sábado, 22 de agosto de 2020

Lar é onde o coração está - capítulo 02

Na manhã seguinte, Diego ligou para o número de telefone que Rosária lhe passou, que era do conselho tutelar da cidade e após conversar alguns minutos com a mulher, ele confirmou que aceitaria ser tutor do meio-irmão, do qual ele não sabia nada, nem mesmo o nome.

A assistente social então o informou sobre os procedimentos. Ele deveria comparecer na vara de família terça-feira as 10h00, para conversar com o juiz e assinar os documentos de tutela e então, depois que tudo estivesse confirmado, ela levaria o menino até a casa dele.
Durante a ligação, Diego achou importante informar que ele era casado com outro homem e perguntou se isso seria algum impedimento para a oficialização da tutela do meio-irmão.
– Eu já estou ciente disso, Sr. Tavares. Foi explicitado no testamento de sua mãe que o Paulo ficasse sob sua tutela, independente de qualquer condição, exceto se o senhor não aceitasse cuidar dele. – então o nome do menino era Paulo? Bom saber disso.
– Está certo então, Srª. Pereira, terça-feira as 10h00 eu estarei na vara de família para oficializar os documentos, só tenho uma duvida, até lá, onde o Paulo vai ficar? – ainda não conhecia o garoto, mas já se perguntava o que estava acontecendo com ele.
– Ele está numa instalação do conselho tutelar, um espaço para crianças que estão temporariamente afastadas dos pais biológicos ou responsáveis. Estamos cuidando muito bem dele, fique tranquilo. – pelo tom de voz de Rosária, a informação era verdade, mas algo dentro da mente de Diego continuava martelando, perguntando-se se o menino estava mesmo bem. O mais engraçado é que até ontem ele nem sabia da existência do garoto e agora se sentia extremamente preocupado com ele.
Despediu-se da assistente social e desligou. Estava mordendo o lábio inferior em um tique nervoso involuntário e quando ouviu Marcelo dizer para que parasse de fazer aquilo, respondeu no automático "Eu não estou mordendo o lábio".
– Tá sim e daqui a pouco vai sangrar. Agora levanta que você tem de ir pro escritório e eu pro consultório. Eu já preparei o café, então se veste e vem comer. – recebeu um beijo morno na têmpora direita e sorriu, enquanto jogava as cobertas para o lado e finalmente saia da cama.
Tomou um banho rápido, fez a barba e vestiu a camisa e a calça sociais e deu o nó na gravata. Ele trabalhava em uma grande imobiliária e era um dos principais corretores. Quando entrou na cozinha, sentiu o cheiro de café fresco e sorriu. Marcelo estava atrás da bancada servindo o líquido em duas canecas.
– O que a assistente social disse? – ouviu o marido perguntar enquanto o via levar as canecas até a mesa e então o atualizou sobre o assunto, falando que talvez tivesse de espremer algumas visitas a imóveis para ir até a vara de família no horário, mas que ele daria um jeito.
– Ela me contou que este é um pedido de tutela emergencial, porque o Paulo já está há muitos dias sob a guarda do conselho tutelar. – falou enquanto passava um pouco de margarina num pedaço de pão e em seguida dava uma boa mordida.
– Então ele se chama Paulo? Você sabe mais alguma coisa sobre ele? – Marcelo encarou o marido do outro lado da mesa e notou que Diego parecia estar feliz ao falar do menino, era algo inesperado, levando em consideração a conversa que tiveram no dia anterior.
– Ele tem sete anos e... Se chama Paulo. É só o que eu sei por enquanto. – bebeu um gole de café, mas, antes de terminar de comer, lembrou-se de algo que deviam decidir antes do garoto chegar.
– Tem duas coisas que a gente tem de fazer antes dele chegar. Arrumar o quarto de hospedes, que agora vai ser o quarto permanente do Paulo e procurar alguém pra ficar com ele durante o dia enquanto estamos no trabalho. Você tem alguma sugestão de quem poderíamos chamar? – olhou no relógio de parede, marcava 7h45, se ele saísse nos próximos cinco minutos talvez não pegasse transito até a imobiliária.
– Que tal a filha da Joana e da Lola, a Mayara? A menina é maior de idade, se formou em pedagogia, mas por enquanto não conseguiu um emprego fixo. Ela adora criança e acho que cuidaria bem dele. – verdade, Mayara era uma garota muito gentil e simpática e com certeza aceitaria ajudar eles, em troca de um pagamento justo, claro.
– Ótimo! Será que você pode ligar pra ela? Quando eu chegar hoje, eu vou começar a arrumar o quarto. – recolheu as canecas, pratos e talheres da mesa e colocou tudo dentro da pia, prometendo que daria um jeito quando voltasse, ao que ouviu Marcelo dizer para que não se preocupasse.
– Eu só tenho um paciente as 10h00, pode deixar que eu lavo. – Diego sorriu e pegou a pasta em cima da bancada e claro, antes de sair, deu um beijo demorado no marido. Sabia que estava aceitando uma responsabilidade maior do que a que podia lidar, mas lá no fundo sentia-se feliz por poder dar apoio ao meio-irmão caçula.
– Tou indo! Te amo e a gente se vê a noite. – saiu correndo para entrar no carro, um modelo popular e compacto e rumar para o trabalho.
Enquanto isso, Marcelo lavou a louça do café e então pegou o celular que até o momento estava na mesinha de cabeceira lá no quarto deles. Procurou na agenda por algum tempo até que encontrou o contato "Joana & Lola".
Elas eram amigas dele desde a época da faculdade, foram testemunhas no casamento dele com Diego enquanto que ele era um padrinho não-religioso pra filha das duas, Mayara.
O telefone tocou um bocado e então uma voz feminina meio abafada atendeu. Era Joana e nos poucos segundos de conversa ele ficou sabendo que ela tinha pegado um resfriado e estava de cama.
– Fora isso eu estou bem. E vocês? – Marcelo atualizou a amiga sobre toda a situação de Diego e a ouviu dizer "meus pêsames" e "poxa vida!". Quando finalmente chegou na parte pela qual havia ligado, ouviu Joana espirrar e então o som de tecido farfalhando.
– May, o Marcelo quer falar com você, filha. – ouviu o som do aparelho trocando de mãos e então a voz jovem e alegre da moça o saudou com um "Oi Marcelo, bom dia!".
Respondeu a saudação e então repetiu novamente a história, recebendo da filha expressões parecidas com as da mãe e por fim, quando falou se ela teria interesse de ficar como cuidadora do garoto durante o tempo em que eles estão fora, ela respondeu de imediato.
– Adoraria! – informou que por ser começo de ano, inicialmente ela ficaria com Paulo durante todo o dia, mas que após as aulas retornarem e ele ser matriculado numa nova escola, seria meio-período.
– Tudo bem. Quando ele chega? – ela nem perguntou sobre salário, mas Marcelo fez questão de falar, após informar que o menino chegaria ainda aquela semana, que eles faziam questão de pagar um valor à moça e apesar de ela dizer que "para vocês eu cuido dele de graça", Marcelo sabia que as coisas estavam difíceis na casa de Joana e Lola, que tinham uma pequena loja de sabonetes artesanais, os quais não vinham vendendo muito.
– May, nós fazemos questão de te dar uma... Ajuda de custo, podemos chamar assim. Eu sei que você gosta da gente e nós também gostamos muito de você e das suas mães, mas, o justo é justo. – no fim a garota acabou aceitando e ficou combinado que, assim que Paulo viesse para casa, ela iria lá para ficar com ele.
– E Marcelo, eu achei legal você chamar de cuidadora e não de babá, afinal, ele não é um bebê e sabe como são as crianças, elas detestam ser tratadas como... Crianças. – ela riu do outro lado da linha e ele retribuiu com um risinho divertido.
– Então ficou combinado, May. Obrigado de verdade por aceitar, a gente se vê essa semana, diz pra Joana que eu desejo melhoras e pra Lola que eu mandei um abraço. Vamos almoçar todos juntos um dia desses, beijo May, tchau. – desligou e ficou encarando o aparelho por alguns segundos. O relógio digital na tela marcava 8h10.
Resolveu adiantar mais algumas coisas e após arrumar a cama do quarto deles, trocou os lençóis do quarto de hospedes (futuramente quarto do Paulo) e abriu as janelas para arejar. Quando olhou no relógio outra vez, se surpreendeu, pois já era quase nove horas.
Saiu para a clínica de acupuntura da qual era um dos donos, pensando em como seria agora que a família deles ia aumentar.
***
Diego acordou meio em cima da hora no dia seguinte.
Ficou feliz de no dia anterior chegar a casa e descobrir que Marcelo já tinha adiantado a arrumação do quarto em que o menino ia ficar.
Ao olhar pro lado, encontrou o marido ainda dormindo. O rosto bonito e cheiinho estava sereno. Ele dormia com a boca aberta por causa de um problema de respiração e a barba estava começando a crescer.
Pensar que se conheceram durante uma sessão de acupuntura. Na época ele era um dos pacientes de Marcelo e por isso o outro não fez qualquer avanço. Mas então, alguns meses depois da ultima sessão, Diego o viu junto de Joana e Lola, eles estavam num barzinho e ele se aproximou, puxando conversa. Até o fim da noite eles já tinham se beijado e a coisa esquentou um bocado.
Eles se viram mais vezes no futuro até que finalmente um mês depois, oficializaram o namoro. E agora, quase três anos depois de se conhecerem, estavam casados! Olhou pra aliança no seu dedo anelar esquerdo e sorriu. Nunca teve muita sorte pra escolher caras, sempre acabava se envolvendo com tipos ruins, mas pela primeira vez tinha acertado.
Mexeu no cabelo do marido, enrolando os dedos nos fios macios, o que acabou acordando Marcelo, que ao vê-lo sorriu.
– Bom dia. – sentou-se na cama e beijou Diego sem pressa, apenas apreciando a maciez morna dos lábios dele e a massagem delicada que os dedos faziam em seus cabelos. Acariciou então os ombros nu do marido, que soltou um pequeno gemido abafado em resposta e então, o empurrou com delicadeza.
– Queria muito, mas não vai dar. Eu tenho de ir até a vara de família assinar a papelada de tutor, mas prometo que depois te recompenso. – observou Marcelo fazer bico, que nem criança emburrada e riu. Levantou da cama e abriu o guarda-roupa, escolhendo uma camisa e uma calça sociais.
– Tá bom, eu espero. – ouviu Marcelo dizer paciente. Ele ficava fofo quando fazia aquilo, pelo menos era o que Diego achava. Pescou todos os documentos que poderia precisar, colocou tudo numa pasta, tomou café, deu mais um beijo no marido e saiu rumo à vara de família.
Lá, perante o juiz, Diego foi apresentado aos documentos de tutela e Rosária relatou o que sabia sobre o ambiente em que o menino seria colocado e também que durante um ano ela faria visitas mensais regulares ao lugar, para confirmar se estava tudo dentro do previsto na lei e se Paulo estava sendo bem cuidado.
Diego assinou os documentos e foi informado por Rosária de que ela levaria o garoto até a casa dele e de Marcelo no dia seguinte, por volta das 14h00.
Ele saiu da vara de família sentindo um misto de ansiedade e alegria, apesar de não saber explicar bem o motivo, sentia que devia a Paulo um lar onde ele seria bem cuidado.
Continua... 

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