Era Quarta-feira e na
escola, Paulo tinha contado a Agatha e Luís sobre aquele enorme salão com todas
aquelas mulheres de expressão cruel em que aquela mulher o tinha levado no dia
anterior e a menina perguntou se elas eram bruxas.
– Porque pelo que você tá
me falando, elas parecem bruxas. Que medo, Paulo! – a garota lhe disse durante
o recreio, enquanto as outras crianças brincavam de pega-pega e de queimada, os
três estavam amontoados num cantinho cochichando.
– A Agatha tem razão,
elas parecem assustadoras. – complementou Luís, enquanto dava uma mordida no
sanduíche e oferecia batatinhas aos outros dois, que aceitaram. Paulo não sabia
nada sobre bruxas, mas de uma coisa tinha certeza, tinha medo daquela mulher.
– Ela olha pra mim como
se eu fosse cocô de cachorro, sabe? Como se fosse uma coisa ruim e fedida. Eu
não vejo a hora de chegar sexta-feira pro Diego vir me buscar e eu não quero
ver essa mulher nunca mais na minha vida! – declarou aos amigos ao mesmo tempo
em que o sinal informando o fim do recreio começava a soar.
Quando voltaram para a
sala de aula, Paulo perguntou a Profê Marta que dia era e ela respondeu “Quarta-feira,
querido”. Ele sabia os dias da semana, então contou nos dedos quantos faltavam
para Sexta, um, dois. Respirou fundo e pensou que podia aguentar mais um pouco.
Naquele dia, quando a
mulher veio buscá-lo na escola, ela encontrou com a mãe de Emmanuel, o menino
que gostava de infernizá-lo e a Agatha e Luís e as duas começaram a conversar e
foi quando Paulo teve certeza de que estava realmente com uma pessoa ruim, pois
enquanto as duas falavam, Emmanuel aproximou-se dele e lhe deu socos no braço
direito, Paulo tentou pedir socorro, mas as duas fingiam não vê-lo, Olinda até
virou de costas quando o filho se aproximou do outro menino.
– Ai irmã, é maravilhoso
que você esteja cuidando desse menino, quando me contaram com quem ele estava
morando, o Senhor tenha piedade, eu me horrorizei por completo! Mas as coisas
vão melhorar, agora que ele está longe daquelas más influências. – ao ouvir as
palavras da outra mulher, Paulo se irritou. Não sabia o que significava “influências”, mas a palavra “má” sim e empurrando Emmanuel para longe
e fazendo-o cair numa poça d’água na calçada, entrou entre as duas e gritou.
– O Diego e o Marcelo não
são maus! Seu filho é mau! – apontou para o garoto que continuava largado na
poça de água e viu Olinda correr para socorrê-lo, enquanto sentia a mão ossuda
da outra mulher apertar seu pulso com força.
– Garotinho sujo, ninguém
nunca te ensinou educação? Que não se deve interromper os outros e muito menos
empurrar o coleguinha? – Paulo tentava se livrar do aperto, mas era inútil,
cada vez que puxava o pulso, os dedos em volta se tornavam mais firmes.
– Ele não é meu amigo,
ele é mau! E eu não gosto de você! – a mulher o puxou em direção ao carro, mas
não sem antes, mudando o tom de voz para algo melodioso e gentil, se despedir
da amiga, que respondeu com um grunhido.
Ele foi enfiado no banco
de trás do carro e quando ela soltou-o, o menino notou que a volta do seu pulso
direito estava arroxeada.
Durante todo o caminho
Zulmira ficou em silêncio, pensando se valia à pena ter um garoto mal-educado
como aquele em casa apenas pelo imóvel que ela esperava conseguir por as mãos
em breve. Mas agora já estava feito.
***
Diego recebeu uma ligação
de Rosário, que lhe informou que as intimações haviam sido entregues e que ela
ficou sabendo disso através de uma pessoa que trabalhava dentro da vara da
família e que agora era só questão de esperar chegar sexta-feira e buscar Paulo
de volta. Diego, que estava na imobiliária, respirou aliviado e ao desligar,
mandou uma mensagem para Marcelo e outra para Mayara, repassando a informação.
Naqueles últimos dias ele
tinha pesquisado bastante sobre legislação de guarda e descobriu que Zulmira
não poderia jamais ter levado Paulo da sua casa. Infelizmente, naquele domingo
em que tudo aconteceu, ele foi pego de surpresa e a ameaça de prisão o assustou
o bastante para impedi-lo de fazer alguma coisa. Mas agora as coisas seriam
diferentes e ninguém mais iria tirar o menino da sua casa.
Ele então trabalhou o
resto do dia um pouco menos nervosos do que vinha estado nos últimos dias.
***
Era meio da tarde quando
um homem bateu na porta da casa de Zulmira. Paulo a viu fazer uma careta
enquanto assinava algo que o homem tinha lhe entregado. O menino tentou ouvir a
conversa, mas foi enxotado por ela, que o mandou para dentro.
Quando a mulher entrou,
exibia uma expressão azeda e apertava o papel na mão direita com ódio. Havia
recebido uma intimação da juíza da vara da família para comparecer a uma
audiência na sexta-feira a tarde. Aquele meio-irmão aberração do menino estava
tentando tomá-lo de volta, mas ela não ia permitir!
Ao olhar para o sofá, viu
o garoto que segurava um livro da escola aberto no colo e a encarava com
aqueles olhos arregalados e cheios de pavor. Às vezes ela pensava em tratá-lo
um pouco melhor, mas sempre que olhava para o rosto do menino, lembrava-se de Beatriz
e do quando a odiava. A mulher tinha aquele olhar bovino e complacente e a cor
da pele! Jesus do céu, aquela pele! Ela nunca tinha deixado seu filho sequer
brincar com crianças de cor e então o infeliz vai e casa com uma! E claro,
enfia todo o dinheiro que tinha naquela casa no outro lado do país e que agora
estava no nome daquele garoto sujo.
E era isso que lhe
interessava. A tal casa, diziam que era enorme, como uma mansão e num ponto
muito bem localizado da tal cidade. Se ela conseguisse a guarda do menino,
poderia ter os direitos sobre o imóvel*, ou pelo menos era o que ela pensava, e
assim que tivesse a chance, venderia o lugar, para recuperar os gastos que teve
primeiro com o filho ingrato e depois com o menino.
Apertando a intimação nos
dedos ossudos, Zulmira rumou para o próprio quarto, onde foi trocar de roupa,
pois tinha tarefas a fazer na congregação aquela tarde.
Paulo permaneceu estático
no sofá.
***
Joaquim estava começando
seu trabalho na loja de sabonetes e tudo ia bem. Ele se sentia feliz pela
primeira vez em anos em um trabalho. Tinha comentado com Francisco o quão
animado com o emprego novo e ficou feliz de receber apoio do namorado, que
inclusive o levava e ia buscar no fim do dia, já que o loiro não tinha carteira
de motorista.
Na segunda-feira tinha
contado a Francisco sobre o acontecido com Diego e Marcelo e ouviu o namorado
falar que a avó paterna de Paulo não tinha direitos na guarda do menino, se ela
foi passada legalmente em testamento para Diego, mas, a mulher parecia ser
mau-caráter o suficiente para tentar enganar todo mundo. Ele se irritou ao
saber que até a polícia a tal mulher tinha chamado.
Mayara vinha atualizando
Joaquim da situação, conforme recebia notícias de Diego. E foi assim que ele
recebeu um SMS informando que as intimações haviam sido entregue e a audiência
marcada para sexta-feira. Mas o rapaz não teve tempo de responder a amiga, pois
uma senhora entrou na loja, procurando um presente de aniversário para o
marido.
***
E mais uma vez estavam
naquele grande salão repleto de cadeiras plásticas e aquela mulher se juntava a
todas aquelas outras mulheres de expressões assustadoras. Mas desta vez era
diferente, eles foram ao anoitecer e o lugar estava cheio de gente.
Sentou-se numa das
cadeiras de plástico ao lado da mulher e ficou observando assustado, aquele
homem alto com expressão de doente berrar coisas pelo microfone e as pessoas ao
redor responderem com gritos na mesma altura. Inclusive Zulmira.
Em certo momento, depois
de não sabia quanto tempo, mas que parecia uma eternidade para o menino, Paulo
sentiu que precisava fazer xixi. Puxou a manga da blusa da mulher e sussurrou
que precisava ir ao banheiro, recebendo em resposta um doloroso beliscão no
braço e a ameaça de que se não ficasse quieto, ia ganhar outro na perna.
Ele sentou-se de novo na
cadeira, recebendo um puxão no braço, o mesmo que foi beliscado com força e
ainda estava doendo, enquanto a mulher dizia por entre dentes que ele devia
ficar em pé.
Paulo queria chorar, mas
resolveu que não daria o que aquela mulher com certeza estava esperando ver.
Respirou fundo e engoliu a vontade de desmontar e se deixou controlar. Sentar,
levantar, ajoelhar, sentar, levantar, um ciclo sem fim de um comportamento
idiota.
Quando finalmente acabou,
ele pediu para ir ao banheiro mais uma vez, ao que Zulmira o levou até os
fundos do prédio e indicou uma porta com um pequeno homem desenhado.
– Eu vou sozinho? – Diego
sempre tinha lhe dito para não usar o banheiro em nenhum lugar público sozinho,
pelo menos não até que ele crescesse um pouco. Viu a expressão de nojo no rosto
da mulher e desistiu.
Pelo menos o lugar estava
vazio e ele usou um dos boxes. Quando saiu, ela não estava o esperando do lado
de fora e Paulo pensou que tinha sido abandonado e entrou em desespero,
correndo de volta para dentro do salão e encontrando-a conversando com o homem
assustador com expressão de doente.
O menino preferiu ficar
perto da porta.
Foi uma exaustiva viagem
de volta. Paulo estava tão cansado que adormeceu no banco de trás, sendo
acordado com um chacoalhão quando chegaram. Entrou na casa e recusou o jantar,
só queria dormir. E enquanto começava a cair no sono, pensou que nem mesmo seu
pai, violento e agressivo, nunca o tinha tratado da forma que aquela mulher que
dizia ser sua avó paterna o estava tratando.
***
Eram 02 da manhã quando o
celular de Diego começou a tocar. Ele estendeu a mão para a mesinha de
cabeceira ainda sonolento, mas ao ver no visor “casa da jararaca”, como havia apelidado Zulmira, atendeu no mesmo
momento.
– Alô? – levantou, com
cuidado para não acordar o marido que dormia tranquilo ao seu lado e foi para a
sala, fechando a porta do quarto as suas costas.
– Diego, quando você vem
me buscar? – a voz chorosa do menino fez com que o coração de Diego doesse.
– Logo, mocinho. Só mais
dois dias e você volta pra cá, eu prometo. – se largou no sofá da sala
completamente escura e suspirou cansado. Por que não podia só ir lá e pegar o
menino de volta? Aquela burocracia idiota era o que ferrava com tudo.
– Como foi hoje na
escola? – perguntou para tentar distrair o garoto e o ouviu contar sobre a
conversa que teve com os amiguinhos, de que a avó paterna era uma bruxa
disfarçada e mentalmente Diego concordou, a mulher era um monstro.
– Mas aconteceu algo de
bom? – Paulo falou que empurrou Emmanuel numa poça de água, o que fez com que
Diego contivesse um riso, pois não queria incentivar o menino, apesar de achar
que foi bem merecido.
– E depois, o que você fez?
– Paulo ficou em silencio por alguns segundos antes de contar sobre sua ida à
igreja que resultou num beliscão e um puxão no braço, mas no fim acabou
relatando tudo, segurando o choro.
Diego rilhou os dentes do
outro lado da linha, com vontade de atravessar a cidade e dar uns cascudos
naquela mulher. O menino estava com eles há quase seis meses e ele nunca
levantou a mão contra Paulo, nunca! O que dava a aquela mulher o direito?
– Eu prometo pra você que
essa mulher nunca mais vai encostar um dedo em você, tá bom? – ouviu o menino
concordar do outro lado da linha e conversou mais um pouco com ele, para então
dizer que fosse dormir, pois ele tinha escola no dia seguinte.
– Diego... Eu tou com
saudades. – a frase pegou o rapaz com a guarda baixa e o atingiu em cheio,
fazendo com que tivesse de respirar fundo antes de responder, para não deixar
transparecer o choro na voz.
– Eu também rapazinho,
eu, o Marcelo, a Mayara. Estamos todos com muita saudade de você, mas as coisas
vão se acertar sexta-feira e você volta pra casa com a gente e dessa vez é pra
sempre. – queria acrescentar que Zulmira também jamais se aproximaria dele de
novo no futuro, mas não podia garantir isso.
Do outro lado da cidade,
Paulo se despediu de Diego e foi dormir, na sua cama improvisada no sofá. Mas
agora não estava mais com tanto medo, pois sabia que aquilo logo acabaria.
Diego também já tinha
desligado, mas ainda ficou encarando o celular desligado na mão, pensando
nervoso se no futuro aconteceria mais algum tipo de tentativa absurda de tomar
o irmão da sua guarda, mesmo sendo ilegal, aquela mulher tinha conseguido
enganá-lo com ameaças vazias e ele, idiota, tinha caído.
Acabou cochilando no sofá
mesmo, o celular apertado na mão e o lábio inferior ferido por causa de novas
mordidas e repuxadas de pele. Na sua cabeça, assim como na de Paulo, só havia
uma frase que piscava em neon “Espero que
Sexta-feira chegue logo”.
Continua...
Notas da autora:
Eu não sei bem o que
dizer aqui.
Essa história se estendeu
bem mais do que eu tinha planejado, mas ultimamente tem sido um esforço enorme
pra produzir capítulos que não passam de oito páginas, não por falta de ideias
pro roteiro, mas sim por desanimo.
Às vezes eu penso em
começar outra história, mas daí eu desisto porque se eu começar uma nova, essa
aqui em algum momento vai cair no hiato eterno em que já estão várias outras e
eu não quero isso. Eu quero terminar esta história, primeiro.
Eu não sei quantas
pessoas estão lendo, porque não recebo comentários, com exceção de alguns
esparsos às vezes (aos quais eu agradeço), mas, sem um apoio dos leitores,
qualquer escritor perde o ânimo, ainda mais se for um autor não remunerado e
sem editora, como é o meu caso.
Bom, vou parar por aqui,
afinal, ficar implorando não adianta pra ninguém.
Sobre o capítulo, como
vocês puderam ver, a Zulmira é uma víbora, é racista e é cruel. Eu a detesto e
está sendo interessante escrever uma personagem tão odiosa. Pelas dicas dá pra
se deduzir que nem o filho dela, pai de Paulo, gostava da mulher.
Após esse arco da
audiência, a história vai voltar a ser slice of life, ou seja, situações
cotidianas e comuns e talvez não haja mais plot twists.
Enfim, obrigada por ler
até aqui e se puder, deixe um comentário, eles fazem muita diferença.
Até o próximo capítulo!
Perséfone Tenou
Nenhum comentário:
Postar um comentário