sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O último réquiem - capítulo 02

Entrou no quarto pequeno que divida com Sophier e o encontrou ainda adormecido na cama de solteiro, completamente esparramado, os lábios entreabertos buscando ar de uma forma constante. Aquela boca parecia tão convidativa, que Casper esquecendo-se do medo e do perigo que corria ao se aproximar do outro, inclinou-se sobre o mesmo e deixou que suas bocas se tocassem em um beijo suave e rápido, que foi sentido mais pelo que estava desperto, do que pelo que estava adormecido, o qual parecia indiferente ao fato.

O coração de Casper estava disparado, batendo como louco dentro do peito e causando arrepios por toda sua espinha, tocou os próprios lábios com as pontas dos dedos, apreciando o momento que havia acabado de ocorrer e pensando se um dia poderia fazer aquilo com o mesmo desperto e ciente do que estava acontecendo.

Afastou-se da cama e sentou-se na cadeira que havia próximo a porta, fitando o amigo que ainda dormia. Enfiou então a mão dentro do bolso do casaco, enchendo-a com as notas que havia recebido como pagamento adiantado pelo concerto que faria na mansão dos Canterville. Não via a hora de Sophier acordar para poder lhe contar sobre esta nova chance de mostrar sua música, mas sabia que o outro era um verdadeiro animal noturno, daqueles que só despertavam quando o sol começava a adentrar no horizonte. Por isso, ele esperou pacientemente sentado na cadeira, que o mesmo despertasse.

***

         Sophier abriu os olhos sentindo o calor cálido da noite que começava a nascer, espreguiçou-se na cama pequena e ao virar a cabeça para o lado, viu Casper que dormia sentado na cadeira próxima a porta, completamente desconfortável. Sentiu pena do amigo e levantou-se para despertá-lo. Tocou-o no braço, mas não houve resposta, então chacoalhou-o até que finalmente abriu os olhos, piscando debilmente para em seguida sorrir de forma cálida, o que afastou qual quer sentimento de indignação que pudesse estar envolvendo o coração de Sophier.

– Lugar de dormir é na cama. – disse o poeta enquanto virava-se de costas para o amigo, indo em direção ao armário para pegar suas roupas, iria sair.

– Eu sei disso, mas você estava dormindo e não quis te incomodar. – foi a resposta de Casper, ao que Sophier apenas riu divertido enquanto retirava a roupa de dormir, exibindo suas costas nuas para um Casper exasperado, que desviou o olhar rapidamente ao perceber que seu corpo começava a responder.

– Você não sabe o que me aconteceu hoje. – Disse o músico ao outro que perguntou o que havia ocorrido. Este então contou sobre todo o episódio com o Duque de Canterville e de como ele havia se emocionado com a sua música.

– E ele me convidou para tocar em uma festa que fará daqui três semanas. – complementou Casper completamente feliz, ao que Sophier apenas respondeu com um muxoxo incomodo.

         O pianista olhou para as costas do amigo tentando entender o que significava aquele som desconfortável, era como se o amigo não estivesse feliz pelo fato de ele ter conseguido um trabalho. Meneou a cabeça para os lados tentando espantar tal impressão absurda e sorrindo perguntou o que o amigo achava daquilo tudo.

– Sinceramente, acho um péssimo negócio. O Duque é conhecido por seus hábitos devassos e pervertidos e com certeza está querendo te atrair para a festa com outras intenções além de tocar piano. – disse o poeta enquanto abotoava a camisa branca.

– Tem certeza de algo assim? – indagou Casper, completamente surpreso. Claro que havia ouvido histórias sobre as perversões sexuais do Duque de Canterville, mas nunca conseguiu acreditar muito nelas, tão absurdas as mesmas eram.

         Sophier parou a sua frente, completamente vestido e segurando a cartola alta com os dedos enluvados. Olhava-o de cima e tal sensação fez com que o músico se sentisse pequeno e fraco, e tal impressão não era algo agradável de passar, por isso levantou-se, ficando agora a poucos centímetros de diferença da altura do amigo.

– Você vem ou não? – foi a pergunta que saiu daqueles lábios que havia beijado há poucas horas atrás. A boca macia e rosada erguendo-se em um sorriso sedutor que fez o coração de Casper falhar uma batida enquanto ele balbuciava uma resposta ininteligível, que causou uma onda repentina de riso em Sophier.

– Vá se aprontar então, pois a noite será longa. – com tal conselho, eles trocaram de lugar e o poeta sentou-se na cadeira onde até então estava o compositor. Esperando que este se arrumasse para que pudessem sair para farrear mais uma noite.

         Minutos depois a cena se repetia agora Casper estava em pé na frente do outro, fitando-o e tal sensação era muito prazerosa, olhá-lo de cima, causava algo em seu ego que não conseguia compreender, mas era bom. O contato visual foi quebrado quando o poeta se levantou, saindo do quarto e deixando a porta aberta em um convite mudo para que o compositor o seguisse.

         E estavam na rua agora, caminhando lado a lado com suas roupas elegantes, cartolas recobertas de cetim e as bengalas com enfeites cromados que atraiam os olhares alheios. Passavam bem por dois distintos cavalheiros da alta-sociedade, quando na verdade eram apenas um par de boêmios com pouco dinheiro no bolso e muitas idéias para se divertir durante a noite. 

***

        

         Voltaram à taberna na qual estiveram na noite anterior e instalaram-se em uma das mesas mais afastadas, e em poucos minutos Archibalde e Anrie juntaram-se a eles, iniciando uma noite de farra boêmia que duraria até o amanhecer.

         Sorrindo de canto, Anrie tirou de dentro do casaco uma garrafa que continha um liquido esverdeado, juntamente com uma colher furada e um pequeno frasco com um conta-gotas, onde se podia ler em letras caprichosas a palavra “láudano”. Por isso a escolha de um local afastado dos olhos alheios, pois experimentariam naquele momento os efeitos da “fada verde”.* Anrie destampou a garrafa e pegando as taças dos amigos que estavam sobre a mesa, colocou a colher sobre cada uma, e em cima da mesma um torrão de açúcar, para logo em seguida pingar duas gotas do láudano, observando o liquido verde-esmeralda cair do gargalo da garrafa para dentro dos copos, derretendo o açúcar e misturando o veneno a bebida.

         Finalmente, após ter servido a todos os quatro, Anrie pegou uma das taças e a ergueu na frente do corpo, ameaçando fazer um brinde, elevou-a então na altura do rosto e disse com um sorriso jocoso nos lábios.

– Um brinde a nós, pobres boêmios, perdidos nesta noite ingrata! – todos os três concordaram eergueram suas taças para acompanhar o outro, tilintando-as em um gesto de comemoração.

         Casper bebericou um pouco do liquido e lançou um olhar de soslaio para Sophier, que virava a sua taça com violência, para logo em seguida pedir nova rodada ao amigo. Tentou alertá-lo para se conter na bebedeira, pois não estaria apto a carregá-lo de volta para casa naquela noite, mas Sophier apenas o ignorou com um gesto de mão, como se espantasse algo incomodo e continuou bebendo.

         Em pouco tempo, aproximadamente uma hora, a garrafa estava vazia e o vidro de láudano pela metade. Todos os quatro pareciam completamente aéreos, vendo coisas que não existiam ali e apontando para locais onde nada havia. Alucinados e bêbados, foram colocados para fora da taberna com muito menos cuidado do que na noite anterior. Simplesmente enxotados para a rua.

         Quatro corpos vacilantes que oscilavam para frente e para trás, completamente embriagados, perguntavam-se onde poderiam ir para acabar com a noite. Archibalde sugeriu um bordel, mas os outros três não tinham dinheiro suficiente (ao que Casper deu graças), Sophier deu a idéia de irem a outra taberna, que não barrasse a entrada deles, mas a idéia também foi descartada, pelo fato de que todas estavam fechando as portas e expulsando seus bêbados.

– Só sobrou a casa de ópio do Cheng... – disse Anrie desanimado enquanto apoiava-se no ombro de Archibalde, para manter-se em pé, tamanho era o desequilíbrio que sentia devido às inúmeras doses de absinto.

– Não, aquele lugar esta decaindo, e semana passada a policia fez uma inspeção e tomou boa parte do meu dinheiro.* – reclamou Casper enquanto começava a caminhar, trançando as pernas, como qual quer bom ébrio faz.

– Então vamos prá casa... Tenho um ótimo vinho que foi presente do meu pai, podemos abri-lo e beber enquanto lemos nossos poemas e Casper toca alguma coisa... – Ofereceu Sophier, caminhando ao lado do amigo músico e segurando-o pelo pescoço, em uma tentativa de se manter aprumado.

– Não, nós vamos para casa... Amanhã Archibalde tem um encontro com um possível comprador de seus poemas e eu também. – informou Anrie, puxando o amigo pelo pescoço para o outro lado da rua. Foi quando Sophier parou e disse em voz alta.

– Vocês sabiam que Casper também tem um serviço? Pois é, ele vai tocar no baile do Duque de Canterville. – o jovem compositor notou os olhares que os outros dois amigos trocaram e sentiu-se desconfortável, a fama do Duque era tanta assim?

– Bem... Isso parece... Bom, Casper. Boa sorte. – desejou Archibalde enquanto se afastava com Anrie cujo braço continuava enroscado em seu pescoço.

         Casper sentiu a indignação crescer em seu peito, parecia que todos estavam contra ele e seu novo trabalho, pelo menos era a impressão que tivera ao ver aquela troca de olhares por parte dos outros dois.  Abanando a cabeça para afastar tal pensamento, Casper pegou Sophier e colocando um dos braços do outro em volta de seu pescoço, o ajudou a caminhar até o pequeno apartamento que dividiam.  

 

***

         As semanas passaram muito rapidamente e logo chegou o dia da tão esperada festa do Duque de Canterville. Casper vestiu seu melhor traje e ajeitou a cartola em frente o pequeno espelho que ficava na parede do quarto. Recebendo em resposta olhares reprovadores por parte de Sophier, que o observava da cadeira na qual estava sentado, parcialmente vestido, com a camisa aberta e a calça por abotoar. Tal visão mexia com a excitação de Casper e o mesmo teve de ser muito forte para não deixar nada transparecer enquanto se aprontava para sair.

– Estou indo Sophier. Deseje-me sorte. – disse enquanto colocava a mão na maçaneta para sair. Foi quando ouviu a voz do outro, quase um murmúrio arrependido.

– Espere, eu vou com você. – O coração do jovem pianista acelerou e disparou desesperado enquanto ele fingia-se de indiferente. Saber que o amigo iria com ele, fez com que tudo tomasse um tom diferente e o tornou mais confiante.

         Após Sophier ter terminado de se aprontar, saíram. As capas esvoaçavam para trás, decorrente do vento forte que fazia naquela noite, e por mais de uma vez tiveram de segurar as cartolas para que estas não saíssem voando pelas ruas estreitas de Londres. Não trocaram uma única palavra durante todo o trajeto até a majestosa mansão do Duque, a qual estava iluminada com milhares de pequenas luzes de lampiões e enfeitada com fitas de cetim em cores fortes e chamativas.

         Pararam aos pés da escada que levava até a porta de entrada e Casper lançou um olhar cheio de significados ocultos para Sophier, o qual sorriu de forma amarela, enquanto fazia um gesto de cabeça, indicando para que ele subisse. Obedeceu-o e reticente puxou o batedor da porta, ouvindo o som ecoar pelo cômodo à dentro e em poucos segundos um rosto pálido e impassível surgiu, era o mordomo.

– Boa noite, meu nome é Casper Wilmore, eu vim para me apresentar como pianista na festa do Duque... E aquele é meu amigo, Sophier Duprox. – o mordomo os mediu de cima a baixo e então abriu a porta para que entrasse, informando que a festa já havia começado e o Duque estava ansioso para vê-lo.

– O Duque não gosta de atrasos. – o mordomo frisou enquanto caminhava na frente dos dois, levando-os até o salão de festas, onde um burburinho incômodo de vozes se levantava, enchendo os ouvidos de ambos.

Ao entrarem na grande sala, vários rostos se viraram para encará-los e Casper sentiu-se como se fosse um animal raro para exibição em um zoológico. Pode ouvir risinhos abafados de algumas damas bem vestidas com penteados extremamente elaborados que se escondiam atrás de seus leques e tosses mal disfarçadas de cavalheiros distintos, que na verdade foram dadas para ocultar risos zombeteiros. Sentiu-se cada vez mais mergulhado em uma armadilha da qual não havia como escapar.

Vislumbrou então as costas do Duque, o qual o mordomo foi chamar. O homem estava trajando um casaco bordado com fios dourados, que formavam um desenho lidíssimo em todo o tecido e tinha os longos cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo baixo, amarrado com uma fita. Ao ouvir as informações que o serviçal foi lhe dar, o Duque girou nos calcanhares e veio em sua direção, braços abertos como se recebesse um amigo que há muito não via. Abraçou-o mais forte do que o normal, fazendo-o quase ficar sem ar nos pulmões e ao soltá-lo, apresentou-o a todos da festa como “a grande descoberta musical do século”.

         Ficou encabulado com tal declaração do Duque, e por alguns segundos esqueceu-se da presença de Sophier no recinto, até que seu olhar bateu na silhueta do mesmo, em pé, próximo as colunas do salão de festas, completamente deslocado. Desvencilhou-se então do abraço do Duque e foi em direção ao amigo, puxando-o pela mão para apresentá-lo ao outro.

– Duque de Canterville, este é meu amigo, Sophier Duprox. Ele é poeta. – acrescentou ao receber um olhar de dúvida do Duque, que tentava talvez descobrir como os dois se conheciam. O que Casper não notou foi o olhar de desprezo que o Duque dispensou para Sophier, como se este não passasse de um verme, algo que poderia ser descartado a qual quer instante.

– Bem, apresentações feitas, esta na hora de você tocar algo para nós, não é mesmo, meu caro rapaz? – indagou o Duque, enquanto puxava o pianista para longe do outro, lançando para o mesmo um olhar por sobre o ombro que parecia dizer “a vitória é minha”.

         Sentou-se na banqueta do piano de cauda e após abrir as partituras que havia trazido consigo e estralar os dedos, começou a executar a peça que havia composto pensando em Sophier. Sentia cada nota fluir por dentro dele e se espalhar pelo salão, no qual nenhum único ruído era ouvido. Estava tudo em suspenso enquanto ele executava aquela peça única, que trazia lágrimas aos olhos das damas e dos cavalheiros, os quais disfarçavam sutilmente fingindo que algo incomodava seus olhos. Casper não sabia, mas aquela melodia tocou o coração de Sophier, o qual deixou as lágrimas caírem livres pelo seu rosto macio e belo.

         Inclinando-se sobre as teclas de tempos em tempos, Casper tocava com paixão a triste melodia que a todos emocionava, até que seus dedos foram parando e finalmente a peça chegou ao fim. Ele então ouviu uma salva de palmas que caíram sobre si como uma chuva suave de se ouvir. Levantou-se e fez a mesura comum aos pianistas, um dos braços na frente do abdômen e outro atrás, inclinando-se suavemente para frente.

         Tocou mais algumas peças, desta vez coisas compostas por outros autores, mas tão boas ou até melhores que as suas composições, pelo menos a seu ver. A festa fluía bem e após a recepção acalorada por parte do Duque, o mesmo não se aproximara dele mais nenhuma vez, para sua surpresa, pois esperava que os boatos que Sophier e os outros haviam lhe dito fossem verdade.

         Foi quando taças de vinho tinto foram servidas para todos os convidados. Inclusive para Casper e Sophier, o qual notou que o Duque fazia um gesto para uma dama de busto farto, que se abanava desesperadamente com o leque. Ele a viu se aproximar de Casper e fingir tropeçar em algo, apenas para fazê-lo derrubar o vinho sobre si mesmo. Observava tudo a distancia, enquanto não sentisse ameaça, não iria interferir.

– Olhe só o que fez Madame Paxton, sujou a roupa do rapaz. – disse o Duque enquanto tirava seu próprio lenço do bolso e tentava retirar a mancha de vinho das vestes de Casper, sem sucesso, obviamente.

– Tenho algumas mudas de roupa nos meus aposentos, se quiser se trocar... –  o Duque deixou no ar, esperando pela resposta do músico, o qual sorriu deslocado e acabou concordando, pois não poderia continuar tocando as peças com as vestes sujas de vinho.

         Caminhava a alguns passos atrás do Duque e observava suas costas largas se movendo juntamente com os cabelos longos do rabo de cavalo que chicoteava os ombros de tempos em tempos, até que ele estancou em frente a uma porta fechada e virou-se em sua direção, o sorriso gentil nos lábios delgados.

– É aqui, no armário tem roupas que acredito eu, servirão perfeitamente em você. – disse enquanto abria a porta o suficiente para Casper passar com folga. Este agradeceu em um sussurro e adentrou no cômodo, ouvindo a porta ser fechada as suas costas. Olhou para trás, confirmando estar sozinho.

         Rumou até o armário e abrindo-o encontrou uma troca completa de roupa, pegou-a e foi até o biombo no canto do quarto, retirando a camisa primeiro que foi a parte mais atingida pelo vinho. Deixou-a pendurada no biombo e preparava-se para tirar as calças, quando ouviu o clique baixo da maçaneta girando. Espiou pelo lado do biombo, não encontrando nada anormal, voltou a se despir, quando de repente sentiu uma mão que segurava seu pescoço por trás. Com muita dificuldade olhou por sobre o ombro e encontrou o Duque a suas costas, com um sorriso diabólico nos lábios.

– Co... Como?  – foi tudo que conseguiu balbuciar, pois o ar estava começando a ficar escasso em sua garganta. O Duque sorriu mais abertamente, seus olhos expressando toda uma crueldade sem limites.

– Este quarto tem uma passagem oculta, que o liga com o cômodo ao lado. Tudo o que tive de fazer foi distraí-lo com o barulho na maçaneta, e entrar pela porta secreta que se encontra por trás daquela tapeçaria. – informou o Duque, apontando para um largo quadro de tecido onde se via uma ninfa alimentando um cavalo.

         Sentiu o rosto do Duque em seu pescoço, aspirando ao odor de sua pele e tal gesto lhe causou nojo, pois não era aquela a sensação que queria ter, não era aquela tez que queria sentir contra a sua. A mão em seu pescoço continuava firme, enquanto a outra passeava por seu tórax desnudo, explorando cada pedaço de pele exposta, para total desespero do músico, que tentava de qual quer forma fugir daquele aperto.

– Você não tem como escapar, entenda, quando eu decido que quero algo, vou até o fim por esse “objeto”. – sentiu-se indignado com o fato de ter sido rebaixado a nada além de um item qualquer.   

– Solte-me! – esbravejou enquanto tentava se desvencilhar dos braços que o prendiam, sem sucesso. O aperto em sua garganta se tornou mais forte, impossibilitando-o de respirar e por isso ele teve de parar de se debater.

– Muito bem, assim está melhor. – sussurrou o Duque em seu ouvido, causando uma serie de arrepios indesejáveis por todo seu corpo seminu. 

         Sentiu seu corpo ser puxado para fora do biombo e jogado sobre a cama que havia no quarto, seus cabelos negros espalharam-se pelos travesseiros, dando a Casper um ar vulgar, aos olhos do Duque, que continuava acariciando-o com uma das mãos, enquanto que a outra permanecia em seu pescoço, sufocando-o e imobilizando-o.

– Fiquei interessado em você logo que o vi no teatro há algumas semanas... Esse rosto e estes olhos profundos que parecem invadir a minha alma, tudo isso me atraiu muito. – sussurrou o Duque contra o ouvido de Casper, que lutava inutilmente para se desvencilhar das mãos que o oprimiam.

– Eu sempre consigo o que eu quero e com você não será diferente meu caro Casper. Se parar de lutar contra mim, as coisas poderão ser muito mais prazerosas para você. – informou o Duque enquanto acariciava o rosto do músico com os nós dos dedos.

         Casper afastou a cabeça para longe do toque, indignado com o fato de estar sendo subjugado por um homem que não fosse Sophier. Sentiu que um de seus braços era erguido e em seguida o outro e ambos estavam sendo amarrados acima dele, deixando-o imobilizado, para seu total desespero.

         Suas calças foram abertas e sentiu a mão firme do Duque sobre seu membro, que apesar de todo o ocorrido, estava excitado, um reflexo de seu corpo, algo que não conseguia controlar. Tal constatação trouxe um sorriso sádico nos lábios do Duque, o qual o fitou longamente enquanto deixava sua mão invadir a roupa intima do músico, tomando sua ereção nas mãos.

– Parece que apesar de toda a resistência, você está gostando do que está acontecendo aqui, não é mesmo? – Sentiu asco de si mesmo por deixar que seu corpo esboçasse aquele tipo de reação, e fechou os olhos, desistindo de lutar, pois ficou claro que o inevitável iria acontecer ali naquele quarto e não havia nada que ele pudesse fazer para lutar contra aquilo.

–SPLAF–

 

         O som pesado e seco cortou o cômodo, sendo seguido por um grito de dor abafado. Abriu lentamente os olhos, para encontrar uma cena no mínimo curiosa se desenrolando a sua frente. O Duque amparava a cabeça que sangrava, com uma das mãos, enquanto Sophier, em pé há poucos centímetros da cama, segurava uma pesada estatueta de mármore, também manchada de sangue. Ficou claro para Casper o que havia acontecido ali, o outro o havia salvado.

– Como... Como ousa me agredir, seu... Seu... Boemiozinho maldito! – berrou o Duque enquanto lançava para Sophier um olhar fulminante de pura raiva. Mas o jovem poeta não se intimidou com aquele olhar e brandindo a estatueta como se fosse um bastão, ameaçou acertar o outro homem novamente.

– Você me dá nojo... Forçando uma pessoa deste jeito. – foram as únicas palavras proferidas por Sophier, para em seguida baixar a estatueta mais uma vez sobre a cabeça do Duque, acertando-o novamente e fazendo-o gritar de dor.

         Casper assistia a cena com um misto de felicidade e vergonha, primeiro pelo fato de que o outro viera salvá-lo, e depois por que estava seminu da cintura para baixo e com a camisa aberta, sentindo-se completamente exposto.

         Teve suas mãos desamarradas pelo amigo, que o amparou para que ficasse em pé e o ajudou a vestir as roupas. O Duque permanecia no chão, a mão sobre a ferida na cabeça, olhando os dois com uma ira crescente nos olhos claros.

         Quando estavam saindo do quarto, Casper amparado por Sophier, eles ouviram a ameaça do nobre as suas costas. A voz repleta de um ódio incontido de alguém que tivera seus planos frustrados.

– Você nunca mais irá conseguir vender uma única peça nesta cidade! Farei da sua vida um inferno, meu jovem! – Casper olhou para ele por sobre o ombro e pensou “não preciso da sua ajuda para vender minhas composições”.

         Saíram da mansão sob os olhares dos milhares de convidados e uma saraivada de comentários grosseiros sobre ambos. Mas não se importava com isso, estava com Sophier e isso era tudo o que lhe importava naquele momento. Havia caído em uma armadilha, mas fora salvo pelo outro há tempo.

         Após caminharem alguns metros, Sophier parou e segurou Casper pelos ombros, fitando-o nos olhos, a lembrança da cena que encontrou no quarto voltando a sua mente clara e nítida, o corpo seminu de Casper completamente exposto e tal visão lhe causou uma sensação estranha e diferente, algo que ele não conseguia explicar, mas que o incomodou bastante, afinal de contas o outro era seu amigo.

– Você foi avisado sobre as festas do Duque, não é mesmo? – Indagou por fim enquanto encarava o outro nos olhos. Grandes e vítreos olhos verdes-claros, que o fitavam com um misto de culpa e alivio.

– Sim... Eu sei... Desculpe-me por não ter ouvido seus avisos... – Disse o músico enquanto desviava o olhar para o lado, deslocado. Sophier sentiu então um intenso desejo de abraçar o outro e dizer que não havia qual quer problema naquilo, mas acabou se contendo, pois não sabia o que poderia acontecer se fizesse tal ato.

– Certo, vamos para casa então. – Recolocando o braço de Casper em volta de seu pescoço, começaram a caminhar novamente, rumando em direção ao pequeno apartamento que dividiam. Ambos com os corações repletos de dúvidas e incertezas que ao que parecia, jamais seriam resolvidas.

Continua...

Notas do capítulo:

 

“A Fada Verde”: apelido dado ao absinto, pelo fato de que o mesmo causa uma série de alucinações, entre elas, a visão de uma “fada verde”

 

“Não, aquele lugar esta decaindo, e semana passada a policia fez uma inspeção e tomou boa parte do meu dinheiro”: naquela época, quem ia as casas de ópio sofria com as apreensões da policia, que tomava boa parte do dinheiro dos frequentadores e dos donos da casa, como uma espécie de pagamento pela “vista grossa”.

 

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