Os dias seguintes passaram rápido.
E para Paulo, as
coisas não pareciam boas. Desde o empurrão que Agatha lhe deu naquele Domingo,
ele e a menina não tinham mais se falado e isso já estava indo para duas
semanas. Dali alguns dias eles voltariam às aulas e o garoto não sabia como
iria se comportar ao rever a menina, que agora não conseguia mais chamar de “amiga”.
Naquele dia, ele
estava sentado no chão, debruçado sobre a mesinha de centro da sala, colorindo
sem grande vontade, enquanto dava umas espiadas no desenho que passava na tevê.
Tinha se recusado a tomar café da manhã e mal comeu o almoço, apesar da
insistência gentil de Mayara.
A moça, que estava
sentada no sofá e fingia ler, observava a postura do menino e se preocupava. Já
estava a par de toda a situação, Diego a havia inteirado, mas, ela pensava que
talvez se Vanessa tivesse contado o que fez
a menina reagir daquele jeito, toda aquela situação poderia ser evitada.
Claro que ela entendia os motivos da mulher não ter contado, mas ainda assim,
ver o menino daquele jeito cortava seu coração.
— Paulo, quer ir
dar uma volta na pracinha? O Diego disse que você pode tomar um sorvete lá, se
quiser... — arriscou a moça, mas para seu azar o menino não demonstrou qualquer
interesse. Na verdade, ela viu o garoto dar de ombros como se dissesse “tanto faz”.
— Olha, eu
acredito que as coisas vão se acertar entre você e a Agatha, muito em breve. —
comentou, percebendo que ao mencionar o nome da menina, Paulo desviou a atenção
da tevê por alguns segundos, para encará-la.
— Acha mesmo? Ela
tava muito estranha aquele dia... Não queria brincar, não queria conversar e
ainda me empurrou do brinquedo! E nem pediu desculpas! O Diego sempre me diz
que é importante pedir desculpas quando faço algo que machuca alguém... — o tom
de voz magoado fez Mayara se inclinar e puxá-lo com gentileza para cima do sofá
e o embalando num abraço apertado e então, o ouvindo chorar baixinho.
***
Do outro lado da
cidade, Joaquim já havia conferido o gabarito e viu que tinha acertado mais de
60 questões, o que era quase certeza que ele havia passado na prova. Tal
constatação o deixou animado, apesar de se sentir exausto no dia seguinte à
prova, ele foi trabalhar com um sorriso no rosto, sabendo que estava
conseguindo mudar seu futuro para melhor aos poucos e que tinha o apoio total
do namorado nisso.
Naquele momento
estava almoçando com Francisco, que como sempre, trazia comida para os dois.
— Vai ser puxado,
eu sei, mas vai valer tanto a pena! Claro que um curso técnico não é o mesmo
que uma faculdade, mas já é alguma coisa na hora de arrumar um emprego, certo?
— explicou o loiro para em seguida colocar uma garfada de comida na boca e
então sorrir.
Francisco, que
estava sentado à sua frente na pequena mesa na copa que ficava nos fundos da
loja, sorriu em resposta, mas em sua mente não conseguia se preocupar com o
risco do namorado acabar tendo um esgotamento mental ao ter de se desdobrar
entre trabalho e estudo.
— Você consegue! E
sabe que eu vou te dar todo o apoio que puder, né? — perguntou por fim,
esboçando um sorriso que esperava transmitir confiança, quando na verdade,
estava preocupado.
Não conseguia
evitar, para Francisco, o namorado, que já havia sofrido um bocado para alguém
tão jovem, precisava ser cuidado e protegido, mas, após ver que o loiro queria
criar sua independência, fosse indo a pé para o trabalho ou começando um curso
técnico à noite, percebeu que estava, mesmo que inconscientemente, sendo super
protetor e pensou que precisava parar com aquilo, por mais automático que fosse
o habito de tentar cuidar e proteger Joaquim.
— Eu tou orgulhoso
de você. — Francisco disse enquanto segurava a mão do outro sobre a mesa e o
via sorrir sem jeito e em seguida murmurar “...para
com isso”, ao que o rapaz repetiu.
— É verdade, eu
tou orgulhoso de você, de ver você conquistando autonomia na sua vida, de ver
você conseguindo enfrentar seus medos e seguir em frente. E esse é mais um
motivo pelo qual eu te amo. — Joaquim mordeu o lábio inferior em um gesto
reflexo e em seguida disse que ia jogar fora as embalagens de comida, mas a
verdade era que, não sabia como reagir àqueles elogios. A vida toda ele ouviu o
pai dizer que ele era um “inútil”, “desperdício de espaço” e um pouco antes de
ser expulso de casa, “um viado que só trazia vergonha para a família”, e depois
com Marco, as coisas não foram muito diferentes, mudaram os adjetivos
negativos, mas os ataques eram igualmente dolorosos. Com isso, ele desaprendeu
a receber elogios e palavras de incentivo e quando começou a namorar Francisco,
no dia que o ouviu dizer “Eu te amo”
pela primeira vez, achou que não havia ouvido direito.
Claro, afinal, ele
não merecia amor. Pelo menos foi isso que seus relacionamentos, tanto
familiares quanto românticos anteriores lhe ensinaram, que ele não era digno de
ser amado. — enquanto descartava as embalagens, riu baixinho pensando o quanto
havia conseguido evoluir como pessoa naqueles últimos anos, e ainda assim, não
se sentia capaz de aceitar um elogio ou uma palavra de incentivo vindas do
próprio namorado!
Foi quando para
sua surpresa, sentiu sua cintura ser envolvida pelo braço firme de Francisco e
um beijo suave ser depositado na curva do seu pescoço, mas ao invés de sentir
satisfação e prazer, ele experimentou culpa, pois fazia um bom tempo que não
transavam ou nem se querer se tocavam de forma mais intima.
— Quim, ta tudo
bem? — ouviu o namorado perguntar às suas costas e em resposta apenas suspirou
cansado e se desvencilhou com gentileza do abraço, voltando para frente da
loja. Mas antes que virasse a plaquinha de volta para “Aberto”, se virou para o namorado e murmurou um pedido de
desculpas. Sentia-se culpado por não ser o bastante naquele relacionamento.
— Que isso? Não
tem de pedir desculpas por nada... — Francisco se aproximou e puxando o loiro
para um canto da loja onde os passantes não poderiam vê-los, o beijou com
carinho.
— É que eu fico
com esse sentimento de que eu não estou fazendo o suficiente dentro do nosso
namoro, eu não consigo oferecer nada... — confessou o loiro, sentindo-se em
seguida envergonhado das próprias palavras.
— Olha, eu entendo
o que você passou, você me contou tudo e eu entendo completamente, mas as
coisas não são mais como eram, você ta comigo, estamos juntos e vamos nos
apoiar e o mais importante, eu te amo e se você me ama também, pra mim, é mais
do que o suficiente. — Joaquim fungou baixinho, sentindo os olhos arderem pelas
lágrimas que não permitiu cair e dando um tapa leve no braço do namorado
respondeu com um quê de diversão na voz.
— Seu bobo, é
claro que eu te amo... E muito. — declarou por fim, enquanto sentia um beijo
suave ser depositado na sua testa.
— Então está tudo
resolvido! Você não tem de provar nada ou oferecer nada pra mim, a gente ta
junto, e isso é o bastante, tá? Agora, antes de eu ir, me promete que vai parar
de enfiar minhoca na cabeça. Promete. — após ouvir o loiro responder com um quê
de ironia na voz que sim, “não vou botar
minha na cabeça”, Francisco o beijou uma ultima vez e saiu da loja,
informando que viria buscá-lo a tarde, como sempre.
***
Já era quase fim
do dia quando Diego recebeu um whats de Vanessa, perguntando se poderia passar
na casa dele, pois Agatha queria falar com Paulo. Ela ainda complementou,
pedindo desculpas pela hora e que imaginava que ele e Marcelo estariam
cansados, mas foi o único horário em que conseguiu pensar, pois era quando saia
do trabalho no salão de beleza.
“Sem problema, Van. Pode vir. O Paulo vai
ficar feliz. Na verdade, ele tem estado bem chateado esses dias”. — enviou
Diego, recebendo logo em seguida uma resposta.
“Obrigada. Peço desculpas por ter deixado ele
assim, mas acredito que é a Agatha quem tem de querer se desculpar e contar
tudo a ele, se eu só a forçasse, não daria muito certo... Vou buscá-la com a minha
mãe e passo na casa de vocês por volta das 19h00. Espero não ter problema”.
— Diego sorriu e disse que estaria
esperando.
***
Mayara disse para
o menino ir tomar banho enquanto ela esquentava algo para eles jantarem. Estava
esperando o micro-ondas apitar, quando ouviu o som de notificação no seu
celular.
Ela foi conferir,
achando que era Letícia ou talvez uma de suas mães, Lola era a que mexia melhor
no celular e vivia a enchendo com figurinhas fofas e mensagens de bom dia, mas,
para sua surpresa, era Diego, informando que Vanessa passaria dali algumas
horas com Agatha e perguntando se ela gostaria de ficar, para ver se as duas
crianças faziam as pazes. Respondeu que sim e em seguida voltou a se ocupar com
o jantar.
Paulo tinha acabado de
sair do banho.
***
Quando Vanessa
estacionou na frente da casa, ela ouviu a filha suspirar chateada no banco de
trás e ao olhar pelo retrovisor, encontrou a menina com uma expressão
cabisbaixa no rosto.
— Querida, se você
quiser, podemos voltar pra casa e... — mas em resposta, a menina ergueu o olhar
enquanto respondia que não.
A mãe tinha
conversado bastante com ela no dia do empurrão e Agatha entendeu que era ela
quem devia falar com o amiguinho, não só para pedir desculpas pelo que fez, mas
também para explicar o motivo que a fez agir daquele jeito. Ela não se sentia
feliz com o que tinha feito, gostava de Paulo, ele era um bom amigo e nas duas
semanas em que ficaram sem se falar, ela se sentiu triste e sozinha.
Assim que a porta
foi aberta, Agatha encontrou o menino sentado no sofá, ao lado da moça que
tomava conta dele, Mayara e ao vê-la em pé na porta de entrada, segurando a mão
da mãe, Paulo não conseguiu evitar fazer uma careta, expressando um sentimento
que ele não sabia nomear, mas que o vinha acompanhando desde aquele dia.
Desgosto.
— Paulo, a Agatha
quer conversar com você. Porque não vão brincar lá no seu quarto, enquanto a
gente toma um café? — sugeriu Marcelo, recebendo em resposta outra expressão
incomodada por parte do menino, mas que acabou acatando a sugestão e pegando a
menina pela mão, a puxou até seu quarto.
— Eles vão se
entender. — murmurou Mayara enquanto ajudava Diego a pegar algumas canecas do
armário e via Marcelo acomodar Vanessa à mesa da cozinha. Ela torcia para que
desse tudo certo, afinal, independente de ser uma “briga de crianças que passa
logo”, os dois eram amigos.
Continua...
Nota da autora:
Bom gente,
capítulo 70! Quem poderia imaginar? Eu estou feliz de ter chegado até aqui e
muito grata por vocês continuarem acompanhando.
Tivemos mais um
pouco de Francisco e Joaquim e eu quero deixar aqui claro que todos os receios
do Joaquim são baseados em declarações reais de pessoas que após saírem de um
relacionamento abusivo, ingressaram em um relacionamento saudável e ainda
assim, tinha sequelas.
Vários dos meus
personagens têm problemas e transtornos, porque pessoas de verdade são assim.
Pessoas de verdade não são totalmente boas ou más, mas sim um misto de vários
sentimentos e atitudes que as tornam humanas – e eu tento trazer isso pra minha
escrita.
E no próximo
capítulo vamos descobrir porque a Agatha se comportou daquele jeito agressivo
com o Paulo.
Obrigada por lerem
até aqui e se puderem deixar um comentário, nossa, eu ficaria muito feliz
mesmo.
Até o próximo
capítulo,
Perséfone Tenou
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