sábado, 27 de março de 2021

Lar é onde o coração está - capítulo 26

 E chegou a Páscoa.

Diego e Marcelo não eram religiosos, não seguiam nenhuma crença ou coisa parecida, mas acreditavam que celebrar algumas datas do calendário valia a pena para reunir a família e os amigos.

Alguns dias antes a professora de Paulo, Marta, tinha levado uma caixa com pequenos ovos de chocolate para as crianças e o menino contou que Emmanuel, o garoto que sempre implicava com ele (e agora com Agatha e Luís também), devolveu o que ganhou dizendo que sua mãe não ia gostar que levasse para casa. Ao ouvir a história, Diego que já tinha pegado ranço de Olinda, revirou os olhos enquanto Marcelo apenas ouviu a narrativa do garoto em silêncio, mas percebeu a reação do marido a menção ao outro garoto.

E naquele final de semana a mãe de Marcelo, Rita, veio visitar.

Ela se hospedou em uma pousada no centro e se ofereceu para fazer o almoço de Domingo. Marcelo havia contado para a mãe sobre Paulo e a mulher estava ansiosa para conhecer o menino e disse pelo telefone “de certa forma é quase como se você tivesse me dado um neto!”.

Ela não tinha aceitado a sexualidade do filho logo que ele se assumiu, levou alguns bons anos fingindo que Marcelo ainda era hétero e tentando juntá-lo com garotas da cidade, até que, quando ele anunciou o casamento com Diego, Rita viu que ele estava falando sério e que se não começasse a aceitar o filho como ele era, ia perdê-lo para sempre.

Quando Rita chegou Domingo de manhã, Paulo estava ajudando Marcelo a lavar os dois carros na área da frente e ao ver a mulher alta e robusta com pele bronzeada, cabelos cheios negros e cacheados e um sorriso largo, o menino se escondeu atrás do rapaz.

– Paulo, essa aqui é a minha mãe, Rita. Mãe, esse é o Paulo. – a timidez não durou muito, já que Rita o conquistou oferecendo um ovo de chocolate que tirou da grande sacola de palha que carregava. Dentro de casa, Diego tinha escondido outro ovo no armário, deixado por Mayara na quinta-feira. Eles tinham entregado o que compraram logo de manhã para o menino que pareceu maravilhado com o presente.

– Como se diz? – Marcelo inquiriu quando viu que o garoto ia correr para dentro abrir a embalagem. Paulo parou no meio do caminho e virou-se para olhar a mulher e responder esboçando um pequeno sorriso tímido.

– Obrigado, Dona Rita. – viu a mulher sorrir e sentiu a mão rechonchuda dela acariciar seus cabelos e dizer como ele era um rapazinho bem educado. Sentiu o rosto esquentar em resposta.

Aquele era o segundo ovo de chocolate que ganhou na vida, já que seu pai não aprovava aquele tipo de coisa em casa. No que ganhou de Diego e Marcelo, veio uma miniatura do homem-aranha de brinde e naquele, dado por Rita, havia vários bombons deliciosos.

– Muito bem mocinho; vamos guardar isso pra depois ou então você não vai almoçar hoje. – ouviu o irmão declarar enquanto retirava os pedaços de ovo das suas mãos. Paulo ficou meio chateado e até quis reclamar, afinal, o chocolate era seu, mas sabia que era verdade, se comesse o doce, não iria querer almoçar depois.

– Agora vai lá no banheiro e lava as mãos, que a Dona Rita vai me ajudar com o almoço... Dona Rita, como a senhora está? Fez boa viagem? – viu a mulher entrar pela porta, depositando a grande sacola de palha no chão e abraçando Diego forte o bastante para deixá-lo sem ar. Ela falava engraçado, meio como se estivesse cantando. *

Iam comer macarronada e frango assado, preparados pela mãe de Marcelo com a ajuda dos dois. Paulo ficou observando todo o processo na cozinha com atenção enquanto ouvia a mulher perguntar sobre o trabalho deles e há quanto tempo o menino estava morando lá.

– Desde janeiro, foi uma surpresa e tanto, um domingo eu acordei com a ligação da assistente social me dizendo que minha mãe me indicou no testamento para ser tutor dele, caso algo acontecesse com ela. Mas até que nós estamos nos virando bem aqui, né Ma? – Diego olhou para o marido por sobre a cabeça da sogra e viu ele concordar com um gesto de cabeça enquanto colocava o frango no forno.

– Crianças sempre trazem alegria pra uma casa, é o que eu sempre digo. E eu sei o que estou falando, tive cinco! – declarou Rita ao mesmo tempo em que provava um pouco de molho com uma colher, que em seguida ela descartou na pia.

– Falando nisso mãe, como está o pessoal? – Paulo ouviu a mulher falar dos irmãos de Marcelo, espalhados pelo país. Alguns casados, outros solteiros, todos empregados e nenhum com problemas, como disse a mulher aliviada.

– E agora, vamos comer! – declarou Rita, uma hora depois de terem começado a preparar o almoço, enquanto depositava as travessas sobre a pequena mesa e servia os pratos, dando um sorriso simpático para Paulo que retribuiu agora que se sentia mais confortável com a presença da mulher.

– Vamos bambino, mangia che te fa bene* – Piscou algumas vezes sem entender a frase, lançando um olhar repleto de dúvida para Marcelo que respondeu.

– Ela quis dizer, “come que faz bem”, é italiano. – Marcelo piscou com o olho direito para ele, o que fez Paulo sorrir e colocar uma enorme garfada de macarrão na boca.

Após comerem, Diego entregou o ovo deixado por Mayara, dizendo que ele podia abrir para pegar o brinde, (era um ovo de dinossauros), mas que precisava comer um de cada vez e aos poucos.

– Não quero que você tenha uma dor de barriga comendo tanto chocolate de uma só vez. – Rita observava a forma como Diego falava com o menino e pensou que ser pai é algo que se aprende na prática e sorriu. Ela então entregou uma colomba que havia trazido para os dois, mas pela qual Paulo não se interessou (tinha frutas e passas, “eca” ele pensou).

O resto do dia correu bem, os três jogaram baralho, buraco, jogo favorito da mãe de Marcelo, enquanto Paulo brincou com os brindes dos ovos ao mesmo tempo em que assistia tevê, até que em certo momento, acabou cochilando no sofá. Rita comentou que ele ficava adorável dormindo. “Mas acordado também é um amor”.

***

Do outro lado da cidade, Joaquim tinha conseguido um emprego num consultório de dentista, o salário era bem abaixo do que recebia quando trabalhava com Helen, mas, era melhor do que ficar enfiado no apartamento o dia todo olhando pras paredes e se sentindo inútil.

Estava retomando seu ritmo diário, acordando cedo para abrir o consultório do dentista, que se chamava Alberto e auxiliá-lo no tratamento dos pacientes. Era sua segunda semana de trabalho e Joaquim se sentia bem em poder voltar a contribuir financeiramente para a casa.

Naquele Domingo, quando voltou da sua caminhada ao redor do quarteirão, sentiu o aroma delicioso de tempero e encontrou o namorado perto do fogão, preparando o almoço.

– Oi bonitão, o que tá fazendo ai? – perguntou enquanto abraçava Francisco pela cintura e espiava nas panelas.

– Almoço pra gente. – respondeu ao mesmo tempo em que se virava para beijar o namorado, que se desvencilhou sob a desculpa de estar “todo suado e fedido”.

– Mas eu gosto de você suado e fedido. – Francisco respondeu rindo, ao que Joaquim rebateu com “mas vai gostar muito mais depois de eu tomar um banho”, para em seguida sumir pelo corredor que levava ao banheiro.

Enquanto estava debaixo do chuveiro, sentia-se revigorado. Ter um emprego acendeu nele o animo de se sentir útil e uma parte produtiva daquele relacionamento.

Quando voltou a sala principal do apartamento, a mesa já estava posta e Francisco esperando por ele com uma garrafa de vinho. Perguntou qual era a ocasião especial, ao que ouviu o outro responder.

– E preciso de uma ocasião especial pra te tratar bem? – almoçaram enquanto conversavam sobre os acontecimentos da semana, ouviu Francisco falar sobre o novo livro didático que sua editoria ficou responsável por produzir e o quão indignado ele estava pela quantidade de erros que o revisor deixou passar.

– Imagina dar aqueles livros pras crianças? Eu entrei em contato e pedi pra revisarem tudo de novo antes de me mandarem o novo boneco*, porque é inaceitável que um livro tenha tantos erros... Era um livro de português e tinha um monte de erros de grafia, acredita? – tomou um gole do vinho e concordou com um gesto de cabeça. O namorado levava o trabalho muito a sério e ele achava isso incrível.

***

Ao mesmo tempo em que as duas famílias almoçavam, Letícia passava na casa de Mayara para buscá-la para comerem fora. Mas não sem antes entrar e dar um alô para as mães da moça, pois elas fizeram questão disso.

Enquanto Mayara estava se aprontando no quarto, Letícia se viu presa em um interrogatório sutil por parte das duas senhoras, que após lhe oferecerem um copo de água gelada, jogaram todo tipo de pista para tentar conseguir a confirmação de que ela era a nova namorada da filha.

Para surpresa geral, Letícia se saiu bem se esquivando das perguntas com elegância e quando viu a outra moça enfiar a cabeça na sala de estar e chamá-la, respirou com alivio. Estavam quase saindo quando Joana gritou da porta.

– Venha jantar conosco um dia desses, querida! – ao que Letícia respondeu com “Claro, pode deixar que eu venho.” ao mesmo tempo em que sentia Mayara apertar sua mão com certa força.

Quando enfim entraram no carro, respiraram aliviadas.

 – Suas mães me botaram na parede. Elas queriam que eu confirmasse com todas as letras que estamos namorando, mas como você disse que precisa de tempo pra desenvolver o relacionamento, eu tentei fugir pela tangente, acho que consegui. Mas sua mãe Lola é dura na queda. – viu a outra moça rir e ficou apaixonada pelo som delicado do riso dela. Já estava sob o feitiço da outra desde que se conheceram aquele dia na loja de roupas, mas, sabia que para Mayara as coisas tinham de ir de vagar e não pretendia apressá-la. Esperaria o quanto fosse necessário, pois nunca ficou tão interessada em uma garota na vida, como estava por Mayara.

– Ah, Dona Lola pode ser bem intimidante quando quer. Elas te ofereceram suco, água, alguma coisa? Hmm, então o plano era ganhar você pelo cansaço, caso eu não descesse logo. – confessou Mayara rindo e Letícia a observou por alguns segundos, pensando mais uma vez que a risada da outra era o som mais delicioso do mundo.

O Domingo foi bastante agradável para todos, Letícia e Mayara almoçaram num restaurantezinho simpático vegetariano no centro e depois foram ao cinema enquanto Joaquim e Francisco ficaram em casa mesmo, vendo filmes na netflix e curtindo a companhia um do outro. Antes de ir embora, Dona Rita fez questão de dizer para Paulo que ele era o neto que ela sempre quis ter, apesar de já ter oito dos outros filhos e encheu Diego e Marcelo de conselhos para criar filhos, os quais os dois ouviram sem reclamar.

***

Mas, quando chegou a segunda-feira, mais especificamente na hora da saída da aula, Paulo começou a ficar preocupado. A mãe de Agatha havia vindo buscá-la, assim como a irmã mais velha de Luís, até mesmo a mãe assustadora de Emmanuel havia chegado e ido embora com seu filho mal educado, mas nada de Mayara aparecer.

Dona Neusa, a responsável pelo portão da escola, não o deixou sair, mas disse para que não se preocupasse, pois logo a moça chegaria. Mas, passou-se mais de uma hora e nada de Mayara chegar, o que fez com que Neusa trancasse o portão e levasse Paulo até a secretaria, onde ligaram para o número registrado no cadastro do menino. Ao telefonarem para Mayara, a moça atendeu no primeiro toque e quando ouviu de onde era, pediu desculpas e informou que estava no pronto-socorro.

– A minha mãe sofreu um infarto e eu estou aqui com ela... Sinto muito de verdade, estou saindo agora mesmo daqui do hospital pra ir buscá-lo... Juro que isso nunca mais vai se repetir... Obrigada. – desligou enquanto sentia o olhar fixo da outra mãe, Joana encarando-a.

– Eu esqueci que tinha de buscar o Paulo. – Joana fez uma expressão que era um misto de surpresa e desconforto, pois se sentiu mal de ter feito a filha acompanhá-la enquanto a esposa era internada.

– Foi culpa minha... Se eu não tivesse ligado pra você... – Mayara abraçou a mãe e sentou-se ao seu lado na sala de espera, enquanto juntava as coisas na bolsa.

– Mãe, se você não tivesse me ligado, a mãe Lola podia não ter aguentado. Você estava nervosa demais pra ligar pro SAMU e com certeza não podia vir sozinha na ambulância com ela. Tá tudo bem, eu expliquei pra escola e vou lá buscar ele, mas prometa que vai me deixar atualizada sobre o estado dela, tá bom? Assim que o médico passar, liga pra mim e daí vai pra casa um pouco, você precisa dormir também. Eu volto assim que puder. – beijou a mãe com carinho no rosto e saiu correndo, chamando um uber enquanto passava pela porta do pronto-socorro.

Enquanto isso, na escola, Paulo estava com dor no estômago, que começou quando Mayara não apareceu para buscá-lo e apesar de Dona Neusa e as moças da secretaria informar que ela que logo estaria ali, sua barriga ainda doía.

Estava sentado no banco acolchoado em frente ao guichê da secretaria quando viu Mayara e levantou de um pulo, correndo para a moça. Mas, antes que pudesse sair, a responsável pela secretaria fez com que a recém-chegada assinasse um documento confirmando a retirada do garoto.

Paulo a abraçou por quase um minuto, forte o bastante para deixá-la meio sem ar, mas não reclamou, o menino tinha o direito de fazer aquilo. Enquanto voltavam para casa, ela contou de forma resumida o motivo do atraso.

– A minha mãe, Lola, passou mal, sabe? Daí eu tive de ir com a minha mãe Joana até o hospital pra eles cuidarem dela e demorou mais do que eu achei que ia demorar... Desculpa querido, prometo que não vai acontecer mais. – enquanto falava, viu um vislumbre de um brilho a distancia, algo como um flash fotográfico, mas quando olhou para trás procurando a fonte, não encontrou nada.

– E ela vai ficar bem? – Paulo não tinha boas recordações de hospitais. As únicas duas vezes em que foi num lugar desses, seu pai morreu e na outra, sua mãe já estava morta.

– Vai sim, os paramédicos chegaram a tempo e disseram que ela vai se recuperar. Mas e você, como foi seu dia hoje? – a cabeça de Mayara ainda estava girando com a ameaça de perder uma das suas mães para sempre. Lembrava-se de quando recebeu a ligação e ouviu sua mãe Joana do outro lado da linha, a voz trêmula e desesperada dizendo “Mayara, a Lola desmaiou aqui no chão e eu não sei o que fazer, me ajuda filha!”. Mas, ela decidiu que não iria transmitir nenhuma impressão que preocupasse o garoto.

Enquanto iam de volta para casa, Mayara continuava com aquela sensação desconfortável de que alguém os estava seguindo, mas sempre que olhava para trás, não via nada.

Continua...

Nota da autora:

Desculpem esse capítulo corrido e desorganizado (pelo menos é assim que eu o estou vendo, talvez você que esteja lendo o tenha visto de uma forma positiva), mas a verdade é que ele já estava parcialmente pronto há 2 semanas e eu só tive de colocar o final.

Bom, a mãe da Mayara, Lola passou mal e está internada se recuperando de um infarto, isso vai mudar de forma drástica a vida dela, da esposa Joana e da Mayara também, que terá de reorganizar seu itinerário com Paulo.

E também temos uma pessoa misteriosa se esgueirando e espionando a Mayara e o menino (e isso já faz alguns capítulos). Também conhecemos a mãe do Marcelo, Rita e tivemos um pouquinho de Francisco e Joaquim e Mayara e Letícia.

Eu sei que esse não foi o melhor capítulo até agora, mas estou me esforçando para manter a história em frente e atualizar todas as semanas e quero agradecer as pessoas que tem acompanhando, sem vocês talvez eu tivesse abandonado esse projeto há muito tempo.

Então, obrigada de coração e até o próximo capítulo.

 

Notas do capítulo:

* Ela falava engraçado, meio como se estivesse cantando: A Rita tem sotaque italiano, por isso ela falava como se estivesse cantando.

* revisarem tudo de novo antes de me mandarem o boneco: Boneco é como chamam o modelo de um livro/revista feito para se ter uma ideia de como o exemplar final vai ficar.

* mangia che te fa bene: Come que te faz bem, em italiano.

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