sábado, 30 de abril de 2022

Lar é onde o coração está - capítulo 47


Finalmente chegou o dia da quermesse na escola e Paulo estava animado, pois vinham ensaiando a quadrilha desde o começo do mês. Para sua surpresa, aquela semana havia passado bem rápido.

O menino acordou cedo, pois se sentia elétrico e naquele momento estava andando de um lado para o outro no pequeno corredor que comportava o banheiro, seu quarto e o quarto de Diego e Marcelo. Ainda trajava pijamas de super-herói e estava descalço. Também não havia lavado o rosto ou escovado os dentes, mas queria que o irmão (ou Marcelo) acordasse logo para que o ajudasse a se preparar para a apresentação na escola.

O garoto estava quase desistindo e voltando para o quarto, quando ouviu o clique da maçaneta no quarto na frente do seu e então viu Marcelo surgir por detrás da porta.

— Oi rapaz! O que você tá fazendo acordado a essa hora num sábado? — sentiu a mão firme de Marcelo fazer um agrado em seu cabelo e sorriu, para em seguida lembrar ao outro sobre a quermesse e sua apresentação de quadrilha na escola.

— Ah sim, mas não é só as 10h00? Menino, ainda são 7 da manhã! Mas você tá animado, né? Eu entendo. Vem, vamos lavar o rosto e escovar os dentes e depois eu preparo um café pra nós. — viu o menino olhar em direção a porta do quarto, que estava fechada.

— O Diego vai dormir mais um pouco, mas tá tudo bem, viu? Ele só tá meio cansado por causa do trabalho. — Marcelo fez questão de informar ao menino que Diego estava bem, pois viu a expressão apreensiva no rosto de Paulo e conhecendo o passado do menino, sabia o quanto ele tinha medo de perder as pessoas.

Enquanto o garoto lavava o rosto, Marcelo fazia a barba. Foi quando ouviu Paulo perguntar se também podia fazer a barba. O que fez Marcelo rir e pegar um aparelho de barbear velho e com o auxilio de um alicate que pegou na caixa de ferramentas no quintal, removeu as laminas do aparelho e então o entregou ao menino, ao mesmo tempo em que depositava uma pequena quantia de espuma para barbear naquela mãozinha ansiosa. E dali até irem para a cozinha, Paulo o imitou em cada gesto, empoleirado no seu banquinho d e plástico.

E mais uma vez naquele ano, Marcelo pensou que ser pai era algo que se aprendia todos os dias, a cada novo gesto ou decisão em favor da criança e que não, não era algo que apenas pais biológicos podiam ser.

Já estavam tomando café quando Diego apareceu na pequena cozinha, e apesar de ter feito a higiene matinal, continuava bocejando com vigor. Ele fez um agrado no cabelo de Paulo e deu um selinho nos lábios do marido, para em seguida, encher a caneca com café puro.

— Diego! Diego! O Marcelo me ensinou como fazer a barba! —ao ouvir a frase, o rapaz parou com a caneca alguns centímetros de distancia da boca e lançou um olhar questionador para o marido, que sorrindo, o tranquilizou.

— Não se preocupe, eu tirei as lâminas de um barbeador antigo. — Diego sorriu aliviado e por fim tomou o primeiro gole daquele líquido revigorante que era o café.

— Que legal, rapaz. — respondeu enquanto se sentava numa das cadeiras entre o irmão e o marido.

Estavam rindo e comendo, Diego falando que faria um bigode e um cavanhaque pintados em Paulo para a quadrilha, quando a campainha soou estridente quebrando o clima ameno.

Diego trocou um olhar aflito com Marcelo, pois pelo horário, suspeitava que fosse Zulmira. Em seguida, lançou um olhar preocupado na direção de Paulo, ao que o menino percebeu de imediato que havia algo errado.

— O que aconteceu? Vocês não vão me ver dançar quadrilha? — os dois adultos se apressaram em dizer eu não era isso, e que eles iriam sim. Ao mesmo tempo, a campainha soou com mais insistência e de forma repetitiva.

— Sabe o que é, Paulo. É que... Lembra da sua avó, mãe do seu pai? — só pela simples menção à mulher, Diego viu o menino se enrijecer na cadeira pensou o quão difícil seria continuar aquela conversa.

— O que é que tem ela? — o menino perguntou com um timbre amuado de voz.

— Ela veio aqui semana passada, querendo te ver. Mas eu disse que isso era uma decisão sua. Então, ela falou que se durante a semana eu não telefonasse informando sua decisão, ela viria aqui de novo e bom... — a campainha tocou mais uma vez, seguida da voz seca de Zulmira “Sei que vocês estão ai! Os dois carros estão na garagem!

— Eu não quero falar com ela! — Paulo gritou enquanto corria em direção ao quarto. A quadrilha e a quermesse tinham sido esquecidas por completo.

Diego foi atrás do irmãozinho, mas antes de sair do cômodo principal, virou-se para o marido e pediu com amargor na voz, para que Marcelo tentasse fazer Zulmira parar de gritar.

— Por favor, vai lá fora e fala pra aquela escandalosa parar de gritar antes que o bairro inteiro apareça pra fazer platéia. — a rua em que moravam era composta por vizinhos fofoqueiros que não serviam para ajudar caso algo ruim acontecesse, mas estavam sempre aptos se houvesse um escândalo acontecendo.

E enquanto Diego sumia no pequeno corredor, Marcelo pode ouvi-lo dizer com nitidez: “Como eu detesto essa jararaca”. O que fez com que esboçasse um pequeno sorriso em resposta.

Ouviu ao longe a porta da casa abrir e fechar e sabia que Marcelo daria conta da tarefa. Com isso em mente, Diego entrou no quarto de Paulo, que estava estirado de bruços na cama, o rosto enfiado no travesseiro e ao que parecia, chorando em silencio. Diego se sentou ao lado do irmãozinho e fez um afago no cabelo do menino, sentindo o recorte do super-herói aracnídeo destacado no couro cabeludo.

— Ninguém vai te obrigar a ir com ela. Você não precisa ficar com medo disso. Eu vou te proteger até onde eu puder, mas você precisa dizer a ela se não quer mais vê-la. Sua avó só vai acreditar se... — Paulo ergueu o rosto do travesseiro, exibindo uma vermelhidão úmida das lágrimas e entre fungadas com o nariz, disse “Ela não é minha vó”.

— Infelizmente ela é, Paulo. Mas, aqui vai uma lição que eu aprendi muito jovem e que ficou comigo para sempre. “Não é porque eles são sua família que você tem obrigação de aceitá-los na sua vida”. — viu o menino inspirar fundo e sentiu pena por um garoto tão pequeno estar tendo de lidar com algo tão incomodo.

— Você não precisa ir a lugar nenhum com essa mulher, mas a menos que vá lá fora e diga a ela pessoalmente, ela vai continuar achando que sou eu e o Marcelo que não estamos te deixando vê-la. Entendeu? — viu o menino erguer a cabeça e então se sentar na cama, fungando baixinho e com o rosto inocente molhado pelas lágrimas.

— Se eu disser, ela vai embora para sempre e nunca mais vai voltar? — Diego sorriu de forma paternal, mas falou a verdade, que achava que Zulmira não iria desistir de uma aproximação tão cedo, mas que se Paulo dissesse a ela como realmente se sentia, talvez a mulher tentasse ser diferente com ele no futuro.

— Promete que não vai deixar ela me levar de novo? — o trauma que ficou no garoto foi profundo e em resposta, Diego o abraçou com carinho e respondeu num murmúrio.

— Sim. Essa é uma promessa que eu posso cumprir. Ninguém nunca mais vai tirar você daqui de casa a força. — ao olhar para o irmãozinho, viu que os olhos do menino brilhavam com confiança e que com essa confirmação, Paulo se sentia forte o bastante para enfrentar a avó.

— Finalmente menino! Achei que esse ai ia me enrolar como aquele outro fez no outro dia. Vem cá pra eu te ver melhor! — Marcelo olhou para trás e encontrou Paulo em pé na soleira da porta, ainda de pijama e descalço. Pensou em sugerir que o menino entrasse e calcasse os sapatos, mas ao er a expressão concentrada do garoto, achou melhor ficar quieto.

— Não! Eu não vou! Eu não gosto de você! Você me dá medo! E não parece em nada com uma vó! — o garoto gritou a plenos pulmões. Se mantinha firme e mantinha as pequenas mãos fechadas em punhos e o olhar fixo em Zulmira.

— Foram vocês, não é? Você e aquele outro... Invertido, que enfiaram isso na cabeça do meu neto! Vocês...! — Zulmira começou a gritar enquanto apontava o dedo em riste na direção de Marcelo.

— Não! O Diego e o Marcelo não me falaram nada. É tudo da minha cabeça! Você é malvada, me dá medo e me machucou! Eu não quero ficar perto de você! Nunca mais! — a mulher cambaleou alguns passos para trás, como se tivesse sido atingida por uma flechada invisível.

— Mas, mas, eu sou sua avó paterna, a única pessoa da sua família de verdade que sobrou. — do outro lado da rua, os vizinhos continuavam se aglomerando e começavam a cochichar. Isso fez o sangue de Marcelo ferver, porque aqueles abutres só apareciam para “Observar o show”, mas nunca quando precisavam de ajuda.

— Não é porque você é da minha família, que eu tenho de te querer! — Marcelo reconheceu a frase original por baixo da dita por Paulo e um pequeno sorriso de satisfação surgiu no seu rosto.

— Paulo, você é tudo o que restou do meu filho, por favor... — Mas o menino já tinha entrado na casa e batido a porá as suas costas.

Marcelo continuava do lado de fora, observando a mulher que parecia prestes a ter um ataque cardíaco, pela forma como a mão esquelética apertava o peito. Mas para seu alivio, do outro lado da rua, os vizinhos começavam a se dissipar, agora que o show havia acabado.

— Ele me odeia tanto assim? — Zulmira murmurou sem esperar uma resposta e se assustou quando ouviu Marcelo falar, próximo a ela, do outro lado do portão.

— A senhora o traumatizou, por isso vai levar um tempo para talvez conseguir reconquistar a confiança dele. Mas se quiser vê-lo de longe, hoje vamos a uma quermesse na escola do Paulo. Ele vai participar da quadrilha. — ouviu a mulher resmungar algo que soou como “festa mundana” e em resposta, Marcelo fez um som irritado com a boca e respondeu.

— O que é mais importante para a senhora? Sua religião ou reconquistar o amor do seu único neto? Escolha bem as sua prioridades. — em seguida o rapaz se virou para entrar em casa, mas antes parou e comunicou à mulher.

— A quermesse começa as 10h00, a apresentação de quadrilha é as 11h00. A escolha é da senhora. — ao abrir a porta, Zulmira teve um vislumbre de Paulo, sendo acalmado por Diego.

***

Mayara tinha convidado Letícia para ir na festa junina da escola de Paulo. Combinara de se encontrar lá, e por isso a moça estava saindo uma hora antes, para conseguir pegar o metrô a tempo. Mas, antes que pudesse por o pé para fora de casa, suas mães a inquiriram de tirar boas fotos de Paulo com a roupa de quadrilha e que as enviasse para o grupo das três no whats.

Após confirmar que faria isso, Mayara saiu. Letícia tinha se oferecido para ir buscá-la, mas a moça preferiu pegar o metrô. Algo dentro dela pedia para que preservasse um mínimo de autonomia sobre a sua vida, nem que fosse só pegar o transporte público.

Quando chegou na escola, esbarrou em Miriam, que trazia Luís seguro pela mão. O menino estava usando uma camisa xadrez, calças jeans e botas e na cabeça, um chapéu de palha. A irmã tinha pintado um bigodinho falso com guaxe no rosto do menino que parecia mais feliz desde a última vez que ela o viu.

Logo que os três entraram na escola, foram abordados por Vanessa que trazia Agatha, a qual usava um vestidinho de saia armada com estampa de pequenas flores e um véu pequeno na cabeça, encaixado entre as tranças afro enraizadas. A menina sorria e segurando Luís pela mão, correram os dois em direção ao resto da turma, que já se preparava para a apresentação.

Paulo chegou faltando quinze minutos para a apresentação começar. Ainda exibia sinais de choro no rosto e estava chateado. Mayara notou a expressão do menino e o desconforto nos rostos de Diego e Marcelo, e após ver o menino se afastar para encontrar os amiguinhos, aproximou-se, seguida de Miriam e Vanessa e perguntou o que houve.

As três ouviram Diego contar indignado a situação incomoda pela qual os três passaram algumas horas antes com a avó paterna do menino e enquanto ouvia o relato, Mayara sentiu que sua pressão estava subindo, tamanha era a raiva que estava daquela mulher. Ela teria expressado sua indignação, se não tivesse recebido naquele instante uma mensagem de Letícia, informando que estava na frente da escola.

— Me dão licença um minuto, a Letícia tá lá na frente, eu vou encontrar com ela, mas, Diego, eu estou muito orgulhosa do Paulo por ter enfrentado aquela megera.

— Pra falar a verdade, ele nem queria mais vir, e tinha acordado cedo e tava tão animado. A gente levou um tempão pra conseguir convencer o Paulo a vir, né Ma? Mas parece que agora ele está melhor. — comentou Diego enquanto via o irmãozinho segurar a mão de Agatha e fazê-la rodopiar.

— Essa mulher é um pesadelo! — declarou Vanessa, ao que Miriam concordou com um meneio de cabeça. A conversa teria durado mais, se pelo sistema de alto falantes não tivessem informado que a apresentação de quadrilha iria começar.

Aconteceu então uma movimentação maciça de pais e responsáveis ao redor da quadra de esportes e quase que Mayara e Letícia não conseguiram se aproximar.

— Vamos todo mundo tomando o caminho da festa! — as crianças entraram pela lateral da quadra, cada parzinho de braços dados, dando a volta por toda a extensão. Agatha e Paulo, os noivinhos, iam na frente.

— Cavalheiros, cumprimente as damas! Agora damas, cumprimente os cavalheiros! — Diego achou que iria se sentir deslocado filmando o irmão, mas ao olhar para os lados, encontrou um mar de celulares apontados na direção das crianças e ouviu comentários como “Aquele ali é o meu, comprei o chapéu dele ontem.” e “Aquela ali de vestido rosa é minha sobrinha, a mãe dela tá na maternidade, mas me pediu pra eu vir tirar umas fotos dela, Cecília, oi!” — a menininha acenou envergonhada e continuou dançando.

— Olha a cobra! — e a quadrilha se encheu de gritinhos animados que viraram risinhos divertidos quando Marta continuou — É mentira! E antes que pudessem prever, a professora disse:

— Olha o túnel! — e Diego viu todas aquelas crianças fazerem de forma organizada um túnel composto pelos braços erguidos e as mãos entrelaçadas com a criança a sua frente.

— E tá tudo muito bom, mas agora vamos dar uma despedida por pessoal! — as crianças alinhando-se lado a lado acenaram vigorosas para a platéia e quando os adultos começaram a aplaudir, as meninas fizeram uma pequena reverência segurando os lados do vestido e os meninos tiraram seus chapéus de palha. Com exceção de Paulo e Agatha, que inverteram os cumprimentos, com a menina pegando o chapéu do par e colocando sobre a própria cabeça, em cima do véu e o garoto puxando as laterais das calças jeans, imitando um vestido. Em seguida, os dois trocaram um olhar maroto e riram.

— Obrigada pais e responsáveis por terem vindo prestigiar nossa quermesse escolar, por favor, aproveitem a feira! — Informou Marta, para em seguida desligar o alto-falante.

Como um sinal verde silencioso, as crianças debandaram para seus responsáveis, sorrindo e gritando animadas. Diego abraçou Paulo e o encheu de elogio. O mesmo aconteceu com Agatha e Luís por suas respectivas, mãe e irmã.

O resto do dia foi agradável. Paulo, Agatha e Luís se lambuzaram com a calda grudenta que recobria as maçãs do amor e cada um pegou uma prenda na pescaria. Além é claro, de várias fotos tiradas pelos adultos.

Mas enquanto as crianças brincavam, Diego contava com mais detalhes sobre a situação desconfortável com Zulmira e como a mulher tinha enfiado na cabeça que Paulo não queria vê-la por causa de influencia dele.

— Como se eu precisasse falar algo. A mulher traumatizou ele naquela semana que ficou com o menino. — olhava o garoto correr pelo pátio da escola acompanhado pelas outras crianças e sorriu. Ficava feliz que, apesar de tudo o que garoto passou, Paulo tinha bons amigos.

***

Zulmira acabou não indo ver o neto na quadrilha e agora se sentia culpada. Estava ficando velha e sozinha e queimou a única ponte de contato com o elo restante do seu falecido filho. O menino a odiava e algo lhe dizia que seria quase impossível recuperar a confiança do garoto.

Afinal, agora que pensava com calma, não havia duvida de que a culpa por Paulo odiá-la era apenas sua.

Continua...

Nota da autora:

Oi gente,

Então, a periodicidade dos capítulos está meio instável, mas eu estou me esforçando para não abandonar o ritmo e tentar atualizar com uma certa frequência. (até porque, se eu parar, esta aqui vai parar na lista das histórias que entraram em hiato – e eu não quero isso).

Tivemos a apresentação de quadrilha das crianças e caramba, foi tão bom escrever essa cena, a última vez que eu dancei quadrilha, acho que eu tinha uns 07 anos, 08 no máximo. Pesquisar sobre a narrativa de quadrilha foi algo bastante nostálgico.

E também tivemos uma nova investida da Zulmira. Pois é, agora finalmente a ficha da mulher tá caindo de que ela pisou feio na bola com o neto. Será que ela vai conseguir reconquistar o menino?

Bom, esse capítulo, como vocês puderam ver, foi mais focado no Paulo, mas tivemos umas pontas de Mayara e Letícia. Nos próximos capítulos teremos o dia dos namorados, então, aguardem cenas bem... Quentes!

Quero agradecer quem leu até aqui e dizer que, se este capítulo pareceu mais longo, é porque eu o escrevi a mão, antes de digitar no Word e quando isso acontece eu meio que perco o limite de páginas. (Espero que não tenha ficado chato/grande demais – se bem que, nas minhas publicações mais antigas, os capítulos costumavam ser entre 14 e 18 páginas de Word, mas enfim).

Obrigada por ler, se puder deixar um comentário, eu ficarei muito feliz e até o próximo capítulo.

Perséfone Tenou.


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