Naquele mesmo sábado,
mais cedo, Paulo estava no salão de barbeiro do conhecido de Marcelo, Leandro,
fazendo o tão esperado desenho no cabelo.
Logo que chegou no salão,
o menino encontrou Ronaldo, o filho do barbeiro, que exibia na cabeça o desenho
do seu super-herói favorito, o que fez com que Paulo ficasse ainda mais
animado.
Ele ficou quietinho na
cadeira enquanto ouvia Diego conversar com o pai de Ronaldo sobre como poderiam
fazer o corte sem “estragar o cabelo dele”.
– É que é um cabelo
cacheado tão bonito, eu fico com pena de passar a máquina. Teria como fazer o
corte desenhado sem precisar raspar tudo? – Paulo se olhou no grande espelho
que estava a sua frente, enquanto estava sentado na cadeira de cabeleireiro com
um banquinho em baixo para dar altura.
Também gostava do cabelo,
porque lembrava o da sua mãe, mas no momento queria aquele desenho do
Homem-Aranha na sua cabeça mais do que tudo, mais até do que ficar com o cabelo
de antes.
– Eu posso raspar as
laterais e deixar um pouco em cima ou posso raspar um pouco numa camada abaixo
do cabelo, mas daí o desenho ficaria escondido. O que você acha campeão? A
gente corta aqui do lado em volta ou faz tipo um desenho secreto? – ouviu o
barbeiro perguntar e em seguida olhou-se no espelho novamente, pensativo.
– Paulo, pense com
cuidado... – Diego começou, mas parou ao sentir a mão de Marcelo segurando seu
cotovelo e ao olhar para o marido, o viu fazer um gesto negativo leve com a
cabeça e em seguida puxá-lo com gentileza para a entrada do salão.
Diego deu mais uma olhada
por sobre o ombro para o irmãozinho, que agora, auxiliado por Leandro, estudava
as possibilidades no seu reflexo no espelho.
– Que foi? – disse de
forma mais ríspida do que pretendia e em seguida se sentiu incomodado por isso.
– É que, você precisa
deixar ele fazer as próprias escolhas. Você vai deixar ele decidir se quer ou
não ver a avó paterna, então porque não deixa o menino decidir como vai querer
cortar o cabelo? – suspirou cansado, mas tinha de concordar que Marcelo estava
certo.
Se ia deixar o menino
decidir sobre um assunto bem mais sério, como se Zulmira poderia vê-lo ou não,
então porque não permitir que Paulo opinasse sobre o próprio cabelo.
– É que o cabelo dele tá
tão bonito... Mas, eu concordo com você. Tudo bem, não vou falar mais nada. – retornaram
para dentro do salão, onde Leandro informou que o menino tinha optado pelo
corte lateral, deixando um pouco de cabelo no topo da cabeça, e desenhando o personagem
na lateral esquerda.
Demorou algum tempo para
ficar pronto. Primeiro, Leandro fez o corte base, depois desenhou com um pente
especial para a maquina de cortar cabelo, os detalhes do personagem e por fim
colocou as tinturas. Quando ficou pronto, Paulo passou os próximos cinco
minutos observando o resultado no espelho, maravilhado.
Marcelo fez questão de
pagar o preço completo, mesmo com Leandro dizendo que lhe daria um desconto. Saíram
do salão por volta das 13h00, quando Joaquim estava deixando a loja de
sabonetes para ir até o centro da cidade e depois, ao estúdio de tatuagem.
Dalí, os três foram
almoçar num shopping que ficava no caminho e Paulo se orgulhava ao ver todas as
crianças que passavam por ele, observarem seu novo corte de cabelo com total surpresa.
***
Por volta do meio-dia,
Letícia estava estacionando o carro na frente da casa de Mayara. Trazia uma
garrafa de suco natural e três pequenos buquês de flores. Tinha sido convidada
para almoçar com as “sogras” e só de dizer aquela palavra mentalmente, sentia
um misto de felicidade e pavor.
Ao bater na porta, foi
recebida por Mayara que estava linda num vestido em tons de rosa e lilás, com o
longo e lustroso cabelo negro preso numa trança firme, jogada sobre seu ombro
esquerdo. Entregou-lhe o primeiro dos buquês e viu as feições da moça
expressarem pura alegria e então, elas se cumprimentaram com um selinho na boca
antes de Letícia entrar.
– May, é a Letícia? Diz
pra ela vir aqui pra cozinha! – a voz de Lola veio de dentro da casa e as duas
trocaram um sorriso cúmplice antes de irem até lá. A mulher andava pela cozinha
mexendo nas panelas e picando legumes, parecia que estava fazendo almoço para
um batalhão, ao invés de para só quatro pessoas.
– Oi querida, bem-vinda!
Eu ainda não terminei de preparar o almoço, mas vocês podem esperar um pouco,
não é? – Letícia entregou outro dos buquês para Lola, que agradeceu e o colocou
num vasinho com água.
– Joana está lá na sala,
vendo tevê. Vá vê-la, ela vai ficar feliz. – o topo da parte de trás da cabeça
da mulher que estava na sala, espiava da poltrona e Mayara se aproximou com
cuidado da outra mãe, para conferir se estava acordada.
– Tou acordada menina,
não precisa tanto cuidado. – ela disse com um pouco de irritação na voz, desde
que tivera o AVC, a esposa e a filha ficavam cheias de dedos com ela, como se
fosse quebrar a qualquer momento, e isso a estava incomodando.
Mas sua irritação passou
ao ouvir que Letícia estava lá, a mulher mudou de postura e se aprumou na
poltrona, abrindo um sorriso simpático, mas ao mesmo tempo levemente ameaçador
para a outra moça.
– Olá Letícia, que bom
que veio almoçar com a gente. Senta aqui um pouco, vamos conversar. – a moça
obedeceu, mas não sem trocar um olhar assustado com Mayara, que respondeu com
um sorriso calmante.
– Como a senhora está? Eu
te trouxe isso aqui. – entregou as flores para a mulher e a viu pegar o buquê
com os dedos nodosos, mas firmes, para em seguida pedir para a filha que
colocasse as flores num jarro com água.
– Ah, eu tou bem, quer
dizer, tem essa dieta estúpida que estou sendo obrigada a seguir, se eu “quiser continuar viva mais uns anos” –
Joana disse enquanto fazia aspas com os dedos ao reproduzir o discurso da
cardiologista.
– Esses médicos pensam
que sabem de tudo, queria ver eles se virarem na vida como eu me virei, ai sim
eles iam ver só! – a expressão séria e taciturna de Joana era algo que ainda
assustava um pouco Letícia, mas após conversar com a mulher por alguns minutos,
via-se que ela era uma pessoa boa e gentil.
– Mayara, que tal levar a
sua namorada para conhecer o resto da casa? Eu vou ali na cozinha ajudar a
Dolores com o almoço. – e se levantou com certo esforço, afinal, tinha sofrido
um AVC há menos de um mês. Em pé, Joana chegava no ombro das duas moças, era
baixinha e miúda, com o cabelo negro e forte preso em um rabo de cavalo baixo,
que chegava no meio das costas. Os traços indígenas da mulher eram claros e apesar
de Letícia saber que Mayara não era filha biológica de nenhuma das duas, via
muito de Joana na moça.
Mayara por outro lado,
ficou irritada com a mãe que lhe jogou aquela deixa nada sutil para as duas
ficarem a sós. Meio envergonhada, pegou Letícia pela mão e a levou até o andar
de cima, onde após apontar onde era o quarto das mães e o banheiro, apresentou
seu próprio quarto.
Era pequeno, mas muito
bem organizado. Uma estante embutida repleta de livros, a escrivaninha com o
leptop e cadernos, um pequeno guarda-roupa, a cama e uma tevê colocada num
suporte na parede. Letícia achou o cômodo à cara da outra. Delicado e
organizado.
– Bom, é isso. O tour
acabou. – Mayara disse enquanto soltava um risinho nervoso e sentava na cadeira
em frente à escrivaninha. Letícia permanecia em pé, até que a outra a convidou
a se sentar na cama.
– Eu tive pensando sobre
aquela proposta que eu te fiz no dia da virada cultural... Sabe, de a gente aprofundar
o relacionamento no dia dos namorados, estive pensando muito nisso e... – antes
que pudesse completar a frase, ouviu Letícia dizer que estava tudo bem se ela
quisesse adiar mais um pouco.
– Eu... Posso esperar o
tempo que for preciso. – olhou para a outra moça, o cabelo bonito e curtinho
caindo ao redor do rosto corado, os olhos brilhantes que agora desviavam o
ângulo para um ponto qualquer no quarto e as mãos, os dedos que se entrelaçavam
em um tique nervoso involuntário. Ela gostava muito de Letícia e sentia que,
com mais algum tempo de convivência, poderia dizer que a amava.
– Não é isso. Na verdade,
eu já me decidi que quero levar esse relacionamento para outro nível, mas antes
de a gente chegar nisso, eu queria saber se posso dizer pras minhas mães que
você é minha... Namorada. – se ela podia? Estivera esperando por isso desde
aquele dia que jantaram juntas naquele restaurante.
Ficou em pé e
aproximou-se da outra moça, que permanecia sentada na cadeira. Mayara era mais
alta do que ela, não que isso fosse algum problema, mas naquele momento, pode
fazer algo que tinha vontade há meses. Afagou o cabelo dela com carinho e lhe
deu um beijo no topo da cabeça, para em seguida responder.
– Seria maravilhoso, você
me apresentar como sua namorada. – trocaram mais alguns beijos, mas quando a
coisa começou a dar sinal de que ia se tornar algo mais tórrido, Mayara se
afastou, murmurando que não queria fazer “aquilo”
debaixo do teto da casa das suas mães.
E Letícia respeitou o
pedido dela.
***
Quando Joaquim chegou em
casa, já passava das 20h00 e Francisco estava sentado no sofá, vendo algo no
streaming. Mas ao ver o namorado entrar, largou tudo e foi abraçá-lo, apenas
para ouvir um resmungo dolorido quando o enlaçou pela cintura.
– Ah, desculpa. A
tatuagem, né? Como foi? Deu tudo certo? – ouviu o loiro contar sobre seu dia, o
passeio no centro, o estúdio de tatuagem, os cuidados que a profissional teve e
todas as regras de cuidado pós-procedimento que ele teria de fazer durante as
próximas semanas.
– Mas, me deixa ver como
ficou! Eu quero ver. – Joaquim removeu as calças jeans e abaixou parte da roupa
intima exibindo a estrela, grande e sólida preenchida com pigmento preto e
ainda envolvida no filme plástico.
– Ficou ótima! Mas o mais
importante. Você está feliz? Era isso que você queria fazer mesmo? – viu o
namorado sorrir enquanto erguia as roupas de novo e ao ouvi-lo dizer que “finalmente me sinto livre da memória daquele
traste” teve certeza de que sim, Joaquim estava feliz.
– Eu vou ali tomar um
banho rápido e já volto tá? – sentiu um beijo suave ser depositado em seus
lábios e viu o rapaz rumar pro banheiro exibindo um sorriso de satisfação no
rosto.
Após ter colocado o
jantar no forno, Francisco voltou a assistir a série na tevê.
***
No fim acabaram passando
o dia todo fora de casa. Entre o barbeiro e o shopping foi metade do dia. Diego
estava exausto, mas feliz porque conseguiu fazer algo que fez Paulo sorrir.
Tinham ido no carro de
Marcelo e agora, sentado no banco do carona, Diego olhava pro marido com amor
genuíno, olhar esse que não passou despercebido pelo outro, que ao pararem em
um sinaleiro, perguntou se tinha acontecido algo.
– É, aconteceu... – Diego
olhou por sobre o ombro e viu Paulo cochilando no banco de trás, o desenho no
cabelo se destacando como um farol no mar e então, de volta para Marcelo que
exibia uma expressão de surpresa e apreensão.
– Eu escolhi o melhor
homem do mundo para casar comigo. Foi o que aconteceu. – ao dizer isso, viu a
expressão do outro se desanuviar e um sorriso de pura felicidade surgir em seu
rosto. Ele amava Marcelo antes, mas após ver as coisas que o outro fazia por
Paulo, esse amor só aumentou.
Sentiu a mão morna do
outro segurar a sua por alguns instantes e sorriu. A vida não era perfeita, na
verdade, estava bem difícil desde que aquele ser inominável entrou na
presidência do país, mas havia aquelas pequenas alegrias que o ajudavam a
seguir em frente. Afinal, a vida era feita disso, pequenas alegrias.
Continua...
Nota da autora:
Mais um capítulo
quentinho só pra vocês!
Espero que estejam
gostando da história até aqui, lembrando que, ela é uma slice of life/cotidiano,
então não esperem grandes reviravoltas ou plot twists no enredo.
Bom, vimos o Paulo
finalmente fazendo o corte desenhado que ele queria! Yey! Detalhe, a ideia veio
de um garotinho que eu vi outro dia no shopping, eu achei tão criativo que
precisava colocar na história!
Tivemos um pouco de
Letícia e Mayara, elas são um dos meus casais favoritos – mas o que eu estou
falando? Eu sou a autora, não tenho favoritos!
Também tivemos um
pouquinho de Joaquim e Francisco e adianto aqui que, quando chegar a parte do
dia dos Namorados, gente, vai ser beeeeem longa!
Bom é isso, quero
agradecer a todas as pessoas que vem deixando favoritações e comentários
(especialmente comentários), eles são muito importantes pra eu continuar
escrevendo. Então, por favor, deixe um comentário!
Até o próximo capítulo,
Perséfone Tenou
Nenhum comentário:
Postar um comentário