Paulo acordou assustado e por alguns minutos teve certeza de que ainda estava na casa daquela mulher ruim e que sua volta para a casa do irmão não tinha passado de um sonho. Mas, conforme foi olhando ao seu redor e reconhecendo os objetos e as dimensões do seu quarto, sentiu-se seguro e feliz. Estava em casa de novo.
Levantou e foi ao
banheiro, onde escovou os dentes e lavou o rosto, e claro, fez xixi, porque
parecia que sua bexiga ia estourar se não fizesse. Estava saindo do cômodo
quando esbarrou em Marcelo que vinha pelo corredor e em um gesto impulsivo,
abraçou o rapaz de forma demorada, recebendo em resposta um agrado na cabeça e
o ouvindo dizer “que bom que você está de
volta, Paulo”.
O menino então o seguiu
até a cozinha, onde sentado numa das cadeiras, observou Marcelo preparar o café
da manhã. Era sábado e ele disse que tinha tirado uma folga do consultório.
Diego também estava de folga da imobiliária.
– O que você quer pro
café? – Paulo pensou por alguns segundos e perguntou se ainda tinha sucrilho,
ao ouvir que sim, disse que queria uma tigela deles com leite.
Enquanto preparava a
comida do menino, Marcelo pensou em como aquela semana sem vê-lo pela casa foi
triste e sombria, não só pelo estado emocional abalado do marido, mas também
por como o garoto fazia falta, ele já tinha se tornado parte da família e a sua
presença era muito importante.
Diego levantou e ao se
dar conta que nem o marido e nem o irmãozinho estavam nas suas respectivas
camas, seguiu pra cozinha, encontrando os dois tomando café e conversando.
Paulo contava sobre a escola à Marcelo, que ouvia com total atenção.
– Bom dia pra vocês. –
aproximou-se da mesa e fez um afago nos cabelos do menino, observando como ele
fechou os olhos em uma expressão de alegria e satisfação. Puxou uma cadeira e
perguntou sobre o que estavam falando.
– Ah é que a Profê Marta
disse que mês que vem tem quadrilha lá na escola e ela perguntou quem queria
fazer parte eu disse que eu queria. A Agatha e o Luís também vão e... Vocês vão
assistir no dia, né? – Diego trocou um olhar cúmplice com o marido, que sorriu
e respondeu que sim, eles iam, vendo o rosto do menino se iluminar de
felicidade.
– Vou falar com a Lola
pra ajudar a gente a fazer uma roupa de caipirinha pra você e no dia, vamos
tirar muitas fotos. – quando viu Paulo esticar o braço para pegar mais leite,
percebeu a marca roxa no pulso do menino. Aquela mulher horrível tinha deixado
uma marca nele, o que fez imaginar com quanta força ela havia apertado o pulso
fino do garoto.
– Depois que você terminar
de comer, vá tomar um banho, que a gente vai sair. Vamos comemorar que você
voltou aqui pra casa e que aquela mulher horrível nunca vai poder te levar de
novo. – Diego tentou não transmitir nada agressivo no seu tom de voz, mas foi
algo involuntário. Se encontrasse aquela
mulher sozinha na rua, daria a ela uma boa dose do próprio remédio.
– Onde a gente vai? –
Paulo estava com a colher de cereal a meio caminho da boca, gotas de leite
pingando dentro da tigela. Diego riu e piscou com um olho, dizendo que era
surpresa. “Mas eu tenho certeza que você
vai gostar”.
Naqueles seis meses que o
garoto estava com eles, nunca o havia visto comer tão rápido quanto agora.
Paulo depositou a louça dentro da pia e correu pelo pequeno corredor até o
próprio quarto e então, de volta ao banheiro, enquanto Diego e Marcelo
observavam a animação do menino e riam baixinho.
– Primeira folga que
temos ao mesmo tempo em meses, né? – Diego disse enquanto levantava e pegava um
pouco de café na garrafa térmica, sendo surpreendido pelo braço firme do marido
envolvendo sua cintura e com um beijo macio depositado na curva do seu pescoço.
– Pois é, se fosse outros
tempos a gente estaria... Fazendo outra coisa. – Marcelo murmurou enquanto
puxava Diego de volta para perto da mesa, e sentava-se em uma das cadeiras,
colocando-o sentado no seu colo.
– Para com isso, eu sou
pesado demais! – protestou Diego, mas não tentou sair. Pelo contrário, após
tomar um gole de café, beijou o outro nos lábios com paixão e de forma
demorada, aproveitando o contato morno e delicioso enquanto sentia uma das mãos
de Marcelo acariciando suas costas por sob a camiseta.
– Bom... – começou a
dizer quando partiu o beijo – A gente ainda pode fazer tudo o que quiser, só
precisamos... Tomar cuidado pra aquela pessoinha de pés descalços não ver ou
ouvir algo que não é pra idade dele. – ouviu Marcelo rir e ao mesmo tempo, o
som do trinco do banheiro, informando que Paulo estava saindo do banho.
– Vamos sair nós três
hoje e mais tarde eu prometo que... A gente vai se divertir, só nós dois, tá
bem? – em resposta recebeu outro beijo apaixonado que teria evoluído para algo
mais quente, se não tivesse visto pelo canto do olho, o menino chegando na
cozinha.
Não tinha problema algum
em deixar Paulo ver eles se beijando, era natural, caramba! Eles eram casados.
Mas quando a situação envolvia coisas mais... Adultas, Diego era irredutível,
chave na porta do quarto ou só quando o menino não estivesse em casa.
– Então eu vou ali trocar
de roupa, Marcelo, você já tá pronto né? Será que você e o Paulo podem dar um
jeito na louça enquanto isso? Eu lavo a do jantar. Vamos ter de andar um pouco
até chegar no metrô, mas acredite Paulo, vai valer a pena.
***
Do outro lado da cidade,
Joaquim observava o relógio de parede na pequena loja de sabonetes e suspirava,
pensando que ainda faltavam algumas horas pra poder ir embora. Não que
estivesse insatisfeito com o emprego, na verdade, estava gostando bastante, mas
aos sábados o movimento era tão lento... Com exceção de véspera de datas
comemorativas importantes, segundo Lola.
A loja tinha uma daquelas
sinetas eletrônicas que informavam da entrada ou saída de clientes, então,
quando o loiro ouviu o som, aquele “blim-bom” que estava começando a se tornar
parte do som ambiente pra ele, enquanto arrumava alguns produtos na prateleira
atrás de si, nem se deu ao trabalho de se virar e só disse.
– Olá, só um minuto e eu
já te atendo. – mas quando ouviu a voz de Francisco respondendo “Tudo bem, eu vou dar uma olhada por enquanto”,
largou as caixas de sabonete onde estavam e ergueu a divisória do balcão para
beijar o namorado.
– O que você tá fazendo
aqui? – viu que o outro carregava uma sacola plástica com embalagens de isopor
dentro e em uma resposta involuntária, seu estomago roncou, fazendo-o corar
envergonhado.
– Eu estou no horário de
almoço na editora e pensei que você também estaria. Então trouxe uma coisinha
pra gente comer juntos. E pelo som que saiu daí – disse Francisco apontando
para a barriga do namorado – parece que eu acertei.
O loiro sentiu o rosto
esquentar ainda mais e para disfarçar, se dirigiu até a porta da loja e virou a
plaquinha presa ao vidro de “aberta” para “fechada”. Era quase meio-dia e ele
estava morrendo de fome, então por que não? Lola não precisava saber.
– Você é o melhor
namorado do mundo. – pegou a sacola com uma das mãos e segurou a de Francisco
com a outra, enquanto rumava para a saleta nos fundos, uma espécie de área de
descanso.
– Eu tento né. – Joaquim
riu enquanto pegava alguns pratos e talheres que estavam guardados na copa da
saleta e colocava sobre a pequena bancada. Era a primeira vez em anos que sua
vida estava entrando nos eixos. Tinha um emprego, um bom relacionamento, alguns
amigos e um apartamento que estavam pagando juntos.
– Que foi? – foi atraído
de volta para a realidade pela pergunta de Francisco, que o observava quase com
preocupação. Os grandes olhos escuros e o bigode bem aparado fazendo um
contraste bonito com o resto do rosto dele.
– Nada, só tava pensando
em como eu sou feliz. – enquanto se sentava numa das banquetas, sentiu o
namorado segurar sua mão sobre a bancada e responder: “Eu também”.
***
Andaram por uns quinze
minutos de casa até uma estação do metrô. Tinha combinado com Diego que eles
voltariam de uber a tarde, mas a ida seria parte da diversão para o menino.
Compraram três bilhetes e
Paulo fez questão de colocar o seu na catraca, se maravilhando quando o objeto
engoliu a pequena tarjeta magnética. Desceram de escada rolante, sempre do lado
direito, com o menino entre Marcelo e Diego e quando chegaram nas plataformas,
o garoto ficou encantado com os carros do metrô.
Quando entraram, Diego
perguntou se o menino queria sentar, afinal tinha lugares vagos, mas Paulo se
recusou e ficou abraçado em uma das barras de suporte do metrô, observando as
estações passar em movimento pela janela.
Fizeram baldeação e
trocaram de carro pelo menos duas vezes até chegarem a estação Liberdade.
Subiram pela escada rolante novamente e então, após sair do metrô, por uma
escadaria meio íngreme até chegarem ao bairro em si.
Estava tendo feirinha,
com todas aquelas bancas de produtos asiáticos e artesanais e é claro, a parte
separada para a comida. Pratos típicos e também os comuns de feiras de bairro. Eles
comeram pastel e Paulo correu de uma banca à outra observando os objetos
dispostos pelos vendedores, mas sem tocar em nada.
De tempo em tempo Diego
gritava “não vá muito longe” e “Espera pela gente”.
Eles foram descendo a
rua, o menino entrando em lojas aqui e ali, seguido de perto por Diego, que
estava preocupado de perdê-lo de vista, enquanto Marcelo tentava
tranqüilizá-lo.
O menino continuava
andando, a cabeça olhando para todos os lados, animado e quase passou reto pelo
lugar que Diego tinha pensado em levá-lo. Quando ouviu o irmão o chamando,
voltou alguns passos e viu aquela entrada cheia de coisas e um pequeno corredor
no centro que levava para dentro do prédio.
– Acho que você vai
gostar disso aqui. Vamos lá? – Diego ofereceu a mão ao garoto, que a segurou ao
mesmo tempo em que estendia a outra mão livre para Marcelo. O lugar parecia bem
maior por dentro do que por fora e quando eles tomaram o elevador Paulo teve
certeza que aquele prédio devia ser mágico.
Ele correu e observou as
vitrines repletas de pequenas figuras de personagens coloridos, reconheceu
alguns como Pokémon e Dragon Ball Z, mas outras eram um total mistério, mas
muito bonitas também.
Ali dentro Diego não
precisou dizer para que o menino os esperasse, já que ele não iria para o outro
andar sozinho, então, há alguns metros de distancia, ficou observando as
expressões maravilhadas do irmão enquanto Marcelo conversava com um vendedor de
DVDs.
Visitaram todos os
andares do prédio e antes de ir embora, eles perguntaram ao menino qual andar
ele gostou mais e se tinha algo que o havia interessado. Paulo foi categórico,
o segundo andar e um chaveiro emborrachado do Homem-Aranha. “Sempre o
Homem-Aranha” pensou Diego.
Retornaram ao piso e
compraram o tal chaveiro (e mais algumas coisas cujo valor total não deu nenhum
absurdo, mas deixou Paulo muito feliz). Ao saírem do prédio, foram até uma
confeitaria na praça e comeram um pedaço de bolo cada. O dia havia escorrido
lentamente e agora começava a escurecer e esfriar.
Chamaram um uber e quando
eles embarcaram, Paulo estava apresentando sinais de cansaço. Com certeza
dormira logo que chegassem em casa.
Diego sabia que tinha de
ser rígido às vezes e dizer não e regrar as coisas, mas caramba, por uma semana
pensou que ia perder a guarda do irmão pra sempre! Além do que, Paulo era um
garoto tão comportado e bonzinho, que foram pouquíssimas as vezes que ele precisou
dar uma bronca no menino.
***
Mais cedo naquele dia,
após Francisco ter lhe trazido o almoço, ele voltou para a editora, dizendo que
sairia do trabalho quase na mesma hora que o loiro e passaria para buscá-lo na
loja.
Antes de fechar
apareceram duas senhoras procurando um presente de aniversário para uma amiga,
também idosa, delas. Joaquim apresentou os kits mais vendidos e os que eram
lançamento e após quase uma hora de discussão entre as duas, acabaram chegando
em um acordo de qual kit levar. No entanto, a senhora de vestido florido
murmurou que “eu queria levar o de
lavanda, você é chata Cora!”.
Ao que Cora respondeu
enquanto pagava a compra e dava um sorriso simpático para o rapaz. “Você não entende nada de perfume, Elvira, a
Lurdes vai adorar este aqui, não acha, querido?” e Joaquim se vendo contra
a parede tentou contornar a situação da melhor forma possível.
– Ah, ambos tem um ótimo
aroma, acho que ela vai ficar feliz com esse com essência de rosas, mas também
ficaria feliz com o de lavanda. – Cora resmungou, mas sorriu em resposta para
ele. A velhinha era teimosa e não estava satisfeita com a escolha da amiga.
– Muito bem então, tchau
meu bem e diga a Joana que estimamos as melhoras da Dolores. – O rapaz
concordou com um gesto de cabeça e um sorriso congelado enquanto via as duas
velhinhas saírem da loja e pensava se elas seriam um casal? Talvez, pela forma
como discutiam, era bem capaz. O que o fez rir sozinho.
***
Pagaram o uber e Marcelo
carregou Paulo, que acabou cochilando no caminho, enquanto Diego procurava as
chaves na mochila que tinha levado, “Quando
se sai com criança, nunca se sabe o que se pode precisar”, ele alegou
quando questionado de porque levar a mochila.
– Achei! – Marcelo o
ouviu dizer com triunfo, enquanto colocava o menino no chão e o segurava pelo
ombro para que ficasse em pé. O relógio marcava 20h00.
– Diego... – Ouviu a voz
sonolenta do irmão e olhou pra baixo, vendo-o esfregando o olhos e bocejando
enquanto se escorava nas pernas de Marcelo.
– Oi? – trancou a porta e
se abaixou para ficar na altura do menino e para sua surpresa, recebeu um
abraço cálido que envolveu seu pescoço e ombros enquanto ouvia Paulo murmurar
sonolento.
– Hoje foi um dia muito
legal. – Ergueu o olhar para Marcelo, que exibia um pequeno sorriso de
satisfação e o qual também se surpreendeu ao ver que o menino soltava o irmão
para vir abraçá-lo também.
– Eu gosto muito de morar
aqui com vocês. – Marcelo vencido pelas palavras do garoto, abaixou e o pegou
no colo, carregando-o até o quarto e colocando-o para dormir. Ligou o abajur do
Homem-Aranha e tirou os sapatos do menino. Sob protestos de Diego de que ele
“não devia dormir com roupa de sair”, Marcelo respondeu.
– Deixa, só hoje. Olha
como ele tá cansado. Seria um pecado fazer ele acordar pra vestir o pijama. –
Paulo sentiu a pressão morna de beijos sendo dados em sua testa, mas a sensação
estava longe, assim como as vozes de Diego e Marcelo. E então ele mergulhou nos
sonhos, onde andava num trem mágico e caminhava por ruas repletas de cores e
sons incríveis. Apesar de tudo o que tinha sofrido até agora, o menino se
sentia feliz e seguro ali.
Continua...
Notas da autora:
Se você estiver lendo
este capítulo quando ele foi lançado, eu quero pedir desculpas pela demora de
duas semanas para atualizar. Têm acontecido algumas coisas aqui na minha vida,
entre elas desânimo e cansaço, que me obrigam a adiar a atualização não só
desta história, mas de vários outros projetos que eu produzo/tomo conta.
Mas enfim, agora que o
Paulo tá de volta a casa onde deve estar, as coisas vão ficar mais tranquilas.
Neste capítulo fizemos uma visitinha ao Bairro da Liberdade, um dos meus locais
favoritos quando eu vou visitar São Paulo e eu tentei cobrir, sem dar nomes, os
lugares mais comuns que as pessoas costumam visitar quando vão lá. A feirinha e
o Sogo, shopping de coisas de anime.
Também vimos um pouquinho
do trabalho do Joaquim e o Francisco que passou lá pra dar um oi.
Como foi comentado pelo
Paulo, em junho tem quadrilha! E também tem... Dia dos namorados! Aguardem! No
próximo capítulo eu vou fazer a lemon do Diego com o Marcelo, se tudo der certo
e teremos um pouco de Mayara e Letícia e sim, as duas velhinhas, Cora e Elvira
são um casal de lésbicas idosas.
Bom gente, espero que
tenham gostado e eu vou me esforçar pra tentar voltar com o ritmo de
atualização semanal da história + nas próximas semanas eu vou trazer um
(antigo) novo projeto aqui pra conta, espero que vocês gostem.
Obrigada por ler, não se
esqueça de deixar um comentário, eles são muito importantes pra eu me animar e
continuar escrevendo.
Até a próxima,
Perséfone Tenou
Nenhum comentário:
Postar um comentário