes pego algo para a Lola no
mercadinho e volto para casa. Não é nenhuma odisséia, mas dá pro gasto. —
Declarou Joana para em seguida tomar um gole de café puro.
— O que é uma
“edisséia”? — perguntou Paulo que já havia comido alguns pães de queijo e dado
uma mordida em uma broinha de milho.
— Ah filho, é um
livro sobre um grupo de homens que saem em uma aventura de navio... Um dia
desses ainda leio uns trechos para você. Mas aqui eu quis dizer que não era
nenhuma viagem longa, é só uma pequena caminhada. — Joana fez um agrado no
cabelo do menino o que o fez rir.
— Gosto do garoto,
ele tem curiosidade! Me lembra da nossa menina na idade dele... — complementou
a idosa indígena ao que Lola concordou com um meneio de cabeça e um pequeno
sorriso.
Enquanto Paulo saiu com Joana para a
caminhada, Lola disse que ia dar um jeito na louça, ao que a esposa rebateu com
“vai descansar mulher, é domingo! Quando
eu voltar lavo pra você” e após uma breve discussão amigável, Lola resolveu
aceitar a oferta da esposa.
Paulo andava no
passo lento da idosa, que se apoiava em uma bengala. Desde o ataque cardíaco,
muita coisa precisou ser mudada na vida de Joana, boa parte ela não gostou e
mais da metade ela não aprovou, mas após o ultimato da esposa, “Quer ter outro infarto e me deixar viúva?”
a idosa acabou cedendo.
Uma das coisas das
quais teve de abrir mão foram os cigarros. Ela não fumava mais, com exceção de
um cigarro as escondidas durante suas caminhadas diárias. Eles queriam lhe
arrancar todos os vícios e não queriam que ela enlouquecesse! Ela sempre fumava
um quando chegava na pracinha, mas hoje o garoto estava junto.
Quando enfim
chegaram a tal praça, a mulher se sentou de forma ruidosa em um dos bancos de
pedra e viu o menino fazer o mesmo ao seu lado, mas sem todo o barulho e
grunhidos de dor.
— Diga Paulo, o
que acha de ir até ali na banca de revistas buscar um jornal para mim? Pede
para o vendedor o jornal para a Joana, ele sabe qual é. E daí, compra alguma
coisa com o troco, uma revistinha ou um doce. Vai que eu fico aqui te olhando.
— ela entregou uma nota de dez reais na mão do menino e o viu correr com
alegria até a banca.
Talvez não fosse
tempo suficiente, mas tinha de arriscar. Pescou o maço quase vazio de cigarros
e o isqueiro de dentro do casaco, acendeu um e tragou um pouco, mas mal tinha
começado a fumar, viu o menino voltar correndo feliz, o jornal debaixo do braço
e um gibi da turma da Mônica na outra mão.
— O moço disse que
ainda tinha troco, ta aqui. — entregou as moedas para a mulher que após
olhá-las por alguns segundos as devolveu para ele, dizendo “Pode ficar, filho”. Ela estava fumando,
Paulo notou isso assim que estava voltando da banca e já tinha ouvido Mayara
falando com seu irmão de como junto de Lola, tinham convencido Joana a parar,
pois era um habito ruim.
Ele não sabia o
que significava “habito”, mas entendia o que era “ruim” e por isso permaneceu
encarando a idosa com um olhar vidrado enquanto ela colocava aquilo na boca e
soltava uma nuvem densa de fumaça branca.
— Alguém falou
para você que eu não devia mais fumar? — Joana perguntou e em resposta viu o menino
concordar com um meneio positivo de cabeça. Isso fez com que Ela suspirasse
cansada, pois precisaria dar um jeito do menino não falar.
— Olha, eu não
fumo mais. Digo, exceto por este aqui. Eu fumava muito, admito e isso também
foi responsável por eu ter ficado doente, mas filho, você precisa entender que
quando alguém faz algo por muito tempo, como fumar, por exemplo, é impossível
arrancar tudo da pessoa de uma só vez. — ela jogou o cigarro pela metade no
chão e pisou nele com a ponta da bengala, para em seguida se inclinar e pegar o
toco apagado.
— Não quero que
você aprenda algo errado, então não vou pedir para mentir, mas será que pode
prometer que não vai contar que me viu fumando?
Eu sou uma velha com tão poucas alegrias, filho... — a forma como Joana
o chamava de “filho” fazia o menino se sentir importante e por isso ele
resolveu manter segredo sobre aquele pequeno “hábito feio”.
— É só um por dia
mesmo? — o menino perguntou por fim e em resposta Joana sorriu e respondeu que
sim, era apenas um e ainda complementou com “e é um hábito horrível, filho, você jamais deve fumar, me entendeu? Faz
muito mal pra você!”
Paulo quis
perguntar se era tão ruim, então por que ela continuava, mas a idosa parecia
ter “ouvido” e respondeu enquanto se levantava do banco e ia até um latão de
lixo descartar o cigarro apagado.
— Sabe filho, vou
te contar uma coisa que ninguém me disse quando eu comecei a fumar. Uma vez que
você começa um vicio, é muito difícil de parar. Então a minha dica para você é
nunca comece, pois daí nunca ficará impossível de parar. Agora vem, vamos
voltar para casa. Me dá aqui a sua mão. — ele segurou na mão morna e vincada da
idosa,enquanto ela se apoiava na bengala com a outra mão e levava o jornal
dobrado embaixo do braço.
Caminhavam em passos
lentos e conforme avançavam, Paulo pensava no que havia aprendido naquele final
de semana na casa das suas avós. Muita informação útil e alguns conselhos
assustadores.
Continua...
Nota da autora:
E estamos de volta
a nossa programação normal!
Obrigada a você
que chegou até aqui, e eu espero que esteja se divertindo com a narrativa.
Aqui tivemos o
desfecho da discussão do Diego com o Marcelo, que resultou numa lemon... E um
pouquinho dos outros personagens, incluindo a Joana, que fuma escondido. Todo mundo
que tem um parente idoso na família sabe como eles dão um jeito de continuar
com seus hábitos, mesmo depois de alguém tentar proibi-los.
Quero aproveitar
aqui e agradecer a Millacoca e Maluesfegh por acompanharem os capítulos e
sempre favoritarem, eu fico muito feliz de ver que vocês gostam de acompanhar a
história. E também a Lucienerdepaulo que vem lendo um capítulo por dia, espero que quando você chegar nesse aqui,
veja esta nota.
E para as demais
pessoas que estão acompanhando, muito obrigada por continuarem aqui, tem sido
uma jornada bem longa, mas me deixa feliz de saber que vocês continuam
acompanhando.
Obrigada por ler e
até o próximo capitulo,
Perséfone Tenou
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