sábado, 13 de março de 2021

Lar é onde o coração está - capítulo 24

 No fim acabaram ficando em casa no feriado de carnaval e então, num piscar de olhos chegou Março. Era Domingo e naquele momento Diego estava fazendo as compras do mês no supermercado, com Paulo andando ao seu lado. O menino disse que estava "grande demais" para andar dentro do carrinho de compras, o que fez Diego rir por dentro, admirado com a maturidade do garoto, apesar de lá no fundo sentir uma pontada de preocupação.

Passavam por sob aquelas estruturas de metal que os supermercados fazem para expor os ovos de páscoa e não pode deixar de notar o assombro no rosto do menino conforme eles andavam pelo longo corredor formado pelos ovos de chocolate.

As coisas vinham indo bem, Paulo não estava tendo problemas com as lições da escola e falava sempre dos amigos, Agatha e Luís, os quais Diego esperava conhecer no futuro. Ele e Marcelo tinham um bom retorno nos trabalhos e o relacionamento dos dois estava saudável. Às vezes saiam com Francisco e Joaquim ou com Mayara e Letícia. Tudo parecia estar indo muito bem.

Foi quando ao virar com o carrinho em um corredor, deu por falta do menino e ao voltar alguns passos, o viu parado sob uma grande quantidade de ovos, encarando-os de forma hipnótica.

– Paulo, vamos? – instigou enquanto afagava a cabeça do menino que permanecia estático olhando as embalagens multicoloridas acima. Diego ia comprar um ovo de páscoa para ele, mas não hoje, pois queria que fosse surpresa.

– Tá bom... – o menino murmurou chateado enquanto começava a andar, lançando olhares por sobre o ombro de tempo em tempo até o corredor sumir do seu campo de visão. Para animá-lo, Diego comprou um coelhinho de chocolate e disse para ser paciente e esperar que logo ele teria uma grande surpresa.

Ao chegarem em casa, Marcelo ajudou a descarregar as compras do carro e guardá-las nos armários, sob o olhar atento e curioso do menino que falou o tempo todo sobre o enorme corredor de ovos de páscoa, deixando claro que até aquele dia ele nunca havia visto algo parecido.

Quando Paulo foi tomar banho, Diego contou ao marido sobre o que o menino tinha feito no supermercado.

– Às vezes eu me pergunto quantas privações aquele escroto fazia o Paulo e a minha mãe passarem. – tomou um gole de água e então se sentou numa das banquetas ao redor do balcão, encarando Marcelo com um olhar frustrado.

– E eu não estou isentando ela não, a Beatriz teve culpa nisso tudo. – disse enquanto lançava um olhar para o corredor que ligava os cômodos. Jamais perdoaria a mãe pelo comportamento omisso com ele, mas não queria que o menino o ouvisse falando mal dela.

– É como se existissem duas dela, sabe? A que fingiu não ver que o marido me surrava todos os dias e não se importou quando eu fui embora e a do Paulo, que tentou protegê-los das agressões. Às vezes eu sinto um pouco de inveja das memórias que ele tem dela. Você acha que eu sou mesquinho por falar isso? – perguntou enquanto balançava as pernas, batendo com os calcanhares descalços na estrutura metálica da banqueta.

– Não, eu não acho que você seja mesquinho. É compreensível você se sentir traído por ela, afinal você estava desamparado e precisando de apoio e ela deu as costas, mas acho bonito o jeito que você sempre confere se o Paulo não está ouvindo. – viu Diego descer da banqueta e sentar-se em uma cadeira a sua frente na mesa.

– Eu não quero estragar a memória que ele tem dela, sabe? A Beatriz foi uma péssima mãe pra mim, muito ruim mesmo, relapsa, omissa e todos os outros adjetivos negativos que puder existir, mas ela parece ter sido um pouco melhor pra ele e eu acho que o Paulo tem o direito de manter essa memória, de que ela foi uma boa mãe. – observou Diego morder o lábio inferior com força e quase o repreendeu de forma gentil, como sempre fazia, mas achou melhor deixar passar daquela vez.

– E sabe o que é mais engraçado? Ela foi uma mãe horrível, mas esses dias eu me peguei chorando pela morte dela. O que tem de errado comigo? – Diego não conseguia aceitar que sentia luto por uma pessoa que não fez nada de bom por ele em vida.

– Ela pode ter sido uma mãe ruim, mas ainda era sua mãe e alguma coisa na sua mente diz que você tem direito de se sentir triste pela morte dela. Não tem nada de errado, na verdade é um comportamento bem natural. – ouviram o trinco da porta ranger e Paulo saiu carregando as roupas sujas, as quais colocou no cesto ao lado da maquina de lavar. Diego lançou um olhar para o marido que parecia dizer "esse assunto acaba aqui".

Durante o resto daquele dia eles assistiram filmes na tevê com um grande balde de pipoca e Paulo sentado entre os dois. Mas lá no fundo da sua mente, Diego sentia-se incomodado com o jeito que estava lidando com as situações a sua volta.

***

Marcelo tinha acabado de deixar Paulo na escola e viu o garoto correr na direção de uma menininha negra e um garoto asiático e logo deduziu que deviam ser os amigos do menino.

– Oi Agatha, tudo bem? – Paulo notou que a menina estava com os olhos cheios de lágrimas enquanto Luís tentava acalmá-la abraçando-a pelos ombros.

– Os pais dela vão se "divorsa-sse", ela ouviu eles brigando e gritando isso noite passada. – informou o menino enquanto os três entravam pelo portão da escola. A frase soou estranha para Paulo que jamais havia ouvido aquilo na vida. E assim que Luís proferiu a palavra, Agatha desmanchou em uma nova crise de choro.

– O que quer dizer isso? – Paulo perguntou assustado enquanto entravam na sala e eram saudados pela fora da sala, para conversarem.

– É quando o pai e a mãe não moram mais na mesma casa, um deles muda de lugar e daí só vem visitar de vez em quando. Os pais do meu primo são assim, ele ficou com a mãe, mas o pai só vem ver ele uma vez por mês. – Paulo ouvia a explicação do amiguinho com olhos arregalados de pavor.

– E por que isso acontece? Por que eles não podem mais morar na mesma casa? – indagou com receio de saber a resposta. Via a professora agradar Agatha do lado de fora da sala.

– Meu primo disse que os pais dele brigavam muito e ai um dia a mãe dele disse que queria "divorsa-sse". Ele achou que era culpa dele, mesmo a mãe dele falando que não, ele achava que tinha feito algo ruim. – Paulo encarava o amigo com uma expressão de puro pavor e quando viu a professora retornar e buscar a mochila de Agatha, ele correu até a menina e deu um abraço apertado nela.

– A Agatha não está se sentindo muito bem, então eu chamei a avó dela para vir buscá-la. – informou Marta para a classe enquanto fazia um agrado gentil nas costas da menina que chorava de soluçar. Dona Neusa veio buscar a garotinha e ia ficar com ela até a avó chegar. Paulo viu a amiga sair da sala, lançando um último olhar chateado por sobre o ombro.

As horas pareciam não passar dentro da escola. Paulo só queria correr para casa e se certificar de que Diego e Marcelo nunca iriam brigar, pois não queria que eles se "divorsa-ssem".

***

Avistou Mayara de longe e tentou sair correndo para encontrá-la, mas foi impedido por Dona Neusa a qual o informou que só o deixaria ir quando a moça estivesse na frente do portão da escola. Ele estava sentindo uma dor estranha na barriga e vontade de chorar, depois de tudo que Luís contou sobre aquele negócio de "divorsar", queria ter certeza de que isso nunca aconteceria com ele.

Apertava a mão de May com força o suficiente para a moça perceber que algo estava errado e assim que eles entraram em casa, ela perguntou o que tinha acontecido na escola aquele dia.

– Aquele menino implicou com você? – foi a primeira coisa que ela pensou, o tal do valentão que vinha perseguindo Paulo desde o começo do ano letivo, mas ao ver o garoto negar com um gesto de cabeça, se preocupou.

– Conta pra mim o que aconteceu, quem sabe eu posso te ajudar. – eles estavam sentados a mesa, almoçando. Paulo tinha tomado banho e vestido um conjunto de shorts e camiseta do Homem-Aranha.

– Sabe a Agatha, minha amiga? – Mayara disse que sim, enquanto se lembrava do pai inconveniente da menina, que agora vinha buscá-la todos os dias como desculpa para tentar dar em cima dela.

– Os pais dela vão se "divorsa-sse" e ela tá muito triste e daí eu fiquei pensando se o Diego e o Marcelo também se "divorsa-sse", o que vai acontecer comigo? – Mayara teve de segurar um risinho ao ouvir a forma como o menino pronunciou a palavra, pois sabia que rir naquele momento poderia magoá-lo.

– Você quis dizer que eles vão se divorciar. Eu sinto muito em ouvir isso, querido, deve estar sendo muito difícil pra ela. – lembrou do rostinho sorridente da menina e sentiu pena por ela, mas tinha certeza de que o pai tinha aprontado alguma.

– E o Diego e o Marcelo, se eles se divorciar, o que vai acontecer comigo? – o menino estava ficando com lágrimas nos olhos e tinha largado o garfo no prato cheio de macarrão com um gesto brusco.

Mayara se levantou e foi até o outro lado da mesa onde Paulo estava e o abraçou. Não sabia bem o que dizer, pois todo casal corria o risco de se separar em algum momento e seus amigos faziam parte desse grupo, mas ao mesmo tempo ela não queria deixar o menino assustado.

– Não vai acontecer nada. Eles vão continuar te amando e cuidando de você, como tem feito até agora. – era só o que ela podia dizer, pois tinha receio de fazer promessas que não poderia cumprir depois.

– A Agatha tava tão triste hoje, que a Profê Marta chamou a avó dela pra vir buscar ela. Eu não quero que o Diego e o Marcelo não fiquem mais juntos! – Paulo chorou contra o ombro de Mayara por um longo tempo e quando enfim se acalmou, a comida já tinha ficado fria e ele, perdido o apetite.

– Que tal você ir deitar um pouquinho? Eu posso ler uma historinha pra você enquanto isso. – o menino acabou aceitando a sugestão e adormeceu com os olhos inchados de tanto chorar.

Mayara compreendia o receio do garoto. Primeiro o pai morreu, depois a mãe e agora, os pais da amiguinha estavam se separando, o que trouxe uma nova ameaça de abandono para ele, que tinha medo de que o mesmo acontecesse na própria casa.

Ela afagou os cachos macios do menino e então o cobriu com um lençol, saindo do quarto e deixando uma fresta de porta aberta. Ao retornar para a sala, pegou um livro na mochila e começou a ler, pensando em como contaria aquilo que estava preocupando Paulo, sem alarmar Diego.

***

Diego chegou em casa muito irritado, pois a venda de um imóvel que estava tentando fazer há meses havia ido por água abaixo por conta dos herdeiros que não entravam num acordo de preço do prédio. Seria um ótimo negócio, se tivesse conseguido vender aquele abacaxi que era a tal casa.

Ao abrir a porta, estranhou não ser recepcionado pelo irmãozinho, mas ao ver Mayara sentada no sofá e fazendo um gesto de silencio com o dedo indicador, suspeitou que algo estava errado ali. Ela então lhe contou sobre o que havia acontecido na escola e como Paulo estava impressionado e receoso de que o mesmo acontecesse com ele.

– Eu achei que devia te alertar, porque ele ficou bem abalado com a notícia. – agradeceu a amiga por informá-lo e então disse que assim que Marcelo chegasse, pediria para ele dar uma carona a ela.

Infelizmente as horas se arrastaram e Marcelo não chegou. Eram mais de 21h00 quando o carro entrou na garagem, fazendo Diego que já vinha trazendo problemas da imobiliária, espumar de raiva.

Mal Marcelo entrou em casa, já foi atacado pelo outro que gritava perguntando onde ele estava e que precisava levar Mayara embora, mas alguém tinha de ficar em casa com Paulo.

– Calma ai! O pneu do carro furou e eu tava sem estepe, tive de chamar um guincho pra ir até o borracheiro e pra completar, a bateria do meu celular acabou. Mas droga, Diego, que bicho que te mordeu? – Marcelo tentava manter o tom de voz normal, mas foi perdendo o controle e em poucos minutos ambos estavam gritando agressivos.

– Eu não quero ficar sozinho de novo! – o grito irrompeu na sala obrigando os dois a se calarem e olhar para o garoto usando um pijama curto e esfregando o olho direito, enquanto o esquerdo vertia lágrimas grossas.

– O que ele quer dizer com isso? – questionou Marcelo enquanto olhava do rosto estático de Diego, que agora havia perdido toda a adrenalina da discussão, para o choroso de Paulo e por fim, a expressão preocupada de Mayara.

Diego foi até o menino e o pegou no colo, rumando para o sofá, onde se sentaram lado a lado e ele afagou o cabelo do irmão com carinho enquanto murmurava "você não vai ficar sozinho".

– Marcelo, você poderia levar a Mayara pra casa? Por favor. – o acupunturista concordou com um gesto de cabeça e pescou as chaves na mesinha perto da porta, convidando a moça a acompanhá-lo.

***

Durante o trajeto de volta para casa, Mayara atualizou o rapaz sobre a situação e ele suspirou cansado, pensando que aquela foi a primeira discussão entre eles que Paulo viu, o que fazia aquele grito desesperado do menino fazer todo o sentido.

– Quando voltar, eu vou conversar com o Diego. Até porque ele não costuma ser tão agressivo, deve ter acontecido alguma coisa na imobiliária e também, justo hoje o pneu tinha de furar e eu me esquecer de carregar o celular. – pediu desculpas a moça pela demora, ao que Mayara respondeu que não havia do que se desculpar. Estava tudo bem.

– Mas é bom vocês conversarem com ele, o Paulo tenta se comportar como um pequeno adulto para parecer forte, mas ele só tem seis anos e precisa de reafirmação de segurança, como qualquer criança. – Marcelo concordou enquanto fazia uma curva para a esquerda.

Após deixar Mayara em casa em segurança, ele voltou para casa e ao entrar, encontrou Diego com Paulo deitado no colo, assistindo desenhos. Era tarde e no dia seguinte o menino tinha escola, mas, achou que deviam conversar sobre aquela situação agora.

– Oi, voltei. – viu o menino sentar num pulo e encará-lo com grandes olhos estáticos.

Pegou Paulo no colo enquanto fazia um gesto de cabeça para que Diego o acompanhasse. Se sentaram os três a mesa.

– Bom, a Mayara me contou o que aconteceu na escola hoje, Paulo. E eu entendo você ter ficado assustado, mas eu e o Diego não vamos nos separar. A gente só teve uma discussão, pessoas que se amam às vezes também brigam. – segurou a mão do marido por sobre a mesa, esboçando um pequeno sorriso, ao qual Diego correspondeu sem jeito, afinal, a culpa era sua.

– Vocês prometem? – o menino perguntou num tom inquisitivo enquanto algumas lágrimas ainda pareciam querer surgir. Marcelo fez um agrado gentil nos cabelos cacheados do garoto.

– A gente promete, né Diego? – ouviu o outro responder que sim, prometia.

– Eu vou acreditar em vocês, hein? – disse Paulo por fim antes de levantar e rumar para o quarto, murmurando que estava com sono e deixando os dois sozinhos na cozinha.

Quando viu a luz do corredor apagar, encarou Marcelo por alguns segundos enquanto remoia um pedido de desculpas o qual não queria dizer, pois seu orgulho o impedia, mas que sentia que precisava ser dito. Respirando fundo, Diego enfim disse.

– Desculpa ter te recebido com quatro pedras na mão hoje, sei que não é uma justificativa, mas, o meu dia foi péssimo e daí você atrasou e... Eu sei, não foi culpa sua, eu tava irritado e acabei descontando em você, desculpa. – em resposta sentiu um beijo ser depositado na sua têmpora direita e esboçou um sorriso.

– Obrigado por ser tão compreensivo comigo. – levantou-se e beijou o marido na boca com carinho, sentindo as mãos dele deslizando com suavidade por suas costas.

– É porque eu te amo muito. – ouviu o outro responder enquanto o abraçava. Acabou apagando assim que deitou na cama, ao contrário de Marcelo, que ficou mais de uma hora pensando na forma desesperada com que Paulo gritou "Eu não quero ficar sozinho de novo!". Aquilo foi de cortar o coração. Mas aos poucos o sono enfim chegou e ele também adormeceu, ouvindo a respiração constante de Diego ao seu lado.

Continua...


Nota da autora:

E finalmente saiu um capítulo!

Não gente, sério, eu nem conto pra vocês o desespero que eu estava aqui por não conseguir escrever. Em fevereiro meu pai sofreu um AVC e foi internado (ele está bem melhor agora, foi segundo a médica um "leve"), mas durante aquele mês eu não consegui produzir mais nada, com exceção de dois capítulos que já estavam prontos.

E daí depois veio o desanimo e o cansaço e claro, as auto cobranças de "por que você não está escrevendo?". Eu estava me sentindo muito mal por não atualizar essa história e com medo de que ela entrasse pra lista das que estão em hiato indeterminado (e a lista é grande).

Mas, eu consegui escrever, está aqui e se você estiver lendo isto, por favor, deixe um comentário, outro dos motivos de eu estar desanimada de continuar escrevendo é a falta de feedback.

A história avançou mais um pouco, o Paulo teve o primeiro contato com o que é divórcio, e se você percebeu, eu usei uma linguagem bem simples, como uma criança usaria para explicar o que aconteceu com os pais da Agatha.

No próximo capítulo vou trazer um pouco de Francisco e Joaquim.

Bom, é isso. Eu não sei se está bom, se está chato, se o pessoal abandonou a leitura, eu não sei de nada, então, por favor, manifeste-se!

Perséfone Tenou


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