sábado, 19 de fevereiro de 2022

Lar é onde o coração está - capítulo 43

 

Naquele mesmo sábado, mais cedo, Paulo estava no salão de barbeiro do conhecido de Marcelo, Leandro, fazendo o tão esperado desenho no cabelo.


Logo que chegou no salão, o menino encontrou Ronaldo, o filho do barbeiro, que exibia na cabeça o desenho do seu super-herói favorito, o que fez com que Paulo ficasse ainda mais animado.

Ele ficou quietinho na cadeira enquanto ouvia Diego conversar com o pai de Ronaldo sobre como poderiam fazer o corte sem “estragar o cabelo dele”.

– É que é um cabelo cacheado tão bonito, eu fico com pena de passar a máquina. Teria como fazer o corte desenhado sem precisar raspar tudo? – Paulo se olhou no grande espelho que estava a sua frente, enquanto estava sentado na cadeira de cabeleireiro com um banquinho em baixo para dar altura.

Também gostava do cabelo, porque lembrava o da sua mãe, mas no momento queria aquele desenho do Homem-Aranha na sua cabeça mais do que tudo, mais até do que ficar com o cabelo de antes.

– Eu posso raspar as laterais e deixar um pouco em cima ou posso raspar um pouco numa camada abaixo do cabelo, mas daí o desenho ficaria escondido. O que você acha campeão? A gente corta aqui do lado em volta ou faz tipo um desenho secreto? – ouviu o barbeiro perguntar e em seguida olhou-se no espelho novamente, pensativo.

– Paulo, pense com cuidado... – Diego começou, mas parou ao sentir a mão de Marcelo segurando seu cotovelo e ao olhar para o marido, o viu fazer um gesto negativo leve com a cabeça e em seguida puxá-lo com gentileza para a entrada do salão.

Diego deu mais uma olhada por sobre o ombro para o irmãozinho, que agora, auxiliado por Leandro, estudava as possibilidades no seu reflexo no espelho.

– Que foi? – disse de forma mais ríspida do que pretendia e em seguida se sentiu incomodado por isso.

– É que, você precisa deixar ele fazer as próprias escolhas. Você vai deixar ele decidir se quer ou não ver a avó paterna, então porque não deixa o menino decidir como vai querer cortar o cabelo? – suspirou cansado, mas tinha de concordar que Marcelo estava certo.

Se ia deixar o menino decidir sobre um assunto bem mais sério, como se Zulmira poderia vê-lo ou não, então porque não permitir que Paulo opinasse sobre o próprio cabelo.

– É que o cabelo dele tá tão bonito... Mas, eu concordo com você. Tudo bem, não vou falar mais nada. – retornaram para dentro do salão, onde Leandro informou que o menino tinha optado pelo corte lateral, deixando um pouco de cabelo no topo da cabeça, e desenhando o personagem na lateral esquerda.

Demorou algum tempo para ficar pronto. Primeiro, Leandro fez o corte base, depois desenhou com um pente especial para a maquina de cortar cabelo, os detalhes do personagem e por fim colocou as tinturas. Quando ficou pronto, Paulo passou os próximos cinco minutos observando o resultado no espelho, maravilhado.   

Marcelo fez questão de pagar o preço completo, mesmo com Leandro dizendo que lhe daria um desconto. Saíram do salão por volta das 13h00, quando Joaquim estava deixando a loja de sabonetes para ir até o centro da cidade e depois, ao estúdio de tatuagem.

Dalí, os três foram almoçar num shopping que ficava no caminho e Paulo se orgulhava ao ver todas as crianças que passavam por ele, observarem seu novo corte de cabelo com total surpresa.

***

Por volta do meio-dia, Letícia estava estacionando o carro na frente da casa de Mayara. Trazia uma garrafa de suco natural e três pequenos buquês de flores. Tinha sido convidada para almoçar com as “sogras” e só de dizer aquela palavra mentalmente, sentia um misto de felicidade e pavor.

Ao bater na porta, foi recebida por Mayara que estava linda num vestido em tons de rosa e lilás, com o longo e lustroso cabelo negro preso numa trança firme, jogada sobre seu ombro esquerdo. Entregou-lhe o primeiro dos buquês e viu as feições da moça expressarem pura alegria e então, elas se cumprimentaram com um selinho na boca antes de Letícia entrar.

– May, é a Letícia? Diz pra ela vir aqui pra cozinha! – a voz de Lola veio de dentro da casa e as duas trocaram um sorriso cúmplice antes de irem até lá. A mulher andava pela cozinha mexendo nas panelas e picando legumes, parecia que estava fazendo almoço para um batalhão, ao invés de para só quatro pessoas.

– Oi querida, bem-vinda! Eu ainda não terminei de preparar o almoço, mas vocês podem esperar um pouco, não é? – Letícia entregou outro dos buquês para Lola, que agradeceu e o colocou num vasinho com água.

– Joana está lá na sala, vendo tevê. Vá vê-la, ela vai ficar feliz. – o topo da parte de trás da cabeça da mulher que estava na sala, espiava da poltrona e Mayara se aproximou com cuidado da outra mãe, para conferir se estava acordada.

– Tou acordada menina, não precisa tanto cuidado. – ela disse com um pouco de irritação na voz, desde que tivera o AVC, a esposa e a filha ficavam cheias de dedos com ela, como se fosse quebrar a qualquer momento, e isso a estava incomodando.

Mas sua irritação passou ao ouvir que Letícia estava lá, a mulher mudou de postura e se aprumou na poltrona, abrindo um sorriso simpático, mas ao mesmo tempo levemente ameaçador para a outra moça.

– Olá Letícia, que bom que veio almoçar com a gente. Senta aqui um pouco, vamos conversar. – a moça obedeceu, mas não sem trocar um olhar assustado com Mayara, que respondeu com um sorriso calmante.

– Como a senhora está? Eu te trouxe isso aqui. – entregou as flores para a mulher e a viu pegar o buquê com os dedos nodosos, mas firmes, para em seguida pedir para a filha que colocasse as flores num jarro com água.

– Ah, eu tou bem, quer dizer, tem essa dieta estúpida que estou sendo obrigada a seguir, se eu “quiser continuar viva mais uns anos” – Joana disse enquanto fazia aspas com os dedos ao reproduzir o discurso da cardiologista.

– Esses médicos pensam que sabem de tudo, queria ver eles se virarem na vida como eu me virei, ai sim eles iam ver só! – a expressão séria e taciturna de Joana era algo que ainda assustava um pouco Letícia, mas após conversar com a mulher por alguns minutos, via-se que ela era uma pessoa boa e gentil.

– Mayara, que tal levar a sua namorada para conhecer o resto da casa? Eu vou ali na cozinha ajudar a Dolores com o almoço. – e se levantou com certo esforço, afinal, tinha sofrido um AVC há menos de um mês. Em pé, Joana chegava no ombro das duas moças, era baixinha e miúda, com o cabelo negro e forte preso em um rabo de cavalo baixo, que chegava no meio das costas. Os traços indígenas da mulher eram claros e apesar de Letícia saber que Mayara não era filha biológica de nenhuma das duas, via muito de Joana na moça.

Mayara por outro lado, ficou irritada com a mãe que lhe jogou aquela deixa nada sutil para as duas ficarem a sós. Meio envergonhada, pegou Letícia pela mão e a levou até o andar de cima, onde após apontar onde era o quarto das mães e o banheiro, apresentou seu próprio quarto.

Era pequeno, mas muito bem organizado. Uma estante embutida repleta de livros, a escrivaninha com o leptop e cadernos, um pequeno guarda-roupa, a cama e uma tevê colocada num suporte na parede. Letícia achou o cômodo à cara da outra. Delicado e organizado.  

– Bom, é isso. O tour acabou. – Mayara disse enquanto soltava um risinho nervoso e sentava na cadeira em frente à escrivaninha. Letícia permanecia em pé, até que a outra a convidou a se sentar na cama.

– Eu tive pensando sobre aquela proposta que eu te fiz no dia da virada cultural... Sabe, de a gente aprofundar o relacionamento no dia dos namorados, estive pensando muito nisso e... – antes que pudesse completar a frase, ouviu Letícia dizer que estava tudo bem se ela quisesse adiar mais um pouco.

– Eu... Posso esperar o tempo que for preciso. – olhou para a outra moça, o cabelo bonito e curtinho caindo ao redor do rosto corado, os olhos brilhantes que agora desviavam o ângulo para um ponto qualquer no quarto e as mãos, os dedos que se entrelaçavam em um tique nervoso involuntário. Ela gostava muito de Letícia e sentia que, com mais algum tempo de convivência, poderia dizer que a amava.

– Não é isso. Na verdade, eu já me decidi que quero levar esse relacionamento para outro nível, mas antes de a gente chegar nisso, eu queria saber se posso dizer pras minhas mães que você é minha... Namorada. – se ela podia? Estivera esperando por isso desde aquele dia que jantaram juntas naquele restaurante.

Ficou em pé e aproximou-se da outra moça, que permanecia sentada na cadeira. Mayara era mais alta do que ela, não que isso fosse algum problema, mas naquele momento, pode fazer algo que tinha vontade há meses. Afagou o cabelo dela com carinho e lhe deu um beijo no topo da cabeça, para em seguida responder.

– Seria maravilhoso, você me apresentar como sua namorada. – trocaram mais alguns beijos, mas quando a coisa começou a dar sinal de que ia se tornar algo mais tórrido, Mayara se afastou, murmurando que não queria fazer “aquilo” debaixo do teto da casa das suas mães.

E Letícia respeitou o pedido dela.

***

Quando Joaquim chegou em casa, já passava das 20h00 e Francisco estava sentado no sofá, vendo algo no streaming. Mas ao ver o namorado entrar, largou tudo e foi abraçá-lo, apenas para ouvir um resmungo dolorido quando o enlaçou pela cintura.

– Ah, desculpa. A tatuagem, né? Como foi? Deu tudo certo? – ouviu o loiro contar sobre seu dia, o passeio no centro, o estúdio de tatuagem, os cuidados que a profissional teve e todas as regras de cuidado pós-procedimento que ele teria de fazer durante as próximas semanas.

– Mas, me deixa ver como ficou! Eu quero ver. – Joaquim removeu as calças jeans e abaixou parte da roupa intima exibindo a estrela, grande e sólida preenchida com pigmento preto e ainda envolvida no filme plástico.

– Ficou ótima! Mas o mais importante. Você está feliz? Era isso que você queria fazer mesmo? – viu o namorado sorrir enquanto erguia as roupas de novo e ao ouvi-lo dizer que “finalmente me sinto livre da memória daquele traste” teve certeza de que sim, Joaquim estava feliz.

– Eu vou ali tomar um banho rápido e já volto tá? – sentiu um beijo suave ser depositado em seus lábios e viu o rapaz rumar pro banheiro exibindo um sorriso de satisfação no rosto.

Após ter colocado o jantar no forno, Francisco voltou a assistir a série na tevê.

***

No fim acabaram passando o dia todo fora de casa. Entre o barbeiro e o shopping foi metade do dia. Diego estava exausto, mas feliz porque conseguiu fazer algo que fez Paulo sorrir.

Tinham ido no carro de Marcelo e agora, sentado no banco do carona, Diego olhava pro marido com amor genuíno, olhar esse que não passou despercebido pelo outro, que ao pararem em um sinaleiro, perguntou se tinha acontecido algo.

– É, aconteceu... – Diego olhou por sobre o ombro e viu Paulo cochilando no banco de trás, o desenho no cabelo se destacando como um farol no mar e então, de volta para Marcelo que exibia uma expressão de surpresa e apreensão.

– Eu escolhi o melhor homem do mundo para casar comigo. Foi o que aconteceu. – ao dizer isso, viu a expressão do outro se desanuviar e um sorriso de pura felicidade surgir em seu rosto. Ele amava Marcelo antes, mas após ver as coisas que o outro fazia por Paulo, esse amor só aumentou.

Sentiu a mão morna do outro segurar a sua por alguns instantes e sorriu. A vida não era perfeita, na verdade, estava bem difícil desde que aquele ser inominável entrou na presidência do país, mas havia aquelas pequenas alegrias que o ajudavam a seguir em frente. Afinal, a vida era feita disso, pequenas alegrias.

Continua... 

 

Nota da autora:

Mais um capítulo quentinho só pra vocês!

Espero que estejam gostando da história até aqui, lembrando que, ela é uma slice of life/cotidiano, então não esperem grandes reviravoltas ou plot twists no enredo.

Bom, vimos o Paulo finalmente fazendo o corte desenhado que ele queria! Yey! Detalhe, a ideia veio de um garotinho que eu vi outro dia no shopping, eu achei tão criativo que precisava colocar na história!

Tivemos um pouco de Letícia e Mayara, elas são um dos meus casais favoritos – mas o que eu estou falando? Eu sou a autora, não tenho favoritos!

Também tivemos um pouquinho de Joaquim e Francisco e adianto aqui que, quando chegar a parte do dia dos Namorados, gente, vai ser beeeeem longa!

Bom é isso, quero agradecer a todas as pessoas que vem deixando favoritações e comentários (especialmente comentários), eles são muito importantes pra eu continuar escrevendo. Então, por favor, deixe um comentário!

Até o próximo capítulo,

Perséfone Tenou

 

 

 


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