O final de semana passou
e Diego não contou a Paulo que Zulmira tinha aparecido na porta da sua casa.
Ele sabia que não poderia esconder por muito mais tempo, porque em alguns dias
era capaz de a mulher a aparecer de novo e desta vez fazendo escândalo e chamando
a atenção de todos os vizinhos.
Mas Diego viu o quanto o
menino ficou traumatizado dos poucos dias que passou com a avó paterna e queria
protelar um novo contato o máximo que conseguisse.
Naquele momento estava
dirigindo até a escola para deixar o garoto e pensando em como abordaria aquele
assunto, claro que não seria ali naquele momento, pois não queria que Paulo
fosse pra aula com a cabeça cheia de pensamentos preocupantes. Mas, teria de
ser ainda hoje.
– Chegamos. Tenha um bom
dia na escola. A Mayara vem te buscar na saída, tá bom? Amanhã eu te dou o
dinheiro e a permissão assinada pra você ir no museu. – sentiu o irmãozinho
abraçá-lo com força pelo pescoço e riu enquanto fazia um agrado no cabelo dele.
O desenho feito pelo barbeiro continuava nítido e colorido.
– Tchau Diego! – viu o
menino descer correndinho em direção aos amigos que o esperavam na entrada da
escola e quando a responsável pelo portão, Dona Neusa, os colocou para dentro,
Diego enfim foi embora.
***
Andava entre Agatha e
Luís e notou que ambos pareciam abatidos e tristes. Sabia por que Luís estava
assim, a avó estava doente e os pais quase não tinham tempo para ele por isso,
mas Agatha... A mãe dela era tão legal, então por que?
– Tá tudo bem? –
perguntou enquanto subiam a escada para as salas de aula. Viu a menina apertar
a alça da mochila com força e fungar baixinho, como se estivesse segurando o
choro.
– Tá sim. Tudo ótimo. – mas a voz dela deu uma
tremida e quando ela olhou pra eles, os olhos estavam cheios de lágrimas. Paulo
a puxou com gentileza pela mão e a colocou encostada na parede próxima a
entrada das salas de aula.
– O que aconteceu? – ouviu
a menina contar que pelo segundo final de semana seguido seu pai não foi vê-la.
Ela contou que ficou o domingo inteiro sentada na entrada da casa com a mochila
no colo e esperando.
– Cada vez que eu
escutava barulho de carro, achava que era ele que tava vindo... Mas daí começou
a ficar escuro e minha mãe disse pra eu entrar. E então de noite, quando minha
mãe achou que eu já tava dormindo, eu ouvi ela falando no telefone com meu pai.
– Agatha suspirou cansada e baixou a cabeça.
– Ela disse que se ele
não viesse me ver, ele ia ver só e que ela ia... Falar pro juiz e que ele ia
acabar sendo preso. – Agatha não sabia, mas o pai não só estava negligenciando
as visitas, como também não vinha pagando a pensão alimentícia.
– Eu não quero que meu
pai seja preso! Ele não vem me ver e eu fico triste com isso, mas ele ainda é
meu pai! – as palavras saíram num murmúrio dolorido e soluçado.
Paulo e Luís trocaram um
olhar preocupado para em seguida abraçarem a amiga ao mesmo tempo, sentindo o
corpo dela ir relaxando conforme o abraço a envolvia. Eles eram crianças, não
entendiam certas coisas que os adultos faziam, mas podiam notar o quanto aquilo
estava magoado a garota.
O sinal soou informando
que era para entrarem na sala de aula. Agatha enxugou o rosto e secou os olhos
e então, forçou um sorriso que pareceu falso, mas que seria convincente para a
professora e os colegas de sala.
O resto do dia correu de
forma tranquila, pois Emmanuel tinha faltado.
***
Quando foi buscar Paulo
na escola, Mayara encontrou a mãe de Agatha e a irmã de Luís. Enquanto Vanessa
parecia radiante e renovada, Miriam exibia uma aparência cansada e abatida. Mayara
quis perguntar se ela estava bem, mas acabou se segurando, pois sabia de toda a
situação na casa da moça.
– May, o Luís e a Agatha
podem ir brincar lá em casa hoje? – Paulo perguntou enquanto apertava sua mão
com gentileza. A moça sorriu sem graça e respondeu que precisavam falar com
Diego antes.
– E você tem de perguntar
se as mães deles vão deixar. – exibiu um sorriso sem jeito para as duas
mulheres que retribuíram com a mesma expressão de deslocamento.
– Mas se ele disser sim,
daí pode? A senhora deixa, mãe da Agatha? E sua mãe deixa também, né? Miriam? –
Vanessa olhou pra filha e viu a expressão animada da menina, que vinha exibindo
um rosto triste desde ontem, ao mesmo tempo em que Miriam viu o irmãozinho
erguer os olhos num pedido silencioso e cheio de esperança.
As crianças precisavam de
algum tipo de válvula de escape e pareceu que ir brincar com Paulo seria a
saída perfeita.
– Claro querido. Se seu
irmão disser que pode, então a Agatha vai sim. – Vanessa respondeu enquanto
sentia a filha abraçá-la com força pela cintura.
– Eu preciso falar com
meus pais, mas como a Vanessa disse, se o Diego disser que pode, acho que o
Luís vai poder ir também. – ela viu o irmão dar um pequeno sorriso, o primeiro
em dias e sentiu o coração se apertar.
– Está certo então, vou
falar com ele hoje e daí peço pra mandar um whats pra vocês. Agora vamos pra
casa, Paulo? Diz tchau pros seus amiguinhos. – os três se despediram com
entusiasmo e Mayara notou que o humor das outras duas crianças deu uma
melhorada só pela promessa de poderem brincar juntos.
Na volta para casa, Paulo
contou sobre Agatha e o pai que não foi buscá-la. A moça, que já tinha pego
implicância de Silas naquele dia na porta da escola, torceu os lábios numa
careta antes de responder.
– Pois é, às vezes os
adultos fazem coisas que magoam... E nem percebem que estão fazendo isso. – era
difícil explicar pra uma criança de sete anos os motivos pelos quais um pai não
ia ver a filha depois do divorcio ter saído. Ela suspeitava que ele já estava
com uma mulher nova e com certeza não queria que ela soubesse que tinha uma
filha do casamento anterior. Mas, tinha de ser muito sem coração para fazer
aquilo com uma criança tão doce quanto Agatha.
Naquela tarde Paulo quis
andar de bicicleta em frente da casa e Mayara colocou um cadeira na frente do
portão, para observá-lo e de tempo em tempo respondia mensagens de Letícia no
whats app.
***
A coceira da tatuagem
ainda estava presente, mas tinha dado uma leve diminuída de Sábado para
Segunda. O bastante para Joaquim poder ficar sentado atrás do balcão da loja de
sabonetes sem sentir aquele desespero de coçar a o local até arrancar a pele.
Lembrou do que Anastácia
tinha lhe dito no dia que foi fazer a tatuagem, sobre como ele iria querer
fazer outras no futuro e riu, porque sinceramente não via interesse de fazer
mais nenhuma, não se todas as vezes tivesse de passar por aquele sofrimento que
era a sensação de que sua pele estava viva e em comichão.
Como não tinha clientes
na loja no momento, resolveu entrar no facebook. Não pra ver as notificações do
seu, mas sim pra fuçar o do ex de Francisco, Mauro. Logo quando a página
carregou, Joaquim se surpreendeu com a foto de perfil.
O outro tinha pitado o
cabelo de preto. Mauro era naturalmente loiro, assim como ele e isso foi um
detalhe que não passou despercebido quando começou a namorar Francisco. Ele e
Mauro tinham o mesmo porte físico magro e delicado, cabelo loiro e olhos
claros, os do outro eram verdes e os seus, azuis.
Mas a mudança na cor de
cabelo quase tornou Mauro em outra pessoa. Na timeline havia várias fotos dele
com o noivo, Wagner. Estavam em barzinhos, fazendo trilha em parques naturais,
tomando sol na beira de uma piscina, em jantares com amigos. Pareciam felizes
juntos.
Joaquim fechou os olhos e
se perguntou por que não conseguia só desencanar daquela paranóia de que
Francisco ainda tinha sentimentos pelo ex. O outro o amava e demonstrava isso
todos os dias, então por que ele ainda continuava achando que a qualquer
momento ia ser chutado?
Talvez fosse por causa
daquela pequena voz mental que lhe dizia que ele não era bom o bastante para
ficar ao lado do namorado. Que nunca conseguiria alcançar nada mais substancial
na vida e que dependia de Francisco para tudo.
Não era verdade, ele
estava ali trabalhando!
“Mas você tem amigos? Que não sejam os amigos do Francisco?”
Claro que tinha! Mila era
uma delas, havia pessoas da época do curso de auxiliar de dentista também e...
“Pessoas com as quais você não fala cara a cara há anos. Você é sozinho
no mundo, Joaquim. Não existe ninguém que se importe com você, talvez nem o
Francisco goste de você. Ele só te atura por conveniência”.
– Isso não é verdade. –
murmurou por entre dentes, irritado e sentindo que ficar sozinho ali hoje não
era uma boa ideia. Normalmente conseguia lidar com os pensamentos intrusivos e
colocá-los de lado, mas naquele dia estava difícil.
Levou um susto quando
ouviu o sino da porta tocar, informando que alguém tinha entrado na loja.
Passou a mão pelo rosto numa tentativa de melhor sua expressão e ergueu a
cabeça, exibindo um sorriso plástico de vendedor para receber uma jovem de
aparência simpática.
Ela estava procurando um
presente para o namorado, que ia fazer aniversário. Mostrou a ela todos os kits
masculinos da loja e no fim ela saiu não só com o presente, mas também com
alguns sabonetes para ela mesma.
Por aqueles quinze
minutos em que esteve atendendo a moça, a mente de Joaquim ficou tranquila,
pois estava ocupada, mas assim que ela saiu, os pensamentos intrusivos voltaram
e por mais que ele quisesse perguntar a Francisco sobre o relacionamento deles,
ao mesmo tempo sentia que se fizesse isso pareceria carente e grudento e não
queria passar essa ideia.
A segunda vez que ouviu o
sino da porta; abriu u sorriso de forma mecânica e ergueu o rosto para receber
a pessoa, mas sua expressão desmontou ao ver que Francisco entrava na loja.
– Oi, eu te trouxe o
almoço. – manteve aquela expressão de sorriso congelado por mais alguns
segundos, enquanto pensava que não podia demonstrar o que estava sentindo. Não
queria expor aquela parte vergonhosa para o outro.
– Tá tudo bem? –
Francisco se aproximou do balcão e depositou a sacola com as marmitex e em
seguida acariciou o rosto do namorado, retirando uma mecha de fios loiros da
frente da testa dele e o viu forçar o sorriso.
– Tá tudo ótimo. – havia
algo errado ali, mas primeiro precisava trancar a porta da loja. Fez o que
Joaquim costumava ser responsável por fazer, trancou a porta e virou a plaquinha de “aberto” para
“fechado”.
– Vem, vamos lá na copa
comer e daí você me conta o que aconteceu. – estendeu a mão na direção do loiro
e viu que ele demorou alguns segundos para pegá-la e quando o fez, o aperto foi
frouxo.
Serviu a ambos e esperou
que Joaquim dissesse algo, mas o rapaz se ocupava de colocar uma garfada atrás
da outra de comida na boca e evitava olhá-lo nos olhos.
– Aconteceu alguma coisa?
Algum cliente foi grosseiro com você hoje? – viu o loiro negar com um meneio de
cabeça e tomar um gole de suco.
– Mas aconteceu alguma
coisa. Você está estranho Quim. Me fala o que foi, talvez eu possa ajudar. – Joaquim
largou os talheres e espalmou os dedos na mesa, suspirando cansado.
– Eu sou um idiota...
Achei que já tinha superado isso, mas... Você vai me achar um idiota. – respondeu
que não, não ia e que podia confiar nele.
– É aquela merda dos
ciúmes de novo, do medo de você perceber que eu não sou bom o bastante pra
fazer parte da sua vida... Idiota, não? Quero dizer, olha pra mim! Eu sou um
adulto ou pelo menos, eu deveria ser e estou aqui pensando toda essa... Merda. Eu
tenho tentado me segurar pra não deixar esses pensamentos tomarem conta da
minha vida, mas, hoje foi impossível. – uma única lágrima escorreu pela
bochecha esquerda do rapaz, que a secou com violência.
– Eu tenho tanta vergonha
de ser assim... Tão fraco. – fechou os olhos e sentiu os globos oculares, a
ponte do nariz e cada centímetro do seu corpo doer. Não gostava de expor aquela
emotividade toda, tinha vergonha de mostrar aquela fraqueza, porque sentia que
parecia menos maduro e menos homem quando fazia aquilo.
Surpreendeu-se com o abraço morno que sentiu
ao redor do corpo e o aperto gentil de uma mão na lateral da sua cabeça,
deitando-a sobre a maciez do peito morno de Francisco.
– Tá tudo bem. Você não
tem de sentir vergonha de ficar inseguro às vezes. Mas eu nunca vou te
abandonar, ouviu? Você não vai se livrar de mim tão fácil. – Joaquim deu um
riso embargado e fungou baixinho, suspirando cansado.
– Eu sabia sobre o seu
passado e seus traumas quando a gente se conheceu. Eu te aceitei por completo,
as coisas boas e as não tão boas e você pode confiar em mim quando precisar
desabafar. – sabia que a menção ao ex e a coisa toda sobre o convite para ser
padrinho no casamento, tinha ligado um gatilho na cabeça do namorado, que vinha
de um lar abusivo e de um relacionamento igualmente violento e que tinha medo
de ser abandonado. Abraçou-o com força enquanto pensava como Joaquim na verdade
era forte, segurando todos aqueles pensamentos nocivos.
Ficou por longos minutos
sentindo o abraço quente ao redor de si e quando sentiu que estava melhor, se
afastou com cuidado, encarando o rosto bonito do namorado acima de si. Francisco
nunca o julgou por seus rompantes de emoção, pelo contrário, sempre estava lá
pra lhe dar apoio.
– Eu precisava disso. – disse
enquanto se levantava para descartar as embalagens de marmitex.
– Está melhor agora? –
sentiu sua cintura ser abraçada com suavidade e sorriu enquanto inclinava a
cabeça para trás e beijava o namorado na boca.
– Muito. Desculpa ter
surtado desse jeito. Eu sei que você me ama e que se um dia a gente tivesse de
terminar, você faria tudo direitinho, é que às vezes a minha cabeça... Ela não
é um bom lugar pra se estar. – falar aquilo fez bem. Reconhecer
que às vezes sua mente podia ser um problema e que estava tudo bem nisso.
– Obrigado por me
aguentar. – disse enquanto voltavam para frente da loja, ao que ouviu Francisco
responder “aguentar? É um prazer ter você
na minha vida”.
Despediu-se do namorado,
que disse que passaria buscá-lo mais tarde e assim que o carro de Francisco
saiu da frente da loja, Joaquim fez uma promessa mental:
“Não vou mais deixar esses pensamentos dominarem a minha vida. Daqui em
diante, quem controla a minha vida sou eu!”
Continua...
Nota da autora:
Mais um capítulo, gente!
E nesse aqui tivemos duas
pessoas de idades diferentes tentando fingir que estava tudo bem e claro,
falhando porque ninguém consegue fingir por muito tempo que o emocional tá
okay. E tá tudo bem nisso!
A Agatha com o pai que
não vai visitá-la e ouvindo a mãe ameaçá-lo com prisão, uma criança costuma não
entender direito o que é um divorcio e nem porque o pai ou a mãe não vai vê-la
sempre.
E do outro lado temos o
Joaquim, que venho de uma família abusiva e teve como primeiro namorado, um
cara violento e que tem de lidar com o dilema de se mostrar vulnerável ou
engolir os problemas e fingir que está tudo bem. Eu estou desenvolvendo o
Joaquim assim pra mostrar que homens também podem passar por problemas
emocionais.
Os pensamentos intrusivos
é uma coisa que eu tenho muito, os temas são diferentes dos que o Joaquim
enfrentou no capítulo, mas são constantes iguais.
Ainda teremos o Diego
contando ao Paulo sobre a Zulmira e as crianças indo brincar na casa do Paulo.
E bom é isso, nem sei se
alguém lê essas notas finais, acredito que muita gente para lá em cima no
“continua...”, mas, né, eu sinto que devo falar alguma coisa pra vocês após
cada capítulo.
E é isso pessoal,
obrigada por ler e até o próximo capítulo!
Perséfone Tenou
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