sábado, 16 de março de 2024

Lar é onde o coração está - capítulo 71

 

Estavam brincando de montar as peças de lego em silencio já fazia quase 10 minutos. Paulo se sentia incomodado com o silencio da menina, mas achou melhor não cutucá-la para falar, até que...



— Sabe... A namorada do meu pai vai ter um bebê... — a menina falou sem desviar os olhos das peças de plástico que estava conectando. Paulo permaneceu em silencio.

— E... Da ultima vez que eu passei o dia com ele, ela me puxou de lado e disse que por isso, eu não seria mais... Importante pro meu pai... — a voz da menina tremeu e ela largou as pecinhas com que estava brincando.

— E tem mais! — ela disse com a voz embargada de choro e enquanto finalmente olhava para ele, exibindo um rosto repleto de tristeza.

— O meu pai vai trabalhar em outra cidade... E eles vão se mudar daqui... — ela limpou o nariz que tinha começado a escorrer e então se sentou encolhida, abraçando os joelhos.

— Minha mãe diz que ele vai continuar vindo me ver, mas eu sei que não... Ele já não tem vindo sempre, morando aqui, então quando mudar, vai vir menos ainda... — Paulo viu a menina erguer o rosto coberto de lágrimas e fixar o olhar nele e sentiu-se triste por ela.

— Desculpa eu ter te empurrado aquele dia e não ter falando com você, mas é que, isso me deixou muito triste e com... Com raiva! Eu ouvi a minha mãe falando com a minha avó, ela não sabia que eu tava escutando, e ela disse um monte de coisas, que meu pai só vem me buscar porque “faz parte do acordo” e por causa da “pensão ridícula”... — Paulo engatinhou até onde a menina estava encolhida e ainda chorando e passou o braço pelos ombros dela. Não disse nada, pois não sabia o que dizer, mas ficou ali com ela, até ouvir Agatha suspirar exausta e em seguida, sentir ela encostar a cabeça no seu ombro.

— Minha mãe nunca disse nada disso pra mim, ela diz que meu pai me ama e que ele quer me ver, mas eu escuto sabe? E daí eu comecei a pensar que era tudo mentira... —  O menino olhou para o rosto da amiga, como o lábio inferior tremia enquanto lágrimas escorriam pelas bochechas macias.

— Eu não queria ter feito aquilo com você aquele dia... Me desculpa! — Paulo a abraçou e sentiu a menina continuar chorando contra seu peito e em resposta, fez um afago leve nas costas dela. Ele tinha perdido ambos os pais com um intervalo mínimo de tempo e no seu caso, foi para sempre, mas, entendia o sentimento de Agatha. Por piores que eles fossem, eles ainda eram seus pais e eram importantes.

Enquanto isso, na cozinha, Vanessa contava aos três adultos como as coisas realmente aconteceram e o quanto ela estava possessa com Silas.

— ...E aquele infeliz do Silas nem teve coragem de contar pessoalmente pra Agatha que ia se mudar pra outra cidade. Como sempre, a bomba sobrou pra mim. E eu fiquei sabendo, depois que contei as “ótimas notícias” para a minha filha, que aquelazinha que ta com ele agora, falou que está grávida e que “ele não vai mais precisar de você, porque vai ficar comigo e o meu bebê” palavras daquela... — Vanessa espiou o corredor antes de dizer as ultimas duas palavras. — piranha oportunista.

Diego serviu outro refil de café para a moça que parecia uma bomba prestes a explodir, tamanha sua irritação. Mayara segurou a mão de Vanessa em um gesto silencioso de apoio e a outra sorriu.

— E daí, naquele domingo eu tinha me comprometido a levar as crianças para brincar no shopping, mas a Agatha ainda não tinha digerido bem a noticia, acho que nunca vai... E então, ela empurrou o Paulo... — Vanessa suspirou cansada, no rosto dela podia-se ver o estrago que o divorcio estava fazendo, não por causa dela, mas sim pelas consequências em Agatha.

— Eu podia ter contado pra ele, mas achei melhor a Agatha falar pessoalmente, porque acredito que ela tem de aprender a resolver os próprios problemas... Será que fui muito cruel? — como em uma resposta para a duvida de Vanessa, eles ouviram risos animados vindos do quarto no fim do corredor e então os quatro adultos trocaram olhares aliviados e Marcelo observou que “parece que você tomou a decisão certa”.

***

Miriam estava estudando como sempre, quando recebeu uma mensagem no grupo que Mayara havia criado para elas, Vanessa, Diego e Marcelo, informando que Agatha e Paulo tinham feito as pazes e isso deixou a moça aliviada e a fez tirar uma pausa dos livros para ir contar as novidades ao irmãozinho.

Desde aquele domingo, Luís andava entristecido e a situação na casa deles só piorava tudo. A avó continuava doente e acamada e seus pais se revezavam para tomar conta dela, deixando o cuidado do menino para a irmã mais velha. Miriam fazia o que podia para alegrar o menino, mas nos últimos dias estava complicado.

Ela bateu na porta do quarto, que tinha uma plaquinha de madeira com um Pikachu desenhado onde se lia “quarto do Luís” e ao espiar lá dentro, encontrou o menino jogando Mario no seu antigo super nintendo.

— Oi mocinho. Como ta o jogo? — perguntou enquanto se sentava na beira da cama de solteiro do irmão e o via pausar o vídeo-game.

— Só tou jogando pra ver se fico com sono... — ela puxou o menino com gentileza pelo braço e o colocou sentado entre suas pernas, de costas para ela e o abraçou com carinho enquanto sussurrava que tinha boas notícias.

Quando contou sobre as outras duas crianças, viu o irmão virar o rosto para ela e exibir aquele sorriso lindo que Miriam não via há dias.

Luís era uma criança muito compreensiva para a idade, ele entendia que não podia convidar os amigos para vir a sua casa, porque a avó estava doente e por isso, a casa não estava tão limpa quanto a mãe gostaria e que também pelo problema de saúde da idosa, eles não podiam fazer muitos gastos.

Ele se contentava com pouco e conseguia ser feliz com o que tinha.

— Quer jogar alguma outra coisa? Eu acho que posso tirar mais uns minutos de folga dos estudos. — sugeriu Miriam, vendo o irmãozinho saltar da cama para o console e trocar o cartucho, animado.

***

Estavam assistindo algo num streaming na tevê do quarto e Francisco acabou cochilando, fazendo com que Joaquim que não conseguia pegar no sono, levantasse e fosse até a sala. Ele então se deitou no sofá e colocou fones de ouvido para escutar alguma musica numa tentativa de vencer a insônia que estava sendo causada pelos pensamentos sobre as coisas que já tinham acontecido naquele ano e de que nem tudo havia sido bom e era isso que o estava preocupando. O pavor do que as futuras mudanças poderiam trazer para sua vida.

Queria ser menos ansioso e só “aproveitar o momento”, mas não conseguia, pois tinha a sensação de que no assim que baixasse guarda por completo, algo ruim iria acontecer. Apesar de que, naqueles cinco anos que estava com Francisco, sua ansiedade nervosa tinha dado uma boa diminuída – mas ainda estava lá.

Também esperava fazer algumas amizades no curso técnico, pois com exceção de Marcelo e Diego, que eram amigos de Francisco, ele não tinha mais ninguém. As poucas pessoas que conhecia mudaram de cidade ou até foram pra fora do país.

Pensar nisso o deixava meio deprimido, apesar de saber que não era exatamente culpa sua, mas sim de todo o isolamento social que passou desde criança e depois quando estava com o ex que sempre dava um jeito de afastá-lo de qualquer amizade, com a desculpa de que “ele não precisava de mais ninguém”.

Era nessas horas da madrugada, quando Joaquim perdia o sono e ia pra sala, que esses pensamentos brotavam. Lembranças de situações de violência que passou e pensamentos que o repreendiam por não ter visto os sinais e a culpa que colocava em si por ter demorado tanto tempo para sair daquele ciclo abusivo.

Estava começando a esfriar e por isso ele fez um chá e então se sentou na borda da janela, olhando o movimento de carros lá embaixo e pensando que, apesar de amar muito o namorado, às vezes até gostava daqueles momentos em que ficava sozinho – só não gostava dos pensamentos intrusivos que ficavam aparecendo.

Ainda assim, sentia algum orgulho de estar conseguindo recuperar o controle da sua vida, mesmo que estivesse sendo a conquista muito lenta e arrastada.

***

Já havia se passado duas semanas desde que as aulas das crianças voltaram e era véspera do Dia dos pais* e as crianças faziam lembrancinhas na aula. Agatha, no entanto, não estava chateada, pois ao contar para a mãe, a ouviu dizer.

— Querida, faça para mim. Eu vou gostar. — e com esse incentivo, a menina agora recortava o molde do que se tornaria um bloquinho de notas em forma de gravata.

Paulo pediu dois kits para a professora, pois queria fazer um para Diego e outro para Marcelo e Luís disse que seu pai estava animado para ganhar o dele. Todas as crianças pareciam animadas com seus artesanatos, com exceção de Emmanuel, que apenas colava um pedaço de papel colorido em cima do outro da forma mais desanimada possível. Ao voltar das férias, o gesso tinha sido retirado, mas o menino não parecia feliz.

— Emmanuel, o que você está fazendo? — a Profê Martha perguntou, ao que o menino, que no começo do ano era sempre mal educado e agressivo apenas respondeu com um movimento de ombros, como se dissesse “tanto faz”.

— Você não quer entregar uma lembrança bem bonita para o seu pai no Domingo? — Martha perguntou, apesar de saber a resposta. Os funcionários da escola conversavam e não foram poucas as vezes que ela ouviu as histórias sobre o pai do garoto. E claro, também tinha aquele vergão avermelhado na nuca do menino.

— Não. — o menino respondeu enquanto fungava, lançado em seguida olhares ameaçadores para o resto da turma que na mesma hora desviou o olhar.

— Tudo bem. Só tente terminar de montar então. — ela tinha tentado conversar com a direção da escola, para alertar o conselho tutelar, mas nada foi feito e isso frustrava muito a moça. Ver seus alunos apresentando marcas e hematomas e não poder fazer nada era desesperador.

Desde que eles voltaram das férias, Emmanuel não pegou no pé de Paulo nenhuma vez e isso não passou despercebido pelo menino, que também notou como o outro garoto parecia menos violento e mais triste a cada dia. Se pelo menos tivesse a certeza de que não levaria um soco ou uma rasteira, ele até tentaria se aproximar do outro menino e convidá-lo para brincar com eles no recreio. Mas a verdade era que Paulo ainda não tinha perdoado o outro pelas coisas que fez e disse, especialmente para Agatha.

No intervalo, enquanto eles estavam sentados em um dos bancos de pedra no pátio, Paulo comentou com os amigos o que eles achavam do “novo Emmanuel” ao que Agatha suspirou e revirou os olhos, para em seguida dar uma mordida na maçã que trouxe na lancheira, enquanto que Luís fez uma careta que parecia dizer “não sei, cara”.

— Eu acho que ele apanha do pai em casa. Ouvi a dona Neusa conversando com uma das tias da cozinha, quando ela me viu, mudou de assunto, mas parece que aquele gesso que ele tava usando antes das férias... — Luís contou aos outros dois que ouviram com atenção, mas sem surpresa.  

Continua...

Nota da autora:

Então, o motivo da agressividade da Agatha foi revelado e convenhamos que a menina tivesse todo o direito de sentir raiva do pai. Não é incomum, quando um casal se divorcia e então começam novos relacionamentos, que os novos parceiros às vezes são cruéis com os filhos do casamento anterior. – mas já adianto aqui que nada mais extremo vai acontecer com a menina, não tenho planos de recriar casos criminais nesta história. Também quis apresentar a postura da Vanessa, de fazer a filha resolver os próprios problemas.

E finalizamos o capítulo com um Emmanuel amuado e triste, mas os garotos ainda não engoliram tudo o que ele fez no semestre anterior para tentar se aproximar.

Faz quatro anos que eu estou escrevendo essa história e confesso que não foram poucas as vezes que eu pensei em abandonar tudo, porque eu acho que a coisa toda está ruim e fraca, mas, no fim eu acabei continuando e já estamos no capítulo 71!

Eu sei que muita gente que começou a ler, ao ver que o enredo não ia ter grandes reviravoltas ou vilões cartunescos, deve ter abandonado a história, mas “slice of life” (cotidiano) são assim, situações corriqueiras que se desenvolvem sem grandes plot twists.

Se você leu até aqui, por favor, deixe um comentário. Eu quero saber o que você está achando da história, quero ter a sua opinião.

Obrigada e até o próximo capítulo.

Perséfone Tenou

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