terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Lar é onde o coração está - Capitulo 90

            Passaram-se algumas semanas desde que eles haviam saído para beber com os amigos. Nesse meio tempo, Diego e Joaquim vinham trocando mensagens pelo whats e o loiro havia acabado de informar que ele e Fernando finalmente marcaram a data do casamento no cartório.


Vai ser dia 23 de Novembro. É um sábado. Estou tão feliz de já termos uma data.” Escreveu Joaquim enquanto a loja de sabonetes não tinha clientes. Para ser honesto, ele se sentia quase aliviado de terem agendado a data, afinal vinham tendo dificuldade de achar um cartório com vagas para o sábado daquele mês.

Que legal. E tem um horário também?”, do outro lado da cidade, Diego estava no horário de almoço na imobiliária. Tinha uma visita agendada com um casal para verem um imóvel, mas só dali algumas horas.

E enquanto esperava a resposta de Joaquim, seu olhar pousou sobre a própria aliança no anelar da mão esquerda, e ele se lembrou de quando oficializou seu relacionamento com Marcelo. Eles casaram em um cartório, assim como Joaquim e Francisco fariam, mas só tiveram três testemunhas. Lola, Joana e Mayara. Apesar de Rita, mãe de Marcelo, ter demonstrado interesse de vir, ela não pode porque um dos irmãos do rapaz ia fazer uma cirurgia, nada arriscado, mas que exigia um acompanhante.

Após dizerem sim perante o juiz de paz, eles cinco foram para um restaurantezinho simpático no Bexiga, onde comemoraram. Foi uma reunião muito intimista, para não dizer minúscula, mas ele ainda se lembrava do dia com carinho, sempre que olhava para a própria aliança.

Conseguimos um horário às 08 da manhã. Eu sei que é meio cedo e o cartório talvez seja um pouco longe, mas ficaríamos muito felizes se vocês pudessem vir.” Diego sorriu ao ler a mensagem, pensando no quanto Joaquim ainda soava inseguro ao falar sobre coisas que eram importantes para si mesmo.

Vai ser um prazer estar lá para testemunhar a união de vocês”. Joaquim mordeu a ponta do polegar enquanto sorria. Em pouco tempo de amizade, Diego já havia se tornado alguém importante para ele, que quase não tinha amigos.

Vamos marcar de sair de novo no futuro. E me conta, você resolveu aquela discussão com o Marcelo?” os três pontinhos informavam que Diego estava respondendo, mas antes que pudesse ler, o sino em cima da porta soou, informando que alguém havia entrado na loja de sabonetes, obrigando Joaquim a deixar o celular de lado.

***

Algumas horas antes, na escola, as crianças saíram para o intervalo e Paulo contava como foi passar o final de semana na casa de suas duas avós. No começo Agatha e Luís não entenderam bem, como ele podia ter três avós, incluindo aquela que Agatha passou a chamar de “bruxa má do Oeste”.

— Eu tenho essa aí, que é por parte do meu pai... — começou o menino, suspirando desanimado ao se referir a Zulmira, mas logo retomando a animação quando começou a falar de Lola e Joana.

— E tenho essas duas, que na verdade são mães da Mayara, mas, o Diego diz que elas são como mães para ele também e daí, elas me disseram que eu podia chamar as duas de vó. Entende?  — as outras duas crianças ainda pareciam um pouco confusas, mas concordaram com meneios breves de cabeça.

— E lá na casa delas, a minha vó Lola fez bolo de chocolate! E a gente assistiu um monte de desenhos na tevê! E daí, no dia seguinte, eu fui dar um passeio com a minha vó Joana e ela me comprou um gibi! — Paulo falava com animação, mas parou de repente ao se lembrar da avó de Luís, que havia falecido há pouco tempo.

— Agatha, você... Tem visto o seu pai? — perguntou o menino cauteloso, pois perante a simples menção de Silas, a menina entrava em um estado de agressividade e fúria.

— Não. Eu disse que ele nunca mais viesse me buscar e até agora deu certo. Ele que fique lá com aquela mulher e o bebê que ta na barriga dela. Eu não ligo. — mas ao dizer as últimas três palavras, a voz da menina deu uma tremida e ela sentiu o nariz arder e os olhos juntarem lágrimas.

— Vocês... Vão fazer alguma coisa no fim de semana? — Paulo tentou mudar de assunto mais uma vez, sentindo que não teve sucesso escolhendo os temas anteriores.

As duas crianças responderam “não” em uníssono, o que fez com que Paulo se sentisse ainda mais desconfortável e ficasse em silêncio.

Algumas horas mais tarde, quando Mayara foi buscá-lo na saída da escola, o menino a recebeu de cabeça baixa e para surpresa da moça, permaneceu em silencio durante todo o trajeto de volta para casa.

***

Já tinham ido buscar as alianças e elas ficaram ótimas, mas ainda havia tanto para resolverem, apesar de a data já ter sido reservada no cartório. Eles iam oficializar a união no dia 30 de Novembro. Era um sábado e todos os convidados poderiam comparecer.

Ainda faltava quase dois meses até o dia, mas, óbvio, o loiro não tardou em encher a cabeça com caraminholas de novo.

Com exceção de Diego, Joaquim não tinha muito mais amigos com quem conversar, mas estava em alguns grupos LGBT+ nas redes sociais e após ver discussões de pessoas que se opunham ao casamento igualitário e também a relacionamentos monogâmicos, começou a se questionar se não estava impondo esse tipo de estrutura de vida para Francisco e quando o namorado apareceu para eles almoçarem juntos, o loiro comentou em um tom que esperava soar descontraído.

— Eu estava num grupo online outro dia e... — contou sobre as discussões que viu e toda aquela resistência ao que a pessoa chamava de “modelo heteronormativo de relacionamento”. Ele não tinha tido muitos namorados antes de Francisco, Jonas foi o seu namoro mais longo e por isso não conseguia traçar um parâmetro do que seria um “relacionamento aceitável”, mas podia afirmar que Francisco era um bom namorado.

— ...E então eu comecei a pensar se talvez, eu não estou te sufocando dentro do nosso relacionamento, sabe, que talvez você tivesse interesse de mudar as coisas, sair com outras pessoas... Não sei. — se sentia meio idiota expondo aqueles pensamentos que vinham crescendo e tomando forma própria em sua mente e esperou por alguma reação explosiva por parte de Francisco, mesmo que, apesar de em cinco anos juntos, jamais tivesse visto o namorado ficar sequer irritado com ele. Mas eram reflexos do tempo que passou com Jonas. Sequelas emocionais que ele vinha tentando tratar sozinho.

— Deixa eu te perguntar uma coisa, Quim. Você tem interesse de abrir o nosso relacionamento e sair com outras pessoas? — ao ouvir a pergunta, o rapaz travou por um milésimo de segundo e piscou algumas vezes, enquanto sentia que abria e fechava os lábios, mas sem emitir som.

Ele gostava de Francisco, caramba, ele o amava e só a ele. Não tinha interesse em qualquer outro cara. E após um breve período em silencio, respondeu com um quê de irritação na voz.

— Claro que não! Eu não tenho interesse em sair com outros caras. É você que eu amo e é você que eu quero, não só na cama, mas para compartilhar a minha vida. — em seguida ele soltou um risinho deslocado e complementou — Eu sei, isso soa antiquado e meio idiota, mas é como eu sou e... — o rapaz teve a frase interrompida quando viu Francisco se levantar e parar ao seu lado e em seguida, fazer um carinho em seus cabelos loiros.

— Eu sinto o mesmo por você, Quim. Lembra do que eu te falei lá no casamento do Maurício, sobre como enquanto eu estava com cada uma das pessoas que eu namorei, eu as amei e apenas a elas?  Então, eu não sinto interesse de ir atrás de alguém ou trazer outro de fora para o nosso relacionamento. — em seguida um beijo suave foi depositado no topo da cabeça de Joaquim que sorriu envergonhado. Tinha feito papel de bobo mais uma vez, tentando colocar o amor deles à prova.

— Conheço muitos casais que tem relacionamento aberto ou que vivem em poliamor e isso funciona muito bem para eles. Mas, o fato é que, relacionamentos não são uma peça de roupa tamanho único que deve servir igual pra todo mundo. São interações humanas e é preciso que as pessoas envolvidas vejam o que encaixa melhor para elas. — o loiro experimentou um carinho gentil ser feito em sua bochecha esquerda e em resposta soltou um suspiro baixinho.

— A gente é monogâmico, acredito que seriamos considerados como uma curva fora do eixo pelo resto da comunidade, mas eu digo, e daí? Estamos felizes juntos e as coisas têm funcionado bem para nós há cinco anos. E é o que realmente importa. Sabe Quim, eu posso soar meio exagerado no que vou dizer agora, mas, eu quero passar o resto da minha vida com você. Enquanto você me amar, eu vou ficar do seu lado. — em resposta aquela declaração tão romântica, Joaquim levantou e se elevando nas pontas dos pés, beijou o namorado com paixão.

Quando enfim se afastaram, o loiro exibia uma expressão um pouco menos incomodada, mas ainda assim, havia mais uma coisa que precisava dizer para Francisco, antes que ele fosse embora.

— Desculpa eu ficar exigindo confirmações dos seus sentimentos por mim o tempo todo. Eu sei que é um saco e às vezes faço isso sem nem perceber. O problema é que na minha cabeça vão se criando esses cenários, um pior que o outro e eu vou entrando em pânico. — o loiro se surpreendeu ao sentir um afago suave ser feito em seus cabelos, ao mesmo tempo em que ouvia Francisco sussurrar.

— Você não precisa se desculpar. Tá tudo bem. — conhecia toda a história de Joaquim, sabia pelo que o namorado tinha passado em casa e depois na mão do ex, mas ainda assim, o rapaz parecia se sentir impelido a se desculpar o tempo todo. Francisco queria que ele parasse de fazer aquilo, mas também sabia que repreendê-lo surtiria o efeito contrário.

***

Já passava das 18h00 quando Diego chegou em casa e se surpreendeu por não ter sido recepcionado pelo irmãozinho,  que segundo Mayara, tinha ficado no quarto o dia todo após o almoço.

— Aconteceu alguma coisa? — Diego perguntou para a amiga que respondeu desanimada não ter certeza, mas suspeitava que sim.

Enquanto eles conversavam, Marcelo também chegou em casa e após ficar a par da situação, se ofereceu para levar Mayara para casa enquanto o marido conversava com o menino, prometendo que ao voltar, iria ajudá-lo.

            Diego bateu com os nós dos dedos na porta do quarto do menino, enquanto abria uma fresta e perguntava se podia entrar, ouvindo em resposta um “sim” abafado. Paulo estava deitado de bruços na cama, com o rosto enfiado no travesseiro.

— Tá tudo bem? — perguntou o rapaz enquanto se sentava ao lado do irmãozinho na cama e fazia um afago na cabeça do menino, vendo ele virar o rosto para lado para encará-lo.

— Acho que não... — ao olhar para o rosto de Paulo, Diego confirmou o que suspeitava, o menino havia chorado. Tentando dar espaço para que a criança falasse sem se sentir pressionada, Diego sugeriu “E você quer falar sobre isso comigo?”.

Viu o menino se sentar no meio da cama de solteiro com as pernas cruzadas e após enxugar o rosto molhado, o ouviu contar sobre o desconforto que sentiu mais cedo tentando manter uma conversa com os amiguinhos.

— Era como se... Tudo o que eu falasse chateasse eles. Eu não queria deixar eles tristes, eu só queria contar como o domingo foi divertido pra mim. — Diego sabia que se fosse outra criança, com uma estrutura emocional sólida e muitos amigos, aquela situação talvez não causasse tanto impacto.

            Em resposta Diego abraçou o irmãozinho enquanto o acalmava, dizendo que não tinha acontecido nada de mais e que às vezes as pessoas ficam assim. Mas dentro do abraço, o menino chorava baixinho, soluçando de tempo em tempos e então, ao se afastar, murmurou irritado que “não queria ficar chorando, é feio”.  

            — Eu e o Marcelo já falamos antes pra você e eu vou repetir, não tem nada de errado ou feio em chorar. Você está triste e ta tudo bem chorar. — e pela enésima vez Diego xingou mentalmente seu falecido padrasto por ter enfiado todos aqueles comportamentos machistas idiotas na cabeça do menino.

— Não foi nada que você disse tá bom?  E amanhã você vai ver, vocês vão conversar de novo como se nada tivesse acontecido. — Paulo o encarou com os olhos úmidos e a ponta do nariz avermelhada por conta do choro e Diego sentiu um aperto no peito, pensando que queria protegê-lo de tudo no mundo e se preocupando por saber que isso seria impossível.

Se surpreendeu ao ser abraçado pelo menino e ouvi-lo suspirar aliviado. E em resposta, Diego fez um cafuné na cabeça do irmãozinho enquanto perguntava “Tá melhor agora?” ao que o menino respondeu com um resmungo positivo.

— Certo, então vamos lá na cozinha preparar a janta,daqui a pouco o Marcelo volta e a gente pode comer juntos. Vem. — levantou e estendeu a mão para o menino, que a segurou com firmeza e o acompanhou para fora do quarto.

Enquanto estava descongelando um pote plástico com sopa, Diego olhou para Paulo sentado à mesa, colorindo um desenho e quando seus olhares se cruzaram, o menino sorriu de forma genuína.

— Paulo, eu só quero que você me prometa uma coisa. — o garoto parou de pintar e ergueu o rosto exibindo uma expressão desconfiada e meio preocupada.

— Se acontecer alguma coisa que te chateie no futuro, que você vai contar para mim, o Marcelo ou a Mayara, certo? Eu sei que já falei algumas vezes, mas não faz mal repetir. A gente te ama e se preocupa com você, então você sempre pode confiar em nós. — o menino concordou com um meneio animado de cabeça e Diego confirmou mentalmente que teria de repetir aquilo mais algumas vezes até Paulo entender que podia confiar nos adultos a sua volta.

Continua...

Nota da autora:

Bom, primeiro eu quero me desculpar com as pessoas que ainda acompanham essa história, se você estiver lendo este capítulo na semana do dia 29 de Dezembro de 2025, eu quero pedir desculpas pelo hiato de seis meses que a história ficou e também pelo capitulo sem graça que eu trouxe agora.

Confesso que não estou satisfeita com este capítulo, mas ou eu lançava ele agora ou não lançava mais e daí, outra história entraria para o limbo das “em hiato” e apesar de eu ter toda a ideia base da história na cabeça, tenho tido cada vez mais dificuldade de colocar no papel e durante 2025 eu tive vários momentos complicados que me impediram de querer escrever. Então, me desculpem pessoal.

Mas eu decidi que antes do ano acabar, eu precisava lançar pelo menos mais um capítulo e vou adiantar aqui que a partir de Janeiro/2026, ao invés de eu tirar férias, como sempre faço, vou tentar produzir dois capítulos por semana para terminar logo essa história – afinal, ela já está se arrastando por cinco (e em 2026 fará seis anos) e eu queria muito lançar outro projeto, mas decidi que só vou fazer isso quando terminar essa aqui.

Sobre o capitulo, a discussão sobre monogamia do Joaquim com o Francisco não foi uma tentativa de pintar relacionamentos abertos como algo ruim, pelo contrário, mas sim foi uma forma de mostrar que nem todos os relacionamentos são iguais e não existe uma forma base que serve para todo mundo. Cada um se relaciona da forma que achar melhor.

E então tivemos o Paulo, lidando mais uma vez com o machismo internalizado que o pai deixou de herança. Eu acho que é importante dizer para um menino que ele pode chorar, se sentir que precisa, sem julgamentos, sem repreensão, afinal, todo esse sufocamento emocional está refletindo de forma negativa nos meninos, quando crescem e se tornam homens amargos e emocionalmente travados.

Para terminar, quero agradecer mais uma vez para quem ainda acompanha essa história e pedir que se puder, deixe um comentário para eu saber o que você achou.

Tenha  um ótimo final de ano e um feliz 2026.

Perséfone Tenou 2025

 

 

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