domingo, 25 de fevereiro de 2024

Lar é onde o coração está - Capitulo 70

 Os dias seguintes passaram rápido.


E para Paulo, as coisas não pareciam boas. Desde o empurrão que Agatha lhe deu naquele Domingo, ele e a menina não tinham mais se falado e isso já estava indo para duas semanas. Dali alguns dias eles voltariam às aulas e o garoto não sabia como iria se comportar ao rever a menina, que agora não conseguia mais chamar de “amiga”.

Naquele dia, ele estava sentado no chão, debruçado sobre a mesinha de centro da sala, colorindo sem grande vontade, enquanto dava umas espiadas no desenho que passava na tevê. Tinha se recusado a tomar café da manhã e mal comeu o almoço, apesar da insistência gentil de Mayara.

A moça, que estava sentada no sofá e fingia ler, observava a postura do menino e se preocupava. Já estava a par de toda a situação, Diego a havia inteirado, mas, ela pensava que talvez se Vanessa tivesse contado o que fez  a menina reagir daquele jeito, toda aquela situação poderia ser evitada. Claro que ela entendia os motivos da mulher não ter contado, mas ainda assim, ver o menino daquele jeito cortava seu coração.

— Paulo, quer ir dar uma volta na pracinha? O Diego disse que você pode tomar um sorvete lá, se quiser... — arriscou a moça, mas para seu azar o menino não demonstrou qualquer interesse. Na verdade, ela viu o garoto dar de ombros como se dissesse “tanto faz”.

— Olha, eu acredito que as coisas vão se acertar entre você e a Agatha, muito em breve. — comentou, percebendo que ao mencionar o nome da menina, Paulo desviou a atenção da tevê por alguns segundos, para encará-la.

— Acha mesmo? Ela tava muito estranha aquele dia... Não queria brincar, não queria conversar e ainda me empurrou do brinquedo! E nem pediu desculpas! O Diego sempre me diz que é importante pedir desculpas quando faço algo que machuca alguém... — o tom de voz magoado fez Mayara se inclinar e puxá-lo com gentileza para cima do sofá e o embalando num abraço apertado e então, o ouvindo chorar baixinho.

***

Do outro lado da cidade, Joaquim já havia conferido o gabarito e viu que tinha acertado mais de 60 questões, o que era quase certeza que ele havia passado na prova. Tal constatação o deixou animado, apesar de se sentir exausto no dia seguinte à prova, ele foi trabalhar com um sorriso no rosto, sabendo que estava conseguindo mudar seu futuro para melhor aos poucos e que tinha o apoio total do namorado nisso.

Naquele momento estava almoçando com Francisco, que como sempre, trazia comida para os dois.

— Vai ser puxado, eu sei, mas vai valer tanto a pena! Claro que um curso técnico não é o mesmo que uma faculdade, mas já é alguma coisa na hora de arrumar um emprego, certo? — explicou o loiro para em seguida colocar uma garfada de comida na boca e então sorrir.

Francisco, que estava sentado à sua frente na pequena mesa na copa que ficava nos fundos da loja, sorriu em resposta, mas em sua mente não conseguia se preocupar com o risco do namorado acabar tendo um esgotamento mental ao ter de se desdobrar entre trabalho e estudo.

— Você consegue! E sabe que eu vou te dar todo o apoio que puder, né? — perguntou por fim, esboçando um sorriso que esperava transmitir confiança, quando na verdade, estava preocupado.

Não conseguia evitar, para Francisco, o namorado, que já havia sofrido um bocado para alguém tão jovem, precisava ser cuidado e protegido, mas, após ver que o loiro queria criar sua independência, fosse indo a pé para o trabalho ou começando um curso técnico à noite, percebeu que estava, mesmo que inconscientemente, sendo super protetor e pensou que precisava parar com aquilo, por mais automático que fosse o habito de tentar cuidar e proteger Joaquim.

— Eu tou orgulhoso de você. — Francisco disse enquanto segurava a mão do outro sobre a mesa e o via sorrir sem jeito e em seguida murmurar “...para com isso”, ao que o rapaz repetiu.

— É verdade, eu tou orgulhoso de você, de ver você conquistando autonomia na sua vida, de ver você conseguindo enfrentar seus medos e seguir em frente. E esse é mais um motivo pelo qual eu te amo. — Joaquim mordeu o lábio inferior em um gesto reflexo e em seguida disse que ia jogar fora as embalagens de comida, mas a verdade era que, não sabia como reagir àqueles elogios. A vida toda ele ouviu o pai dizer que ele era um “inútil”, “desperdício de espaço” e um pouco antes de ser expulso de casa, “um viado que só trazia vergonha para a família”, e depois com Marco, as coisas não foram muito diferentes, mudaram os adjetivos negativos, mas os ataques eram igualmente dolorosos. Com isso, ele desaprendeu a receber elogios e palavras de incentivo e quando começou a namorar Francisco, no dia que o ouviu dizer “Eu te amo” pela primeira vez, achou que não havia ouvido direito.

Claro, afinal, ele não merecia amor. Pelo menos foi isso que seus relacionamentos, tanto familiares quanto românticos anteriores lhe ensinaram, que ele não era digno de ser amado. — enquanto descartava as embalagens, riu baixinho pensando o quanto havia conseguido evoluir como pessoa naqueles últimos anos, e ainda assim, não se sentia capaz de aceitar um elogio ou uma palavra de incentivo vindas do próprio namorado!

Foi quando para sua surpresa, sentiu sua cintura ser envolvida pelo braço firme de Francisco e um beijo suave ser depositado na curva do seu pescoço, mas ao invés de sentir satisfação e prazer, ele experimentou culpa, pois fazia um bom tempo que não transavam ou nem se querer se tocavam de forma mais intima.

— Quim, ta tudo bem? — ouviu o namorado perguntar às suas costas e em resposta apenas suspirou cansado e se desvencilhou com gentileza do abraço, voltando para frente da loja. Mas antes que virasse a plaquinha de volta para “Aberto”, se virou para o namorado e murmurou um pedido de desculpas. Sentia-se culpado por não ser o bastante naquele relacionamento.

— Que isso? Não tem de pedir desculpas por nada... — Francisco se aproximou e puxando o loiro para um canto da loja onde os passantes não poderiam vê-los, o beijou com carinho.

— É que eu fico com esse sentimento de que eu não estou fazendo o suficiente dentro do nosso namoro, eu não consigo oferecer nada... — confessou o loiro, sentindo-se em seguida envergonhado das próprias palavras.

— Olha, eu entendo o que você passou, você me contou tudo e eu entendo completamente, mas as coisas não são mais como eram, você ta comigo, estamos juntos e vamos nos apoiar e o mais importante, eu te amo e se você me ama também, pra mim, é mais do que o suficiente. — Joaquim fungou baixinho, sentindo os olhos arderem pelas lágrimas que não permitiu cair e dando um tapa leve no braço do namorado respondeu com um quê de diversão na voz.

— Seu bobo, é claro que eu te amo... E muito. — declarou por fim, enquanto sentia um beijo suave ser depositado na sua testa.

— Então está tudo resolvido! Você não tem de provar nada ou oferecer nada pra mim, a gente ta junto, e isso é o bastante, tá? Agora, antes de eu ir, me promete que vai parar de enfiar minhoca na cabeça. Promete. — após ouvir o loiro responder com um quê de ironia na voz que sim, “não vou botar minha na cabeça”, Francisco o beijou uma ultima vez e saiu da loja, informando que viria buscá-lo a tarde, como sempre.

***

Já era quase fim do dia quando Diego recebeu um whats de Vanessa, perguntando se poderia passar na casa dele, pois Agatha queria falar com Paulo. Ela ainda complementou, pedindo desculpas pela hora e que imaginava que ele e Marcelo estariam cansados, mas foi o único horário em que conseguiu pensar, pois era quando saia do trabalho no salão de beleza.

Sem problema, Van. Pode vir. O Paulo vai ficar feliz. Na verdade, ele tem estado bem chateado esses dias”. — enviou Diego, recebendo logo em seguida uma resposta.

Obrigada. Peço desculpas por ter deixado ele assim, mas acredito que é a Agatha quem tem de querer se desculpar e contar tudo a ele, se eu só a forçasse, não daria muito certo... Vou buscá-la com a minha mãe e passo na casa de vocês por volta das 19h00. Espero não ter problema”.  — Diego sorriu e disse que estaria esperando.

***

Mayara disse para o menino ir tomar banho enquanto ela esquentava algo para eles jantarem. Estava esperando o micro-ondas apitar, quando ouviu o som de notificação no seu celular.

Ela foi conferir, achando que era Letícia ou talvez uma de suas mães, Lola era a que mexia melhor no celular e vivia a enchendo com figurinhas fofas e mensagens de bom dia, mas, para sua surpresa, era Diego, informando que Vanessa passaria dali algumas horas com Agatha e perguntando se ela gostaria de ficar, para ver se as duas crianças faziam as pazes. Respondeu que sim e em seguida voltou a se ocupar com o jantar.

Paulo tinha acabado de sair do banho.

***

Quando Vanessa estacionou na frente da casa, ela ouviu a filha suspirar chateada no banco de trás e ao olhar pelo retrovisor, encontrou a menina com uma expressão cabisbaixa no rosto.

— Querida, se você quiser, podemos voltar pra casa e... — mas em resposta, a menina ergueu o olhar enquanto respondia que não.

A mãe tinha conversado bastante com ela no dia do empurrão e Agatha entendeu que era ela quem devia falar com o amiguinho, não só para pedir desculpas pelo que fez, mas também para explicar o motivo que a fez agir daquele jeito. Ela não se sentia feliz com o que tinha feito, gostava de Paulo, ele era um bom amigo e nas duas semanas em que ficaram sem se falar, ela se sentiu triste e sozinha.

Assim que a porta foi aberta, Agatha encontrou o menino sentado no sofá, ao lado da moça que tomava conta dele, Mayara e ao vê-la em pé na porta de entrada, segurando a mão da mãe, Paulo não conseguiu evitar fazer uma careta, expressando um sentimento que ele não sabia nomear, mas que o vinha acompanhando desde aquele dia. Desgosto.

— Paulo, a Agatha quer conversar com você. Porque não vão brincar lá no seu quarto, enquanto a gente toma um café? — sugeriu Marcelo, recebendo em resposta outra expressão incomodada por parte do menino, mas que acabou acatando a sugestão e pegando a menina pela mão, a puxou até seu quarto.

— Eles vão se entender. — murmurou Mayara enquanto ajudava Diego a pegar algumas canecas do armário e via Marcelo acomodar Vanessa à mesa da cozinha. Ela torcia para que desse tudo certo, afinal, independente de ser uma “briga de crianças que passa logo”, os dois eram amigos.

Continua...

Nota da autora:

Bom gente, capítulo 70! Quem poderia imaginar? Eu estou feliz de ter chegado até aqui e muito grata por vocês continuarem acompanhando.

Tivemos mais um pouco de Francisco e Joaquim e eu quero deixar aqui claro que todos os receios do Joaquim são baseados em declarações reais de pessoas que após saírem de um relacionamento abusivo, ingressaram em um relacionamento saudável e ainda assim, tinha sequelas.

Vários dos meus personagens têm problemas e transtornos, porque pessoas de verdade são assim. Pessoas de verdade não são totalmente boas ou más, mas sim um misto de vários sentimentos e atitudes que as tornam humanas – e eu tento trazer isso pra minha escrita.

E no próximo capítulo vamos descobrir porque a Agatha se comportou daquele jeito agressivo com o Paulo.

Obrigada por lerem até aqui e se puderem deixar um comentário, nossa, eu ficaria muito feliz mesmo.

Até o próximo capítulo,

Perséfone Tenou

 

 

 

Nenhum comentário:

Lar é onde o coração está

Sinopse: A vida de Diego mudou completamente quando ele recebeu uma ligação num Domingo de manhã, informando que sua mãe, com quem ele n...