Passaram-se algumas semanas desde que eles haviam saído para beber com os amigos. Nesse meio tempo, Diego e Joaquim vinham trocando mensagens pelo whats e o loiro havia acabado de informar que ele e Fernando finalmente marcaram a data do casamento no cartório.
“Vai ser dia 23 de Novembro. É um sábado.
Estou tão feliz de já termos uma data.”
Escreveu Joaquim enquanto a loja de sabonetes não tinha clientes. Para ser
honesto, ele se sentia quase aliviado de terem agendado a data, afinal vinham
tendo dificuldade de achar um cartório com vagas para o sábado daquele mês.
“Que legal. E tem um horário também?”, do
outro lado da cidade, Diego estava no horário de almoço na imobiliária. Tinha
uma visita agendada com um casal para verem um imóvel, mas só dali algumas
horas.
E enquanto
esperava a resposta de Joaquim, seu olhar pousou sobre a própria aliança no
anelar da mão esquerda, e ele se lembrou de quando oficializou seu
relacionamento com Marcelo. Eles casaram em um cartório, assim como Joaquim e
Francisco fariam, mas só tiveram três testemunhas. Lola, Joana e Mayara. Apesar
de Rita, mãe de Marcelo, ter demonstrado interesse de vir, ela não pode porque
um dos irmãos do rapaz ia fazer uma cirurgia, nada arriscado, mas que exigia um
acompanhante.
Após dizerem sim
perante o juiz de paz, eles cinco foram para um restaurantezinho simpático no
Bexiga, onde comemoraram. Foi uma reunião muito intimista, para não dizer minúscula,
mas ele ainda se lembrava do dia com carinho, sempre que olhava para a própria
aliança.
“Conseguimos um horário às 08 da manhã. Eu
sei que é meio cedo e o cartório talvez seja um pouco longe, mas ficaríamos
muito felizes se vocês pudessem vir.” Diego sorriu ao ler a mensagem,
pensando no quanto Joaquim ainda soava inseguro ao falar sobre coisas que eram
importantes para si mesmo.
“Vai ser um prazer estar lá para testemunhar
a união de vocês”. Joaquim mordeu a ponta do polegar enquanto sorria. Em
pouco tempo de amizade, Diego já havia se tornado alguém importante para ele,
que quase não tinha amigos.
“Vamos marcar de sair de novo no futuro. E me
conta, você resolveu aquela discussão com o Marcelo?” os três pontinhos
informavam que Diego estava respondendo, mas antes que pudesse ler, o sino em
cima da porta soou, informando que alguém havia entrado na loja de sabonetes,
obrigando Joaquim a deixar o celular de lado.
***
Algumas horas
antes, na escola, as crianças saíram para o intervalo e Paulo contava como foi
passar o final de semana na casa de suas duas avós. No começo Agatha e Luís não
entenderam bem, como ele podia ter três avós, incluindo aquela que Agatha passou
a chamar de “bruxa má do Oeste”.
— Eu tenho essa
aí, que é por parte do meu pai... — começou o menino, suspirando desanimado ao
se referir a Zulmira, mas logo retomando a animação quando começou a falar de
Lola e Joana.
— E tenho essas
duas, que na verdade são mães da Mayara, mas, o Diego diz que elas são como
mães para ele também e daí, elas me disseram que eu podia chamar as duas de vó.
Entende? — as outras duas crianças ainda
pareciam um pouco confusas, mas concordaram com meneios breves de cabeça.
— E lá na casa
delas, a minha vó Lola fez bolo de chocolate! E a gente assistiu um monte de
desenhos na tevê! E daí, no dia seguinte, eu fui dar um passeio com a minha vó
Joana e ela me comprou um gibi! — Paulo falava com animação, mas parou de
repente ao se lembrar da avó de Luís, que havia falecido há pouco tempo.
— Agatha, você...
Tem visto o seu pai? — perguntou o menino cauteloso, pois perante a simples
menção de Silas, a menina entrava em um estado de agressividade e fúria.
— Não. Eu disse
que ele nunca mais viesse me buscar e até agora deu certo. Ele que fique lá com
aquela mulher e o bebê que ta na barriga dela. Eu não ligo. — mas ao dizer as
últimas três palavras, a voz da menina deu uma tremida e ela sentiu o nariz
arder e os olhos juntarem lágrimas.
— Vocês... Vão
fazer alguma coisa no fim de semana? — Paulo tentou mudar de assunto mais uma
vez, sentindo que não teve sucesso escolhendo os temas anteriores.
As duas crianças
responderam “não” em uníssono, o que
fez com que Paulo se sentisse ainda mais desconfortável e ficasse em silêncio.
Algumas horas mais
tarde, quando Mayara foi buscá-lo na saída da escola, o menino a recebeu de
cabeça baixa e para surpresa da moça, permaneceu em silencio durante todo o
trajeto de volta para casa.
***
Já tinham ido
buscar as alianças e elas ficaram ótimas, mas ainda havia tanto para
resolverem, apesar de a data já ter sido reservada no cartório. Eles iam
oficializar a união no dia 30 de Novembro. Era um sábado e todos os convidados
poderiam comparecer.
Ainda faltava
quase dois meses até o dia, mas, óbvio, o loiro não tardou em encher a cabeça
com caraminholas de novo.
Com exceção de
Diego, Joaquim não tinha muito mais amigos com quem conversar, mas estava em
alguns grupos LGBT+ nas redes sociais e após ver discussões de pessoas que se
opunham ao casamento igualitário e também a relacionamentos monogâmicos,
começou a se questionar se não estava impondo esse tipo de estrutura de vida
para Francisco e quando o namorado apareceu para eles almoçarem juntos, o loiro
comentou em um tom que esperava soar descontraído.
— Eu estava num
grupo online outro dia e... — contou sobre as discussões que viu e toda aquela
resistência ao que a pessoa chamava de “modelo
heteronormativo de relacionamento”. Ele não tinha tido muitos namorados
antes de Francisco, Jonas foi o seu namoro mais longo e por isso não conseguia
traçar um parâmetro do que seria um “relacionamento
aceitável”, mas podia afirmar que Francisco era um bom namorado.
— ...E então eu
comecei a pensar se talvez, eu não estou te sufocando dentro do nosso
relacionamento, sabe, que talvez você tivesse interesse de mudar as coisas,
sair com outras pessoas... Não sei. — se sentia meio idiota expondo aqueles
pensamentos que vinham crescendo e tomando forma própria em sua mente e esperou
por alguma reação explosiva por parte de Francisco, mesmo que, apesar de em
cinco anos juntos, jamais tivesse visto o namorado ficar sequer irritado com
ele. Mas eram reflexos do tempo que passou com Jonas. Sequelas emocionais que
ele vinha tentando tratar sozinho.
— Deixa eu te
perguntar uma coisa, Quim. Você tem interesse de abrir o nosso relacionamento e
sair com outras pessoas? — ao ouvir a pergunta, o rapaz travou por um milésimo
de segundo e piscou algumas vezes, enquanto sentia que abria e fechava os
lábios, mas sem emitir som.
Ele gostava de
Francisco, caramba, ele o amava e só a ele. Não tinha interesse em qualquer
outro cara. E após um breve período em silencio, respondeu com um quê de
irritação na voz.
— Claro que não!
Eu não tenho interesse em sair com outros caras. É você que eu amo e é você que
eu quero, não só na cama, mas para compartilhar a minha vida. — em seguida ele
soltou um risinho deslocado e complementou — Eu sei, isso soa antiquado e meio
idiota, mas é como eu sou e... — o rapaz teve a frase interrompida quando viu
Francisco se levantar e parar ao seu lado e em seguida, fazer um carinho em
seus cabelos loiros.
— Eu sinto o mesmo
por você, Quim. Lembra do que eu te falei lá no casamento do Maurício, sobre
como enquanto eu estava com cada uma das pessoas que eu namorei, eu as amei e
apenas a elas? Então, eu não sinto
interesse de ir atrás de alguém ou trazer outro de fora para o nosso
relacionamento. — em seguida um beijo suave foi depositado no topo da cabeça de
Joaquim que sorriu envergonhado. Tinha feito papel de bobo mais uma vez,
tentando colocar o amor deles à prova.
— Conheço muitos
casais que tem relacionamento aberto ou que vivem em poliamor e isso funciona
muito bem para eles. Mas, o fato é que, relacionamentos não são uma peça de
roupa tamanho único que deve servir igual pra todo mundo. São interações
humanas e é preciso que as pessoas envolvidas vejam o que encaixa melhor para
elas. — o loiro experimentou um carinho gentil ser feito em sua bochecha
esquerda e em resposta soltou um suspiro baixinho.
— A gente é
monogâmico, acredito que seriamos considerados como uma curva fora do eixo pelo
resto da comunidade, mas eu digo, e daí? Estamos felizes juntos e as coisas têm
funcionado bem para nós há cinco anos. E é o que realmente importa. Sabe Quim,
eu posso soar meio exagerado no que vou dizer agora, mas, eu quero passar o
resto da minha vida com você. Enquanto você me amar, eu vou ficar do seu lado.
— em resposta aquela declaração tão romântica, Joaquim levantou e se elevando
nas pontas dos pés, beijou o namorado com paixão.
Quando enfim se
afastaram, o loiro exibia uma expressão um pouco menos incomodada, mas ainda
assim, havia mais uma coisa que precisava dizer para Francisco, antes que ele
fosse embora.
— Desculpa eu ficar
exigindo confirmações dos seus sentimentos por mim o tempo todo. Eu sei que é
um saco e às vezes faço isso sem nem perceber. O problema é que na minha cabeça
vão se criando esses cenários, um pior que o outro e eu vou entrando em pânico.
— o loiro se surpreendeu ao sentir um afago suave ser feito em seus cabelos, ao
mesmo tempo em que ouvia Francisco sussurrar.
— Você não precisa se
desculpar. Tá tudo bem. — conhecia toda a história de Joaquim, sabia pelo que o
namorado tinha passado em casa e depois na mão do ex, mas ainda assim, o rapaz
parecia se sentir impelido a se desculpar o tempo todo. Francisco queria que
ele parasse de fazer aquilo, mas também sabia que repreendê-lo surtiria o
efeito contrário.
***
Já passava das
18h00 quando Diego chegou em casa e se
surpreendeu por não ter sido recepcionado pelo irmãozinho, que segundo Mayara, tinha ficado no quarto o
dia todo após o almoço.
— Aconteceu alguma
coisa? — Diego perguntou para a amiga que respondeu desanimada não ter certeza,
mas suspeitava que sim.
Enquanto eles
conversavam, Marcelo também chegou em casa e após ficar a par da situação, se
ofereceu para levar Mayara para casa enquanto o marido conversava com o menino,
prometendo que ao voltar, iria ajudá-lo.
Diego bateu com os nós dos dedos na porta do quarto do
menino, enquanto abria uma fresta e perguntava se podia entrar, ouvindo em
resposta um “sim” abafado. Paulo estava deitado de bruços na cama, com o rosto
enfiado no travesseiro.
— Tá tudo bem? —
perguntou o rapaz enquanto se sentava ao lado do irmãozinho na cama e fazia um
afago na cabeça do menino, vendo ele virar o rosto para lado para encará-lo.
— Acho que não...
— ao olhar para o rosto de Paulo, Diego confirmou o que suspeitava, o menino
havia chorado. Tentando dar espaço para que a criança falasse sem se sentir
pressionada, Diego sugeriu “E você quer
falar sobre isso comigo?”.
Viu o menino se
sentar no meio da cama de solteiro com as pernas cruzadas e após enxugar o
rosto molhado, o ouviu contar sobre o desconforto que sentiu mais cedo tentando
manter uma conversa com os amiguinhos.
— Era como se...
Tudo o que eu falasse chateasse eles. Eu não queria deixar eles tristes, eu só
queria contar como o domingo foi divertido pra mim. — Diego sabia que se fosse
outra criança, com uma estrutura emocional sólida e muitos amigos, aquela
situação talvez não causasse tanto impacto.
Em resposta Diego abraçou o irmãozinho enquanto o
acalmava, dizendo que não tinha acontecido nada de mais e que às vezes as
pessoas ficam assim. Mas dentro do abraço, o menino chorava baixinho, soluçando
de tempo em tempos e então, ao se afastar, murmurou irritado que “não queria ficar chorando, é feio”.
— Eu e o Marcelo já falamos antes pra você e eu vou
repetir, não tem nada de errado ou feio em chorar. Você está triste e ta tudo
bem chorar. — e pela enésima vez Diego xingou mentalmente seu falecido padrasto
por ter enfiado todos aqueles comportamentos machistas idiotas na cabeça do
menino.
— Não foi nada que
você disse tá bom? E amanhã você vai
ver, vocês vão conversar de novo como se nada tivesse acontecido. — Paulo o
encarou com os olhos úmidos e a ponta do nariz avermelhada por conta do choro e
Diego sentiu um aperto no peito, pensando que queria protegê-lo de tudo no
mundo e se preocupando por saber que isso seria impossível.
Se surpreendeu ao
ser abraçado pelo menino e ouvi-lo suspirar aliviado. E em resposta, Diego fez
um cafuné na cabeça do irmãozinho enquanto perguntava “Tá melhor agora?” ao que o menino respondeu com um resmungo
positivo.
— Certo, então
vamos lá na cozinha preparar a janta,daqui a pouco o Marcelo volta e a gente
pode comer juntos. Vem. — levantou e estendeu a mão para o menino, que a
segurou com firmeza e o acompanhou para fora do quarto.
Enquanto estava
descongelando um pote plástico com sopa, Diego olhou para Paulo sentado à mesa,
colorindo um desenho e quando seus olhares se cruzaram, o menino sorriu de
forma genuína.
— Paulo, eu só
quero que você me prometa uma coisa. — o garoto parou de pintar e ergueu o
rosto exibindo uma expressão desconfiada e meio preocupada.
— Se acontecer
alguma coisa que te chateie no futuro, que você vai contar para mim, o Marcelo
ou a Mayara, certo? Eu sei que já falei algumas vezes, mas não faz mal repetir.
A gente te ama e se preocupa com você, então você sempre pode confiar em nós. —
o menino concordou com um meneio animado de cabeça e Diego confirmou mentalmente
que teria de repetir aquilo mais algumas vezes até Paulo entender que podia
confiar nos adultos a sua volta.
Continua...
Nota da autora:
Bom, primeiro eu quero
me desculpar com as pessoas que ainda acompanham essa história, se você estiver
lendo este capítulo na semana do dia 29 de Dezembro de 2025, eu quero pedir
desculpas pelo hiato de seis meses que a história ficou e também pelo capitulo
sem graça que eu trouxe agora.
Confesso que não
estou satisfeita com este capítulo, mas ou eu lançava ele agora ou não lançava
mais e daí, outra história entraria para o limbo das “em hiato” e apesar de eu
ter toda a ideia base da história na cabeça, tenho tido cada vez mais
dificuldade de colocar no papel e durante 2025 eu tive vários momentos
complicados que me impediram de querer escrever. Então, me desculpem pessoal.
Mas eu decidi que
antes do ano acabar, eu precisava lançar pelo menos mais um capítulo e vou
adiantar aqui que a partir de Janeiro/2026, ao invés de eu tirar férias, como
sempre faço, vou tentar produzir dois capítulos por semana para terminar logo
essa história – afinal, ela já está se arrastando por cinco (e em 2026 fará
seis anos) e eu queria muito lançar outro projeto, mas decidi que só vou fazer
isso quando terminar essa aqui.
Sobre o capitulo,
a discussão sobre monogamia do Joaquim com o Francisco não foi uma tentativa de
pintar relacionamentos abertos como algo ruim, pelo contrário, mas sim foi uma forma
de mostrar que nem todos os relacionamentos são iguais e não existe uma forma
base que serve para todo mundo. Cada um se relaciona da forma que achar melhor.
E então tivemos o
Paulo, lidando mais uma vez com o machismo internalizado que o pai deixou de
herança. Eu acho que é importante dizer para um menino que ele pode chorar, se
sentir que precisa, sem julgamentos, sem repreensão, afinal, todo esse
sufocamento emocional está refletindo de forma negativa nos meninos, quando
crescem e se tornam homens amargos e emocionalmente travados.
Para terminar,
quero agradecer mais uma vez para quem ainda acompanha essa história e pedir
que se puder, deixe um comentário para eu saber o que você achou.
Tenha um ótimo final de ano e um feliz 2026.
Perséfone Tenou
2025
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