E chegou a Páscoa.
Diego e Marcelo não eram religiosos, não seguiam
nenhuma crença ou coisa parecida, mas acreditavam que celebrar algumas datas do
calendário valia a pena para reunir a família e os amigos.
Alguns dias antes a professora de Paulo, Marta, tinha
levado uma caixa com pequenos ovos de chocolate para as crianças e o menino
contou que Emmanuel, o garoto que sempre implicava com ele (e agora com Agatha
e Luís também), devolveu o que ganhou dizendo que sua mãe não ia gostar que levasse
para casa. Ao ouvir a história, Diego que já tinha pegado ranço de Olinda,
revirou os olhos enquanto Marcelo apenas ouviu a narrativa do garoto em
silêncio, mas percebeu a reação do marido a menção ao outro garoto.
E naquele final de semana a mãe de Marcelo, Rita, veio
visitar.
Ela se hospedou em uma pousada no centro e se ofereceu
para fazer o almoço de Domingo. Marcelo havia contado para a mãe sobre Paulo e
a mulher estava ansiosa para conhecer o menino e disse pelo telefone “de certa forma é quase como se você tivesse
me dado um neto!”.
Ela não tinha aceitado a sexualidade do filho logo que
ele se assumiu, levou alguns bons anos fingindo que Marcelo ainda era hétero e
tentando juntá-lo com garotas da cidade, até que, quando ele anunciou o
casamento com Diego, Rita viu que ele estava falando sério e que se não
começasse a aceitar o filho como ele era, ia perdê-lo para sempre.
Quando Rita chegou Domingo de manhã, Paulo estava
ajudando Marcelo a lavar os dois carros na área da frente e ao ver a mulher alta
e robusta com pele bronzeada, cabelos cheios negros e cacheados e um sorriso
largo, o menino se escondeu atrás do rapaz.
– Paulo, essa aqui é a minha mãe, Rita. Mãe, esse é o
Paulo. – a timidez não durou muito, já que Rita o conquistou oferecendo um ovo
de chocolate que tirou da grande sacola de palha que carregava. Dentro de casa,
Diego tinha escondido outro ovo no armário, deixado por Mayara na quinta-feira.
Eles tinham entregado o que compraram logo de manhã para o menino que pareceu
maravilhado com o presente.
– Como se diz? – Marcelo inquiriu quando viu que o garoto
ia correr para dentro abrir a embalagem. Paulo parou no meio do caminho e
virou-se para olhar a mulher e responder esboçando um pequeno sorriso tímido.
– Obrigado, Dona Rita. – viu a mulher sorrir e sentiu
a mão rechonchuda dela acariciar seus cabelos e dizer como ele era um rapazinho
bem educado. Sentiu o rosto esquentar em resposta.
Aquele era o segundo ovo de chocolate que ganhou na
vida, já que seu pai não aprovava aquele tipo de coisa em casa. No que ganhou
de Diego e Marcelo, veio uma miniatura do homem-aranha de brinde e naquele,
dado por Rita, havia vários bombons deliciosos.
– Muito bem mocinho; vamos guardar isso pra depois ou
então você não vai almoçar hoje. – ouviu o irmão declarar enquanto retirava os
pedaços de ovo das suas mãos. Paulo ficou meio chateado e até quis reclamar,
afinal, o chocolate era seu, mas sabia que era verdade, se comesse o doce, não
iria querer almoçar depois.
– Agora vai lá no banheiro e lava as mãos, que a Dona
Rita vai me ajudar com o almoço... Dona Rita, como a senhora está? Fez boa
viagem? – viu a mulher entrar pela porta, depositando a grande sacola de palha
no chão e abraçando Diego forte o bastante para deixá-lo sem ar. Ela falava
engraçado, meio como se estivesse cantando. *
Iam comer macarronada e frango assado, preparados pela
mãe de Marcelo com a ajuda dos dois. Paulo ficou observando todo o processo na
cozinha com atenção enquanto ouvia a mulher perguntar sobre o trabalho deles e
há quanto tempo o menino estava morando lá.
– Desde janeiro, foi uma surpresa e tanto, um domingo
eu acordei com a ligação da assistente social me dizendo que minha mãe me
indicou no testamento para ser tutor dele, caso algo acontecesse com ela. Mas
até que nós estamos nos virando bem aqui, né Ma? – Diego olhou para o marido
por sobre a cabeça da sogra e viu ele concordar com um gesto de cabeça enquanto
colocava o frango no forno.
– Crianças sempre trazem alegria pra uma casa, é o que
eu sempre digo. E eu sei o que estou falando, tive cinco! – declarou Rita ao
mesmo tempo em que provava um pouco de molho com uma colher, que em seguida ela
descartou na pia.
– Falando nisso mãe, como está o pessoal? – Paulo
ouviu a mulher falar dos irmãos de Marcelo, espalhados pelo país. Alguns
casados, outros solteiros, todos empregados e nenhum com problemas, como disse
a mulher aliviada.
– E agora, vamos comer! – declarou Rita, uma hora
depois de terem começado a preparar o almoço, enquanto depositava as travessas
sobre a pequena mesa e servia os pratos, dando um sorriso simpático para Paulo
que retribuiu agora que se sentia mais confortável com a presença da mulher.
– Vamos bambino, mangia
che te fa bene* – Piscou algumas vezes sem entender a frase, lançando um
olhar repleto de dúvida para Marcelo que respondeu.
– Ela quis dizer, “come
que faz bem”, é italiano. – Marcelo piscou com o olho direito para ele, o
que fez Paulo sorrir e colocar uma enorme garfada de macarrão na boca.
Após comerem, Diego entregou o ovo deixado por Mayara,
dizendo que ele podia abrir para pegar o brinde, (era um ovo de dinossauros),
mas que precisava comer um de cada vez e aos poucos.
– Não quero que você tenha uma dor de barriga comendo
tanto chocolate de uma só vez. – Rita observava a forma como Diego falava com o
menino e pensou que ser pai é algo que se aprende na prática e sorriu. Ela
então entregou uma colomba que havia trazido para os dois, mas pela qual Paulo
não se interessou (tinha frutas e passas, “eca”
ele pensou).
O resto do dia correu bem, os três jogaram baralho,
buraco, jogo favorito da mãe de Marcelo, enquanto Paulo brincou com os brindes
dos ovos ao mesmo tempo em que assistia tevê, até que em certo momento, acabou
cochilando no sofá. Rita comentou que ele ficava adorável dormindo. “Mas
acordado também é um amor”.
***
Do outro lado da cidade, Joaquim tinha conseguido um
emprego num consultório de dentista, o salário era bem abaixo do que recebia
quando trabalhava com Helen, mas, era melhor do que ficar enfiado no
apartamento o dia todo olhando pras paredes e se sentindo inútil.
Estava retomando seu ritmo diário, acordando cedo para
abrir o consultório do dentista, que se chamava Alberto e auxiliá-lo no
tratamento dos pacientes. Era sua segunda semana de trabalho e Joaquim se
sentia bem em poder voltar a contribuir financeiramente para a casa.
Naquele Domingo, quando voltou da sua caminhada ao
redor do quarteirão, sentiu o aroma delicioso de tempero e encontrou o namorado
perto do fogão, preparando o almoço.
– Oi bonitão, o que tá fazendo ai? – perguntou
enquanto abraçava Francisco pela cintura e espiava nas panelas.
– Almoço pra gente. – respondeu ao mesmo tempo em que
se virava para beijar o namorado, que se desvencilhou sob a desculpa de estar “todo suado e fedido”.
– Mas eu gosto de você suado e fedido. – Francisco
respondeu rindo, ao que Joaquim rebateu com “mas vai gostar muito mais depois de eu tomar um banho”, para em
seguida sumir pelo corredor que levava ao banheiro.
Enquanto estava debaixo do chuveiro, sentia-se
revigorado. Ter um emprego acendeu nele o animo de se sentir útil e uma parte
produtiva daquele relacionamento.
Quando voltou a sala principal do apartamento, a mesa
já estava posta e Francisco esperando por ele com uma garrafa de vinho.
Perguntou qual era a ocasião especial, ao que ouviu o outro responder.
– E preciso de uma ocasião especial pra te tratar bem?
– almoçaram enquanto conversavam sobre os acontecimentos da semana, ouviu
Francisco falar sobre o novo livro didático que sua editoria ficou responsável
por produzir e o quão indignado ele estava pela quantidade de erros que o
revisor deixou passar.
– Imagina dar aqueles livros pras crianças? Eu entrei
em contato e pedi pra revisarem tudo de novo antes de me mandarem o novo boneco*,
porque é inaceitável que um livro tenha tantos erros... Era um livro de
português e tinha um monte de erros de grafia, acredita? – tomou um gole do
vinho e concordou com um gesto de cabeça. O namorado levava o trabalho muito a
sério e ele achava isso incrível.
***
Ao mesmo tempo em que as duas famílias almoçavam,
Letícia passava na casa de Mayara para buscá-la para comerem fora. Mas não sem
antes entrar e dar um alô para as mães da moça, pois elas fizeram questão
disso.
Enquanto Mayara estava se aprontando no quarto,
Letícia se viu presa em um interrogatório sutil por parte das duas senhoras,
que após lhe oferecerem um copo de água gelada, jogaram todo tipo de pista para
tentar conseguir a confirmação de que ela era a nova namorada da filha.
Para surpresa geral, Letícia se saiu bem se esquivando
das perguntas com elegância e quando viu a outra moça enfiar a cabeça na sala
de estar e chamá-la, respirou com alivio. Estavam quase saindo quando Joana
gritou da porta.
– Venha jantar conosco um dia desses, querida! – ao
que Letícia respondeu com “Claro, pode
deixar que eu venho.” ao mesmo tempo em que sentia Mayara apertar sua mão
com certa força.
Quando enfim entraram no carro, respiraram aliviadas.
– Suas mães me
botaram na parede. Elas queriam que eu confirmasse com todas as letras que
estamos namorando, mas como você disse que precisa de tempo pra desenvolver o
relacionamento, eu tentei fugir pela tangente, acho que consegui. Mas sua mãe
Lola é dura na queda. – viu a outra moça rir e ficou apaixonada pelo som
delicado do riso dela. Já estava sob o feitiço da outra desde que se conheceram
aquele dia na loja de roupas, mas, sabia que para Mayara as coisas tinham de ir
de vagar e não pretendia apressá-la. Esperaria o quanto fosse necessário, pois
nunca ficou tão interessada em uma garota na vida, como estava por Mayara.
– Ah, Dona Lola pode ser bem intimidante quando quer.
Elas te ofereceram suco, água, alguma coisa? Hmm, então o plano era ganhar você
pelo cansaço, caso eu não descesse logo. – confessou Mayara rindo e Letícia a
observou por alguns segundos, pensando mais uma vez que a risada da outra era o
som mais delicioso do mundo.
O Domingo foi bastante agradável para todos, Letícia e
Mayara almoçaram num restaurantezinho simpático vegetariano no centro e depois
foram ao cinema enquanto Joaquim e Francisco ficaram em casa mesmo, vendo
filmes na netflix e curtindo a companhia um do outro. Antes de ir embora, Dona Rita
fez questão de dizer para Paulo que ele era o neto que ela sempre quis ter,
apesar de já ter oito dos outros filhos e encheu Diego e Marcelo de conselhos
para criar filhos, os quais os dois ouviram sem reclamar.
***
Mas, quando chegou a segunda-feira, mais
especificamente na hora da saída da aula, Paulo começou a ficar preocupado. A
mãe de Agatha havia vindo buscá-la, assim como a irmã mais velha de Luís, até
mesmo a mãe assustadora de Emmanuel havia chegado e ido embora com seu filho mal
educado, mas nada de Mayara aparecer.
Dona Neusa, a responsável pelo portão da escola, não o
deixou sair, mas disse para que não se preocupasse, pois logo a moça chegaria.
Mas, passou-se mais de uma hora e nada de Mayara chegar, o que fez com que
Neusa trancasse o portão e levasse Paulo até a secretaria, onde ligaram para o
número registrado no cadastro do menino. Ao telefonarem para Mayara, a moça
atendeu no primeiro toque e quando ouviu de onde era, pediu desculpas e informou
que estava no pronto-socorro.
– A minha mãe sofreu um infarto e eu estou aqui com
ela... Sinto muito de verdade, estou saindo agora mesmo daqui do hospital pra
ir buscá-lo... Juro que isso nunca mais vai se repetir... Obrigada. – desligou
enquanto sentia o olhar fixo da outra mãe, Joana encarando-a.
– Eu esqueci que tinha de buscar o Paulo. – Joana fez
uma expressão que era um misto de surpresa e desconforto, pois se sentiu mal de
ter feito a filha acompanhá-la enquanto a esposa era internada.
– Foi culpa minha... Se eu não tivesse ligado pra
você... – Mayara abraçou a mãe e sentou-se ao seu lado na sala de espera,
enquanto juntava as coisas na bolsa.
– Mãe, se você não tivesse me ligado, a mãe Lola podia
não ter aguentado. Você estava nervosa demais pra ligar pro SAMU e com certeza
não podia vir sozinha na ambulância com ela. Tá tudo bem, eu expliquei pra
escola e vou lá buscar ele, mas prometa que vai me deixar atualizada sobre o
estado dela, tá bom? Assim que o médico passar, liga pra mim e daí vai pra casa
um pouco, você precisa dormir também. Eu volto assim que puder. – beijou a mãe
com carinho no rosto e saiu correndo, chamando um uber enquanto passava pela
porta do pronto-socorro.
Enquanto isso, na escola, Paulo estava com dor no
estômago, que começou quando Mayara não apareceu para buscá-lo e apesar de Dona
Neusa e as moças da secretaria informar que ela que logo estaria ali, sua
barriga ainda doía.
Estava sentado no banco acolchoado em frente ao guichê
da secretaria quando viu Mayara e levantou de um pulo, correndo para a moça.
Mas, antes que pudesse sair, a responsável pela secretaria fez com que a
recém-chegada assinasse um documento confirmando a retirada do garoto.
Paulo a abraçou por quase um minuto, forte o bastante
para deixá-la meio sem ar, mas não reclamou, o menino tinha o direito de fazer
aquilo. Enquanto voltavam para casa, ela contou de forma resumida o motivo do
atraso.
– A minha mãe, Lola, passou mal, sabe? Daí eu tive de
ir com a minha mãe Joana até o hospital pra eles cuidarem dela e demorou mais
do que eu achei que ia demorar... Desculpa querido, prometo que não vai
acontecer mais. – enquanto falava, viu um vislumbre de um brilho a distancia,
algo como um flash fotográfico, mas quando olhou para trás procurando a fonte,
não encontrou nada.
– E ela vai ficar bem? – Paulo não tinha boas
recordações de hospitais. As únicas duas vezes em que foi num lugar desses, seu
pai morreu e na outra, sua mãe já estava morta.
– Vai sim, os paramédicos chegaram a tempo e disseram
que ela vai se recuperar. Mas e você, como foi seu dia hoje? – a cabeça de
Mayara ainda estava girando com a ameaça de perder uma das suas mães para
sempre. Lembrava-se de quando recebeu a ligação e ouviu sua mãe Joana do outro
lado da linha, a voz trêmula e desesperada dizendo “Mayara, a Lola desmaiou aqui no chão e eu não sei o que fazer, me ajuda
filha!”. Mas, ela decidiu que não iria transmitir nenhuma impressão que
preocupasse o garoto.
Enquanto iam de volta para casa, Mayara continuava com
aquela sensação desconfortável de que alguém os estava seguindo, mas sempre que
olhava para trás, não via nada.
Continua...
Nota da autora:
Desculpem esse capítulo corrido e desorganizado (pelo
menos é assim que eu o estou vendo, talvez você que esteja lendo o tenha visto
de uma forma positiva), mas a verdade é que ele já estava parcialmente pronto
há 2 semanas e eu só tive de colocar o final.
Bom, a mãe da Mayara, Lola passou mal e está internada
se recuperando de um infarto, isso vai mudar de forma drástica a vida dela, da
esposa Joana e da Mayara também, que terá de reorganizar seu itinerário com
Paulo.
E também temos uma pessoa misteriosa se esgueirando e
espionando a Mayara e o menino (e isso já faz alguns capítulos). Também
conhecemos a mãe do Marcelo, Rita e tivemos um pouquinho de Francisco e Joaquim
e Mayara e Letícia.
Eu sei que esse não foi o melhor capítulo até agora,
mas estou me esforçando para manter a história em frente e atualizar todas as
semanas e quero agradecer as pessoas que tem acompanhando, sem vocês talvez eu
tivesse abandonado esse projeto há muito tempo.
Então, obrigada de coração e até o próximo capítulo.
Notas do capítulo:
* Ela falava engraçado, meio como se estivesse
cantando: A Rita tem sotaque italiano, por isso ela falava como se estivesse
cantando.
* revisarem tudo de novo antes de me mandarem o
boneco: Boneco é como chamam o modelo de um livro/revista feito para se ter uma
ideia de como o exemplar final vai ficar.
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