O comportamento animado e espontâneo
de Paulo não passou despercebido pelos outros adultos, que se lembravam dele
sendo um garoto tímido e meio assustado, mas que agora saltitava com alegria
pela calçada enquanto segurava na mão dos dois responsáveis. E naquela hora a Paulista ainda estava meio
vazia, não eram nem 11h30 e as pessoas tinham começado a chegar, mas para o
garoto tudo era uma novidade incrível.
Quando enfim avistaram a concentração
da parada, dividida do resto da rua por alguns cavaletes, o menino fez menção
de correr até lá, animado, mas foi impedido por Diego que o segurou pelo braço,
dizendo que queria que ele não fizesse aquilo.
— Tem muita gente aqui e é fácil se
perder e se isso acontecer, como a gente vai te achar? Ma, será que você pode
colocar ele nos seus ombros só um pouquinho, pro Paulo ver o povo ali na
frente? — Marcelo concordou e ergueu o menino, acomodando-o sobre seus ombros
enquanto pensava como Paulo estava leve e se isso era um peso normal para um
garoto de sete anos e que talvez devessem levá-lo ao pediatra, mas logo os
pensamentos foram atraídos de volta para o momento, quando ouviu o riso límpido
e divertido do menino que dizia poder ver tudo ali de cima.
— Ele tá bem diferente de como a
gente viu em Abril. — Joaquim comentou com Diego que sorriu e concordou,
informando que o ponto principal da mudança foi a ida ao tal museu cata-vento
na sexta-feira.
— Voltou tão tagarela que naquela
noite, falou até dormindo sobre o que viu por lá. — Diego sorriu e olhou para o
irmãozinho sentado nos ombros do marido e em seguida comentou que se sentia
feliz de ver o garoto ficando mais solto.
— Não sei se o Marcelo contou pra
vocês, mas quando o Paulo veio morar com a gente, ele nem falava... — baixou a
voz um pouco e complementou — ele que achou minha mãe morta em casa e ficou
horas lá com ela até que alguém o encontrasse. Eu não consigo deixar de pensar
no trauma que ficou ali. — e em seguida se repreendeu mentalmente por não ter
levado o menino a um psicólogo infantil, pretendia levar, mas não estava tendo
tempo nem de agendar a consulta, quanto mais acompanhar o garoto!
— Dá pra ver que vocês o estão criando
bem. Ele parece feliz e saudável e estes são dois indicadores de que as coisas
vão bem na vida de uma criança... Digo, é o que as pessoas costumam falar. —
emendou Joaquim desconfortável, afinal, o que ele sabia sobre criar crianças?
Não tinha filhos e não pretendia ter tão cedo.
Marcelo informou que ia atravessar
até o canteiro que dividia as duas pistas e andar um pouco com o menino do seu
lado para ele ver a movimentação, Diego concordou e disse que os esperaria ali
com os outros e no mesmo instante, Mayara sugeriu ir com eles e Letícia.
Diego não conhecia Joaquim e
Francisco o bastante para desenvolver uma conversa amigável, mas ao ouvir o
loiro comentar que fazia alguns anos que não vinham a parada, pegou aquele
gancho de assunto e complementou informando que eles também não.
— E não é nem porque a gente não gosta, é mais
porque, bom, é minha culpa. Eu comecei a ter crises de pânico no meio de
multidões há uns três anos, foi num bloquinho de carnaval, me senti tão mal que
o Marcelo teve de me arrastar para a calçada. Desculpa, eu tou sendo
inconveniente. — ficou quieto e passou a olhar para um ponto qualquer na rua,
onde um vendedor ambulante estendeu várias bandeiras do orgulho em um varal e
elas tremulavam ao vento.
— Fran, será que você podia pegar uma
água ali pra mim? Tou morrendo de sede. — pediu Joaquim em uma desculpa
esfarrapada para afastar o namorado por alguns minutos, ao que Francisco
entendeu a deixa e saiu.
— Olha Diego, — disse o loiro
enquanto se aproximava do outro rapaz — Você não precisa se envergonhar de ter tido
uma crise de pânico. Todo mundo tem algum problema psicológico ou emocional
hoje em dia. E eu sei que a gente mal se conhece, talvez por isso você tenha
ficado desconfortável comentando sobre isso, mas, acredite, eu entendo como é e
se quiser conversar no futuro, é só mandar um whats pra mim. — Diego sorriu
para o outro rapaz de uma forma agradecida e murmurou um “obrigado”, para assim que viu Francisco retornar, sugerir que eles
fossem atrás dos outros.
Enquanto isso, mais a frente na
avenida, Paulo andava pelo gramado da pequena faixa que separava as duas pistas
e olhou maravilhado, todas aquelas pessoas com acessórios coloridos e
expressões faciais de alegria pura. O menino tinha acabado de colocar uma coroa
de papel nas cores do arco-íris que estavam entregando na saída do metrô e se
sentia incrível com aquilo na cabeça.
Alguns passos atrás, Mayara segurava
a mão de Letícia que encarava a multidão aglomerada com a mesma expressão
fascinada do menino.
Andaram por mais alguns metros e
então Paulo pediu para voltarem, dizendo que “O Diego deve tá preocupado”. A mãozinha macia dele apertou a de
Marcelo por alguns segundos e o rapaz sorriu enquanto faziam o caminho inverso.
Enquanto voltavam, deram de cara com
os outros que vinham na direção oposta e Marcelo resolveu ficar mais um pouco
ali com eles, ouvindo Diego e Joaquim conversarem sobre as edições anteriores
do evento nas quais haviam vindo e ao olhar para Francisco, o amigo esboçou um
sorriso satisfeito que parecia dizer “Eles
estão se dando bem, não é?”.
Em certo momento Paulo largou da sua
mão e correu para Mayara e Letícia, que ofereceram as próprias mãos para o
menino segurar, enquanto ele ria animado. Marcelo olhou pro céu, o dia estava
bom, não parecia que ia chover e ele pensou que talvez, se fosse há alguns anos
atrás, talvez tivesse convencido Diego a ficar para a Parada em si, eles
poderiam até entrar no meio e caminhar junto dos demais participantes, mas
agora com o problema que o marido tinha desenvolvido com espaços cheios de
gente e um menino que começava a demonstrar sinais de animação fora de
controle, seria impossível.
Mas haveria mais paradas no futuro.
***
Andaram mais um pouco até encontrar a
tal lanchonete que mais parecia um restaurante de luxo, dado o tamanho do
prédio. Esperaram por meia hora para entrar e se não tivesse prometido a Paulo
que comeriam ali, Diego teria sugerido procurarem outro lugar na Avenida. Mas
estava obvio pela expressão encantada do menino que ele queria comer ali.
Quando enfim arrumaram uma mesa,
Marcelo, Letícia e Francisco foram buscar os pedidos, enquanto os outros três
permaneceram na mesa, pois Paulo fez questão de ir junto.
Diego não conhecia Joaquim muito bem,
tinham se visto poucas vezes, mas podia dizer que o outro era uma pessoa gentil
e simpática pela forma como os olhos dele o observava. Estava tentando procurar
um assunto que servisse para os três, quando Mayara perguntou da avó de Paulo,
se ela havia tentado alguma coisa de novo e antes que pudesse responder, a moça
atualizou o rapaz loiro da situação, ao que Joaquim fez uma expressão de puro
choque em resposta.
— E ela foi com um cara da tutelar
buscar o Paulo? E levou ele da sua casa? Nem consigo imaginar o desespero que
vocês devem ter ficado. — Diego concordou com um gesto de cabeça e complementou
com a informação de que quando foram buscá-lo, o menino estava mais magro e
apresentava algumas marcas no corpo.
— Aquela jararaca bateu nele. Mas no
fim a juíza viu a documentação que minha mãe deixou, mais as marcas nas pernas
do Paulo e declarou que ela não tinha qualquer direito sobre a guarda dele, mas
vou te falar, por alguns dias eu achei que ia perder ele pra sempre... Agora
May, você não vai acreditar? Ela apareceu de novo. faz algumas semanas,
querendo falar com o Paulo, mas sabe o que aconteceu? — os outros dois negaram
com gestos rápidos de cabeça.
— O próprio Paulo disse que não
queria falar com ela. Me deu um orgulho ver ele respondendo aquela mulher,
dizendo que ela era má e ele não gostava dela. Claro que ela quis insinuar que
fui eu ou o Marcelo que o obrigamos a falar aquilo, mas sinceramente, depois de
ter sido obrigado a passar alguns dias medonhos com a avó, acho que o Paulo
podia falar por si quando dizia que não gostava dela. — suspirou cansado
enquanto via os três retornarem com as bandejas e complementava rapidamente.
— Ela disse que se arrependeu e que
queria ver o neto, que era a única família que tinha sobrado e blábláblá, eu
falei que ela podia tentar uma visita de novo no futuro, mas a decisão de
querer ou não ver ela, seria do Paulo. Fiz errado? — Mayara expressou a opinião
de que não, estava totalmente certo, o menino tinha de ter domínio das decisões
e tal comentário fez Joaquim repensar sua própria criação, onde segundo seu pai
“Criança não tem palanque pra falar”,
o que significava que quando pequeno, ele não podia ter opinião sobre nada.
— Você fez muito bem, Diego. —
complementou o loiro alguns segundos depois de confirmar que a criação das
crianças tinha evoluído bastante naqueles anos.
Estavam comendo seus sanduíches,
Paulo contando sobre o ciclo de vida da borboleta entre uma mordida e outra,
quando um menino de uns seis anos se atirou no chão quase ao lado da mesa
deles, gritando e esperneando enquanto a mãe desesperada tentava fazê-lo se
levantar. Diego notou o olhar fixo do irmãozinho no menino, aquele olhar que
parecia dizer “que vergonha”. E
quando o garoto ergueu o rosto e viu Paulo o encarando, parou de chorar na
mesma hora e se levantou, limpando a poeira da roupa e acompanhando a mãe. Em
seguida um silêncio desconfortável caiu sobre a mesa deles por alguns segundos,
mas foi quebrado quando o menino anunciou que queria “fazer xixi!”.
— Tá bom, mas alguém tem de ir com
você. — informou Diego, que dos quatro, era o que estava com mais comida na
bandeja ainda.
— Vamos lá rapaz, eu te levo. —
Marcelo, que já havia terminado de comer, se levantou e enquanto estendia uma
das mãos para o garoto, levava a bandeja vazia com a outra.
Enquanto os dois se afastavam, a
conversa se voltou para a Parada que agora já havia começado lá fora. Era
possível ouvir os sons e barulhos e animação das pessoas e por sugestão de
Mayara, Letícia foi até uma das grandes janelas da lanchonete, disputando
espaço com outras pessoas para ver.
— Ela nunca veio na Parada. —
segredou Mayara enquanto mergulhava uma batata frita no ketchup e sorria ao
ouvir os outros três perguntarem em uníssono “Nunca?”
— É, ela não se assumiu até entrar na
faculdade e daí, tinham as provas e estágio e depois veio o trabalho e as
ex-namoradas dela nunca demonstraram interesse de vir... Agora de pouco ela
parecia uma criança que ganhou um presente incrível de Natal. A cara dela... Tava tão fofinha. — A moça
sorriu sonhadora enquanto mergulhava outra batata no ketchup e Diego observou
como a alegria da amiga era palpável.
— Parece que o namoro tá indo bem
então? — ao que ela respondeu que sim, maravilhoso para ser sincera.
— Eu pousei na casa dela ontem. Mas a
gente teve meio que uma pequena primeira briga... — ao que ela foi bombardeada
com os três dizendo “É normal”, o que
fez com que a moça risse divertida.
Enquanto isso, no banheiro da
lanchonete, Marcelo ficou do lado de fora, perto das pias e informou ao garoto
que estava ali, mesmo assim Paulo o chamava há cada três segundos para saber
que não estava sozinho.
— Eu tou aqui rapaz. Tá tudo bem. — na
cabeça do rapaz ficou repetindo a cena em que aquele garoto fez birra e Paulo o
encarou com uma expressão julgadora. O comportamento do garoto oscilava entre
maduro demais e infantil demais para a idade, o que era compreensível, segundo
Diego lhe disse certa noite, afinal, o trauma que Paulo passou foi grande
demais.
— Terminou ai? Deu a descarga? Certo,
agora vamos lavar as mãos. — ajudou o menino a pegar o conteúdo do
porta-sabonete liquido e abrir a torneira que era daquelas que desligavam se
você demorasse muito para usar. Quando voltaram para a mesa, os outros três já
haviam acabado de comer e Francisco se ofereceu para levar as bandejas.
E ao saírem da lanchonete, a parada
ainda estava acontecendo e se esticava por toda a extensão da avenida. Diego
sorriu enquanto olhava para o irmãozinho que absorvia toda aquela informação
visual com atenção e pensou que talvez no futuro ele conseguisse enfrentar seu
pânico social e vir com o garoto e Marcelo. Mas por enquanto, olhar o movimento
da escadaria do restaurante já era uma grande evolução.
Eles permaneceram um bom tempo ali
olhando o movimento, Mayara segurou a mão da namorada e Francisco abraçou
Joaquim pelos ombros, enquanto que Diego e Marcelo seguravam as mãos de Paulo,
que observava o movimento constante de pessoas com uma expressão maravilhada no
rosto.
***
Quando começou a entardecer, Mayara
sugeriu que eles fossem embora e após pegarem um vagão meio lotado, o que obrigou
Diego a colocar o irmãozinho entre ele e o marido, para protege-lo dos trancos
que o trem dava durante o trajeto, eles foram desembarcando em estações
diferentes.
Ao chegarem em casa, Diego mandou
Paulo tomar um banho, vir jantar e então ir dormir e o menino, que estava
cansado demais com todo o movimento e animação do dia, obedeceu sem reclamar. Por
volta das 20h30 ele já estava dormindo.
Em outro ponto da cidade, Mayara se
despedia de Letícia enquanto chamava um uber para leva-la de volta para casa,
apesar dos pedidos muito convincentes da outra para que ela ficasse outra noite
lá, a moça respondeu que não podia. Precisava dar uma olhada nas mães, mas que
no próximo fim de semana ela viria com certeza.
E por fim, Joaquim e Francisco também
chegavam ao apartamento deles, exaustos mas felizes de terem passado o dia com
amigos. Assim que entrou no apartamento, o loiro informou que ia tomar um banho
e sorriu ao ouvir o namorado dizer que ia preparar a janta enquanto isso.
Antes de entrar no banheiro, Joaquim
deu meia volta e se aproximou de Francisco, lhe dando um beijo suave nos
lábios, sendo retribuído com certa urgência e se não tivesse se contido, teriam
levado aquilo para um nível bem mais... físico.
***
Deitado na cama ao lado do marido,
Diego pensou em como, apesar de todo o horror que estavam passando com aquele traste
imundo na presidência, sua comunidade, as pessoas LGBT+ ainda conseguiam ter
forças para lutar e celebrar o orgulho de existir, especialmente numa época em
que o governante do país dizia que preferia vê-los mortos à existindo.
Pensou então em Paulo e como aquela
primeira Parada do Orgulho impactou positivamente o garoto. Esperava conseguir cria-lo
com a menor quantidade de preconceitos possível e para que crescesse
respeitando as pessoas com quem ele iria conviver no futuro.
Estava se sentindo orgulhoso de si. E
era um sentimento muito satisfatório.
Continua...
Nota da autora:
Bom gente,
Eu tenho tido dificuldade para
continuar escrevendo essa história, mas não é para desenvolver o plot ou coisa
parecida. É a falta de feedback, porque é óbvio que quem escreve, escreve para
alguém e como eu não sei se esse alguém ainda está aqui lendo, não sinto muito
ânimo de continuar. – por isso, se você leu até aqui, deixa um comentário, não
precisa ser nada longo e complexo.
Sobre o capitulo, a continuação do
capítulo anterior sobre a Parada do Orgulho LGBT+. Infelizmente eu nunca
consegui ir em uma edição da Parada até agora, o mais perto que cheguei foi a “concentração”
que é quando todos os grupos que saem na Parada se organizam antes de ela
começar – por isso eu descrevi isso no capítulo anterior.
Mesmo assim, espero que você tenha
gostado do que leu até aqui e pretendo tentar voltar a atualizar a história
semanalmente – como eu disse, o desânimo e a depressão tem me impedido de
manter um ritmo.
Obrigada por ler até aqui
E até o próximo capítulo,
Perséfone Tenou
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