Paulo estava de férias, mas nos primeiros
três dias o menino ainda acordou no horário de sempre e chegou a bater na porta
do quarto de Diego e Marcelo perguntando se não estava atrasado para a aula.
Era compreensível, afinal o garoto nunca tinha ido para a escola antes, então
não sabia muito bem como funcionava a dinâmica das férias.
Mas naquele sábado, foi Diego que acordou
6h30 da manhã e foi espiar o irmãozinho no quarto, apenas para confirmar que o
menino estava dormindo, com uma perna para fora da cama e metade do corpo
descoberto. O rapaz então entrou em silêncio no quarto e cobriu o garoto, após
recolocar a perna de volta para dentro da cama e em resposta, o menino suspirou
no meio do sono.
Enquanto voltava para o próprio quarto,
Diego começou a pensar em como essa coisa de amar alguém não era tão difícil
quanto diziam. Paulo estava com eles há seis meses e ele sentia que poderia
fazer qualquer coisa pelo bem estar do menino.
Quando entrou debaixo das cobertas e se
aninhou ao lado do marido, ouviu Marcelo resmungar que ele estava com os pés
gelados e pensou em se explicar, mas no fim não precisou, pois o outro apenas
embrulhou seus pés nos edredons e voltou a dormir. Mais tarde os três iriam à
festa de bodas das mães de Mayara, mas por enquanto podiam descansar e Diego
ficou feliz de ser sábado.
***
Do outro lado da cidade, Francisco acordou
mais cedo naquela manhã e após se desvencilhar com cuidado do abraço que
Joaquim dava envolta de sua cintura, saiu do apartamento, enquanto deixava a
cafeteira coando.
E quando enfim voltou da rua e entrou no
apartamento, foi brindado pelo aroma delicioso de café recém-feito e pelo
sorriso gentil do namorado, que ficou feliz ao ver que ele tinha trazido coisas
da padaria, lhe deu um beijo suave nos lábios em agradecimento. Francisco olhou
para o namorado, colocando as coisas sobre a mesa enquanto exibia um sorriso
satisfeito e pensou que queria poder fazer algo além para fazê-lo sorrir mais.
— A Lola disse que eu podia tirar o dia de
hoje de folga. — comentou Joaquim enquanto se servia de café e complementava
dizendo.
— Acho que é porque hoje é a festa de
bodas dela com a Joana... Só sei que eu fiquei feliz de ter o sábado inteiro de
folga. — Francisco olhava para o namorado enquanto ele falava e notou como o
loiro parecia mais feliz desde que começou a trabalhar na loja de sabonetes e
se lembrou do que o ouviu dizer uma noite, enquanto viam uma série no
streaming.
“Não
é assim um super salário e também não foi para o que eu estudei, mas sabe, eu
me sinto tão bem de trabalhar na loja, eu me sinto... Útil.” — claro que
ouvi-lo dizer aquela última palavra fez Francisco ficar meio desconfortável,
porque para ele Joaquim não precisava ser “útil”,
ele não era um utensílio, caramba, era seu namorado. Mas ao mesmo tempo
entendia o que o outro quis dizer, no curto período entre o fim da faculdade e
o estágio remunerado em que ficou sem trabalhar, Francisco experimentou uma
sensação parecida.
— Eu também estou de folga hoje, então a
gente pode passar um tempo juntos antes de irmos pra festa a noite, o que acha?
— perguntou enquanto segurava a mão de Joaquim sobre a mesa e o via sorrir mais
uma vez.
— Proposta tentadora... Acho que vou
aceitar. — continuaram tomando café da
manhã enquanto conversavam amenidades, ambos tentando ignorar a nova
onda de absurdos que aquele inominável na presidência vinha vomitando na última
semana em suas “lives”.
***
Mayara acordou mais cedo do que o normal naquele
sábado e ao se mexer na cama sentiu uma pontada dolorosa na altura da barriga e
a sensação úmida, morna e desconfortável que acontecia todos os meses e pensou
por que, de todos os dias, por que tinha de aparecer justo hoje?
Para ela, o primeiro dia do ciclo
menstrual era o pior. Tudo o que queria era ficar encolhida na cama, debaixo de
três cobertas e com uma caixa de chocolates do lado, mas não podia, pois apesar
de todas as coisas da festa, com exceção do bolo, já estarem na casa, ainda
faltava colocar tudo nos devidos lugares.
Após engolir dois comprimidos para cólica
e tomar um longo banho morno, Mayara sentiu uma leve melhora, talvez
conseguisse aguentar até o fim do dia sem nenhum imprevisto.
Conforme ela descia as escadas com passos
lentos e calculados por conta da cólica, Mayara suspirava exausta ao mesmo
tempo em que sentia que ia explodir em lágrimas e torcendo mentalmente para não
deixar isso acontecer durante a festa.
No momento ela estava colocando uma
garrafa de água gelada contra a têmpora, pois sua cabeça parecia que ia
explodir, quando sentiu o toque suave de uma mão morna nas suas costas e ao
olhar para trás, encontrou sua mãe Lola em pé ao seu lado, encarando-a com uma
expressão preocupada.
— Desceu pra você, meu bem? Quer que eu
faça um chá? — quase recusou, pois já tinha tomado os comprimidos, mas no fim
acabou aceitando, pois toda ajuda naquele momento era bem vinda.
— Bom dia Lola, bom dia Mayara querida. —
viu sua outra mãe, Joana, beijar a esposa com carinho no rosto e sentiu um
beijo suave ser depositado no topo da sua cabeça e suspirou em resposta.
Após Lola contar a esposa sobre a situação
da filha, Mayara sentiu-se ser abraçada pela outra mãe, que pegou alguns
biscoitos no armário e colocou na sua frente, dizendo para que comesse.
— Nessa época do mês a gente tem de se
alimentar muito bem. — ao que Lola a repreendeu dizendo “Você está na menopausa há anos, mulher!” e Joana, dando um risinho
divertido rebateu com “E você também,
minha velha, mas nós já estivemos nessa situação antes e sabemos como é”.
Mayara adorava ver as mães conversando, toda
aquela intimidade e companheirismo que apenas um relacionamento longo pode
proporcionar. Ela esperava um dia ter algo parecido para si, talvez com
Letícia, talvez não e pensar na possibilidade hipotética de a outra moça
terminar com ela a fez começar a chorar, sendo amparada pelas duas mães no
mesmo momento.
— Tá tudo bem, ta tudo bem. Eu só estou
meio... Mexida... É essa porcaria, mexe com o meu humor, mas dessa vez ta
pior... — sentiu dois pares de braços mornos a abraçarem e aquele cheiro de
perfume e sabonete e o calor macio da pele delas contra seus braços fez Mayara
se sentir segura e confortável, mas acabou tendo uma nova crise de choro quando
Joana falou:
— Querida, você fez tudo isso para
comemorar nossas bodas e... Filha, nós temos muito orgulho de você, viu? — ao
que Lola complementou, enquanto colocava algumas mechas de cabelo da filha para
trás da orelha da moça.
— E por isso, hoje você vai descansar.
Termine de comer aqui e vá deitar, entendeu? — Mayara tentou argumentar sobre a
entrega do bolo e a decoração que ainda teria de colocar, mas foi impedida por
Joana, a qual informou a filha de que ela e Lola dariam conta do resto.
— Estamos velhas, mas não estamos mortas,
menina! Agora obedeça suas mães e vá deitar. Sim, eu sei que menstruação não é
doença, mas seu ciclo sempre foi bem intenso e a gente sabe como é no primeiro
dia. Vá dormir, querida. Nós te chamamos mais tarde para o almoço. — enxugando
lágrimas que não conseguia controlar, Mayara subiu de novo para o quarto, mas
não sem antes abraçar e dar um beijo no rosto de cada uma das duas mães.
O que ela não ouviu, pois já havia saído
da cozinha, foi a conversa das duas idosas sobre como a menina tinha crescido e
estava tão responsável e adulta e ao mesmo tempo, em momentos como aqueles, ainda
parecia aquela garotinha assustada que elas adotaram há um bom tempo.
— Lembra como foi difícil aquela adoção? —
perguntou Lola enquanto servia café para ela e a esposa e em resposta, Joana
concordou, mencionando o que tiveram de fazer com os documentos de adoção, pois
legalmente Mayara estava registrada apenas como filha de Joana, por questão de
que na época, adoções por casais homoafetivos ainda não eram permitidas.
— Isso me fez pensar no Diego com o marido
cuidando daquele menininho fofo, eles estão em uma situação parecida com a que
tivemos na época que trouxemos Mayara para cá. — comentou Lola pensativa e
então a conversa se desenrolou em outros assuntos menos complexos.
***
Tinha passado um pouco do meio-dia quando
Paulo acordou. Diego disse ao marido que deixaria o menino dormir o quanto
quisesse, afinal era sábado.
O garoto apareceu na sala usando o pijama
do herói aracnídeo, que estava começando a ficar pequeno nele, o que fez Diego
pensar que teria de comprar roupas novas para o irmãozinho em breve. Paulo
exibia aquela expressão de resto de sono que só as crianças conseguem exibir
enquanto coçava o pescoço preguiçosamente.
— Bom dia rapaz, ou melhor dizendo, boa
tarde. Vamos almoçar? — Diego o saudou enquanto desligava o fogão e ouvia o carro
de Marcelo entrar na garagem. Tinha pedido ao outro para buscar uma mistura
pronta na padaria enquanto preparava o resto do almoço.
— Oi. Eu tou com fome! — aquela frase
vinha se tornando uma constante nas últimas semanas e numa conversa que teve com
Vanessa, mãe de Agatha, descobriu que era meio que um comportamento comum das
crianças daquela idade. “Eles estão
crescendo, Diego, a fase da ‘grande fome’ ta chegando, como diz minha mãe”
comentou ela na ligação.
— Mas antes me diz uma coisa, você escovou
os dentes? Acho que não Né? E nem lavou o rosto também que eu tou vendo as
remelas daqui. Vai lá, vai, faz tudo isso e troca o pijama enquanto eu monto
seu prato. — viu o menino dar meia volta com uma postura cansada e vencida e
riu baixinho, Paulo vinha se mostrando meio rebelde em obedecer ordens
ultimamente e segundo não só Mayara, mas várias outras pessoas com quem ele
comentou sobre o comportamento do menino, isso era sinal de que ele estava se
sentindo seguro para expressar suas emoções.
— Querido, cheguei! — Marcelo anunciou
enquanto entrava em casa e em seguida rumava para a pequena cozinha, onde
abraçou Diego pela cintura e lhe deu um beijo rápido na curva do pescoço, ao
mesmo tempo em que depositava as compras sobre a bancada.
— Eu tou vendo. Já está quase tudo pronto,
só o arroz que precisa terminar de secar. Vai pondo os pratos na mesa. —
enquanto fazia o que lhe foi pedido, Marcelo perguntou se Paulo já havia
acordado, ao que o menino respondeu enquanto vinha do corredor.
— Quê que tem eu? — o almoço correu com
tranqüilidade, com o menino comentando que a mãe de Agatha iria levá-lo, junto
da menina e de Luís para ver uma peça de teatro infantil na semana seguinte e sua
animação sobre isso era quase palpável, o que fez Diego sorrir. Era bom ver o
menino feliz.
***
Como iriam à festa de bodas mais tarde,
eles optaram por ficar em casa durante o dia. Estava frio e por isso os dois se
enfiaram embaixo das cobertas e assistiam alguma coisa num dos streamings. Joaquim
estava meio cochilando e meio vendo o episódio e por alguns segundos pensou em
como estava bom ficar ali com o namorado sem ter de se preocupar com nada.
— Quim? — a voz de Francisco vinha de
longe e ele respondeu com um resmungo para indicar que estava acordado.
— Você já pensou da gente casar no papel
um dia? — ao ouvir a frase, abriu as pálpebras com rapidez enquanto encarava o
rosto bonito do namorado ao seu lado. Já tinham tido aquela discussão algumas
vezes, ele dizia que não havia necessidade de oficializarem a relação, pois
estava feliz do jeito que tudo era, mas a verdade era que lá no fundo tinha
medo do que isso poderia acarretar.
— De novo isso, Fran? Você sabe a minha
resposta. — se mexeu sob as cobertas, dando as costas para o outro enquanto
fingia dormir.
— Eu só tava pensando, não queria te
chatear... — Joaquim sentiu a mão morna de Francisco acariciar a curva do seu
pescoço e estremeceu sem perceber enquanto suspirava cansado.
— Você não me chateou... É só que, eu não
tive muitos bons exemplos de casamentos que deram certo... Meus pais, meus
avós... — sabia que ambos eram casais hétero cis e que isso não era uma regra,
não é porque os casamentos dos seus familiares foi ruim que se ele um dia
aceitasse a proposta do outro, o deles também seria.
— Mas também tem o Diego e o Marcelo e a
Lola com a Joana, quer exemplo maior do que um casal de lésbicas casadas há 35
anos? Mas tudo bem, eu não quero te forçar a aceitar só porque eu sugeri. Só
queria dizer que se você mudar de idéia no futuro, eu ainda vou querer. Porque eu
sempre vou querer te ter ao meu lado. — o loiro virou parcialmente o corpo para
olhar o namorado e em seguida envolveu o pescoço dele com os braços enquanto
puxava-o para um beijo.
— Você diz as coisas mais gentis do mundo,
sabia? — sussurrou ao mesmo tempo em que sentia um afago ser feito em seus
cabelos e suspirou satisfeito.
***
Letícia chegou na casa de Mayara um pouco
antes das 18h00 para ajudá-la com algum preparativo que faltasse e assim que a
morena abriu a porta, se deslumbrou com a namorada.
— Você ta muito linda. — disse para em
seguida trocarem um selinho rápido e então a moça entrou na casa, sendo
recepcionada por suas “sogras”, a palavra ainda a fazia rir mentalmente, pois
as pessoas que namoram costumam ter uma sogra, mas ela não, ela tinha duas e
ambas eram uns amores.
— Letícia meu bem, que bom que veio. Quer
um pouco de café? Acabei de passar. — Lola ofereceu, sendo impedida por Mayara
a qual informou a mãe de que a festa começaria em algumas horas e “ela não
podia correr o risco de sujar o vestido bege”.
— Porque branco para alguém que está
comemorando 35 anos juntas ficaria meio estranho, não é Letícia? — Joana surgiu
da sala de estar e abraçou a moça, que parecia gigante de seus quase dois
metros com saltos altos contra os 1,65m da idosa.
— Ah, mas as senhoras ficaram ótimas!
Parabéns pelas bodas. Eu trouxe uma lembrancinha. — e então ela entregou um
buquê de rosas brancas que logo foi colocado num jarro com água, mas não sem
antes Joana comentar que “aquelas flores na
verdade são pra nossa filha, não é, mocinha?” o que fez Letícia corar
envergonhada.
Mayara ainda estava usando roupas de ficar
em casa e informou a namorada de que precisava se aprontar, convidando-a a
esperá-la em seu quarto, “Assim você se
livra do interrogatório duplo”.
Quando enfim chegaram no andar de cima,
Mayara pressionou a namorada contra a parede, roubando um beijo ansioso e
apaixonado, o que não passou despercebido por Letícia, que conhecia o
comportamento comum da moça.
— Aconteceu alguma coisa? — ao que a outra
respondeu amarga que seu ciclo tinha começado e por isso tudo estava
desorganizado.
— Eu sei que não deveria estar, afinal eu
menstruo desde os nove anos, mas sei lá, acho que é o excesso de estresse com a
festa de bodas e tudo o mais, eu tou me sentindo um trem desgovernado dominado
pelos hormônios. — ela suspirou enquanto
prendia o longo cabelo negro com uma presilha.
— Hoje vai ser um verdadeiro pesadelo. —
estava indo para o banheiro, quando sentiu os dedos longos de Letícia segurarem
seu pulso e ao olhar para trás, a encontrou a alguns centímetros de distancia e
quase na mesma altura da sua visão, por conta dos saltos.
— Não vai ser um pesadelo. Eu vou te
ajudar em tudo o que eu puder. Vai dar tudo certo e depois se você quiser, pode
ir dormir lá em casa e eu te faço um chocolate quente e a gente pode ficar
abraçadinhas vendo uns filmes antigos. — e pela enésima vez só naquele dia
Mayara sentiu que ia chorar e teve de respirar fundo para controlar aquela
reação que estava fora do controle por conta do momento em que estava.
— Obrigada. Sabe, mais do que uma
namorada, alguém que quer me beijar e tocar, você é a melhor amiga que eu já
tive, e eu te amo muito por isso. — beijou a outra com carinho ao mesmo tempo
em que sentia ela envolver sua cintura com os braços esguios.
— E
eu sei que estamos juntas faz só seis meses, mas Mayara, você foi a melhor
coisa que me aconteceu em todos esses anos desde que eu sai do armário. Eu
nunca me senti tão amada e querida antes, tanto por alguém que eu amo como quanto
pela família dela. — a morena informou então que ia pro banho antes que os
convidados começassem a chegar.
Letícia se sentou na beira da cama e
soltou um suspiro cheio de significado satisfatório, para em seguida se deixar
sobre o colchão enquanto encarava o teto recoberto daquelas estrelas de
plástico que brilham no escuro e pensar no quanto estava feliz depois de tantos
anos sozinha.
Continua...
Nota da autora:
Se você estiver lendo essa história na
semana do dia 13/08/2023 eu quero pedir desculpas pela demora em atualizar
(isso ta virando uma constante), o fato é que eu tinha travado e não conseguia
continuar (e daí você pode estar dizendo, ah, mas esse capítulo foi tão básico
e simples, como você pode falar isso?), pois é, mas para alguém como eu que tem
ansiedade e depressão (e mais uma pá de outros problemas) escrever algo
“simples” às vezes fica bem... Complicado.
Mas, ai está, vimos um pouquinho de cada
um dos casais e os preparativos das bodas das mães da Mayara (+a coitada da
moça ficando menstruada e como isso atrapalhou bastante os planos dela). Eu
usei um pouco do que me acontece durante o ciclo para compor o comportamento da
Mayara nesse capítulo, mas lembrando que isso não é um padrão e cada pessoa que
menstrua experiência sintomas diferentes.
E também tivemos o Francisco pedindo o
Joaquim em casamento... Mais uma vez, quem sabe uma hora o loirinho aceita né?
(risos).
Mas é isso, no próximo capítulo vamos ter
a festa de bodas das mães da Mayara e futuramente muito mais. Espero que vocês
tenham gostado do capítulo e, por favor, deixem um comentário, pois a falta
deles foi um dos motivos do meu hiato, sem feedback a gente desanima.
Até o próximo capítulo,
Perséfone Tenou
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