Diego só foi matricular o
irmão na escola na Segunda-feira. Mas, no dia anterior, descobriu algo que
Paulo fazia. O menino sabia escrever palavras básicas, além do próprio nome e a
numeração de um a dez.
Era Domingo de manhã
quando ele levantou e foi dar uma olhada no irmão. Foi quando encontrou o
garoto sentado à mesa que havia num dos cantos do quarto, com um dos lápis de
cor que Mayara deu pra ele na mão, escrevendo em um pedaço de papel.
Entrou no quarto, deixando-se
ouvir para não assustar o menino e então parou atrás dele, lendo o que estava
escrito. “Meu chamo Paulo meu aniversário
dia 13 de Abril”.
– Você sabe escrever?
Aprendeu na escola lá na outra cidade? – Paulo negou com um gesto de cabeça e
escreveu “mamãe me dava aula”. E
naquele momento Diego se sentiu a pessoa mais burra do universo. O menino já
estava com eles há quase uma semana e nem lhe passou pela cabeça perguntar se
ele sabia escrever! Isso teria facilitado um bocado de coisas.
– O que mais você sabe
escrever? – Paulo então se focou na tarefa de listar todas as palavras que
lembrava, desde “casa”, “gato” e “cão” até coisas abstratas como “feliz”,
“triste”, “com fome” e “xixi”. A
caligrafia era meio tremida, mas levando em conta que Beatriz o havia educado
em casa, era uma boa evolução.
Diego lembrou-se de algo
que tinha no armário que usava para guardas as coisas relacionadas à
imobiliária e correu até o próprio quarto para buscar. Voltou alguns segundos depois
com uma pequena lousa branca e uma caneta própria para escrever nela. Entregou
as duas peças na mão do menino, junto de um apagador de feltro e explicou que
com aquilo, eles podiam se comunicar até que Paulo recuperasse a fala.
“Legal” viu o menino escrever e acrescentar uma carinha sorridente
do lado.
Depois de trocá-lo e dar
café para o menino, Diego contou a descoberta ao marido, que olhou para o
garoto e sorriu, recebendo em troca duas palavras escritas naquela letra
tremida: “Estou feliz”.
Isso tinha sido no dia
anterior e desde então, Paulo vinha andando com a lousa debaixo do braço
durante o dia todo e naquela manhã, quando Mayara chegou, ele a cumprimentou
com “Oi May”. O “May” foi ensinado a ele por Marcelo, que segurou de leve a mão do
menino durante a primeira tentativa de escrita.
Agora, na Segunda-feira,
Diego foi até a escola do bairro, que ficava há apenas alguns quarteirões da
casa deles, matricular o irmão. Naquele momento estava sentado em uma das
desconfortáveis cadeiras da secretaria, esperando uma das mulheres atendê-lo.
– Bom dia senhor, no que posso
ajudá-lo? – uma moça miúda com grandes óculos de aros marrons apareceu na
janela sobre a qual se lia “Secretaria”.
Ele explicou a situação, sobre o irmão e a morte da mãe e seu papel como tutor
e ela então perguntou quantos anos Paulo tinha e se ele estava com a
documentação dele.
– Ele tem sete anos e
está tudo aqui, certidão de nascimento, carteira de vacinação, RG, além dos
documentos que me concedem a guarda dele como tutor. – entregou o envelope a
moça, que retirou os papéis e começou a lê-los com cuidado, foi quando ela
parou e ergueu os olhos em sua direção num olhar que era um misto de
questionamento e descrença.
– Você disse que ele tem
sete anos? – concordou com um gesto de cabeça, lembrando-se no mesmo instante
do irmão e sorrindo.
– Aqui na certidão diz
que ele nasceu em 2012, então ele tem seis anos, claro que fará sete no dia 13
de Abril, mas até lá ele tem seis anos. – esboçou um sorriso sem graça perante
a moça, que parecia julgá-lo com o olhar. “nem
sabe quantos anos tem o irmão e quer matriculá-lo na escola”.
– É, isso. Eu me
confundi. Mas, ainda assim dá pra matriculá-lo? – a moça respondeu que sim, fez
cópia de todos os documentos, entregou alguns formulários para Diego preencher
e por fim passou o nome de algumas lojas do bairro que vendiam o uniforme da
escola.
– As aulas começam dia 11
de fevereiro, é uma segunda-feira. Você matriculou ele para o período da manhã,
entrada as sete e saída ao meio-dia. Pedimos que todos os alunos tragam um
caderno brochura capa dura, no qual colamos recados impressos sobre reunião de
pais, festas da escola, gincanas e outros eventos que irão acontecer. Tem
alguma dúvida? – a moça o encarou por sobre os óculos marrons e Diego sentiu-se
desconfortável.
– Não, digo, sim! Por
conta do... Trauma que ele passou no começo do mês, meu irmão não fala, não sei
se até as aulas começarem ele vai ter voltado a falar, mas, eu só queria deixar
avisado que é um problema emocional e acredito que temporário. – viu a moça
concordar e esboçar um sorriso educado, mas frio.
– Se até o dia de começar
as aulas ele ainda não tiver voltado a falar, é só conversar com a professora.
No primeiro dia os pais e responsáveis tem permissão para acompanhar as
crianças até dentro da sala de aula. – com aquela resposta ele se sentiu um
pouquinho aliviado.
Saiu da escola um pouco
zonzo, botou a culpa no calor e comprou uma garrafinha de água em uma mercearia
pequena que ficava de frente pra escola. Mas sabia que foi a pressão de ter
errado a idade de Paulo. Mas como podia saber? Rosário lhe disse que o menino
já tinha sete anos e...
– E eu idiota nem fui conferir
nos documentos. – bufou e em seguida entrou no carro, que para sua sorte,
conseguiu estacionar na sombra perto da escola.
Antes de ir para a
imobiliária, ainda tinha tempo e por isso passou em uma das lojas indicadas
pela moça da secretaria e comprou o uniforme de Paulo. Dois jogos de camisetas,
duas bermudas, uma calça e um agasalho. Não ficou muito barato, mas ele não se
incomodou, pois ainda tinha um bom dinheiro da comissão daquela casa que vendeu
há alguns dias.
Guardou as compras no
porta-malas do carro e então foi pro trabalho.
***
Do outro lado da cidade,
Marcelo saia para ir a clinica de acupuntura, mas não sem antes levantar Paulo
do chão como um guindaste e fazê-lo ficar alguns segundos no ar. O menino ria e
aquele som era a coisa mais maravilhosa de se ouvir.
– Tchau May, tchau Paulo,
cuide bem dela! – ao que o menino rabiscou correndo na lousa “vo cuida”.
Chegou na clinica
exibindo um sorriso largo e cativante que fez a sua secretária perguntar se
havia acontecido algo de bom. Claudia sabia sobre a existência de Paulo e toda
a história que o envolvia, pois Marcelo contou no dia seguinte que o menino
chegou na casa.
– Ah nada demais, só o
irmãozinho do Diego que é uma simpatia de menino. – era engraçado como o garoto
perdeu o medo e a timidez nos poucos dias de convivência, mas, levando em
consideração as suposições do marido sobre como o padrasto tratava o garoto, era
compreensível. Qualquer pessoa gosta de ser bem tratada e crianças eram
pessoas, apesar de alguns adultos discordarem.
Naquele dia ele tinha
três pacientes agendados, mas um deles faria uma sessão longa, para o
tratamento de uma hérnia inflamada, então, seria um longo dia. Mas tudo valia à
pena, quando Marcelo pensava em Diego e em Paulo.
***
Quando Diego enfim chegou
em casa, Paulo estava de banho tomado e cabelo penteado, trajando um pijama de
verão. Ao ouvir o barulho do carro, o menino correu até a porta onde segurou a
lousa branca com as palavras “bem-vindo”,
escritas duas vezes. A primeira, na caligrafia delicada de Mayara e a segunda
na letra incerta e tremula do garoto.
Ele ouviu a moça contar
sobre o interesse do menino em aprender mais palavras novas e a sugestão dela
de no dia seguinte trazer um caderno de caligrafia para ele treinar a escrita.
Diego aprovou a ideia e então, colocando Paulo sentado no sofá, deu as notícias
sobre a matrícula dele na escola.
Esperou por qualquer tipo
de reação negativa, uma careta ou até um acesso de raiva/choro, mas para sua
surpresa o menino sorriu e escreveu “Legal”
na lousa. Estava estampado no rosto dele sua animação para aprender coisas
novas.
– Depois a gente sai pra
escolher seu material escolar. Mas o uniforme já tá aqui. Eu acho que vai
servir, mas experimenta pra mim, porque se ficar grande eu posso levar na loja
pra ajustarem. – estendeu a sacola para o garoto, que a pegou e correu até o
quarto.
Alguns minutos depois ele
apareceu usando a camiseta e a bermuda. O cumprimento de ambas estava perfeito
e quando Diego perguntou se apertava ou incomodava em algum lugar, viu o irmão
negar com a cabeça e sorrir. Ele era uma
criança tão boa que chegava quase a duvidar de que era real.
– Certo, então agora vai
lá e troca de novo pelo pijama, daí deixa o uniforme na cadeira da mesinha que
quando eu for lá guardo pra você.
– E ai, vocês já
decidiram o que vão fazer pro aniversário de casamento? – ouviu Mayara
perguntar e após se deixar largar no sofá ao lado da amiga, suspirou cansado e
respondeu que não tinha certeza.
– Mas tem de ser algo
simples, sabe? – pretendia convidar meia dúzia de pessoas, entre amigos seus e
do Marcelo e fazer algo que não desse muito trabalho. Um jantar talvez, ele
tinha algumas receitas que queria experimentar. Compartilhou o pensamento com a
moça que sorriu e disse que se precisasse de ajuda, era só chamar.
– E eu tenho coragem?
Você já tá aqui cuidando do Paulo cinco dias por semana, você me aguentar
reclamando e me dá apoio e eu vou ter cara de pau de te pedir ajuda pra
organizar a festa do meu aniversário de casamento? – ouviu ela tentar protestar
e dizer que eles pagavam ela para cuidar do menino, mas Diego a impediu de
continuar.
– É o mínimo que a gente
pode fazer, May. Eu nunca que aceitaria você fazer isso de graça. – a discussão
podia ter continuado por horas, mas Paulo entrou na sala, olhando de Mayara
para Diego e escreveu na lousa branca “Vocês tão brigando?”
– Não, claro que não! A
gente tá conversando. É que às vezes os adultos falam meio alto, mas ninguém
está bravo com ninguém aqui. Vem sentar aqui com a gente e vamos ver desenho
até o Marcelo chegar, tá? – falou Diego, para em seguida olhar para a moça e
perguntar se tinha problema levá-la para casa um pouco mais tarde.
– Nenhum problema! Eu
adoro a companhia desse rapazinho aqui. – falou ela enquanto carregava Paulo
para cima do espaço entre os dois no sofá. E embalado pela presença
acalentadora dos dois, o menino cochilou, mas acordou quando ouviu o carro do
acupunturista chegando.
A vidinha dele estava
ficando agradável pela primeira vez na vida e Paulo pensou que podia gostar
daquilo, mas na verdade, a palavra que ele não conseguia achar era “acostumar”, ele podia se acostumar com
aquilo.
***
Naquela noite, depois de
colocarem Paulo para dormir, Diego contou sobre a matrícula do garoto e a
situação desconfortável que passou ao informar a idade errada do irmão.
– A mulher me olhou como
se eu fosse alguma criatura de outro mundo, sabe? Quero dizer, claro que eu
devia ter conferido os documentos, mas, eu estava tão agitado com a chegada
dele e tentando dar um apoio emocional e... – sentiu os lábios mornos de
Marcelo contra os seus em um beijo suave. Às vezes o outro fazia aquilo quando
ele começava a ficar muito ansioso.
– Eu entendi. É tudo novo
e estranho, de repente se tornar responsável por uma criança. Mas acredite você
está indo muito bem e sabe né? Qualquer coisa eu estou aqui pra dar um apoio. E
falando nisso, acho que também deveria ajudar com os gastos com ele, não é? –
Diego esboçou uma expressão de surpresa e leve ofensa, que não passou
despercebida por Marcelo.
– Eu sei que ele é seu
irmão e que você é o tutor dele, mas somos casados, é como se o Paulo fosse
minha responsabilidade também, sabe? Então, me promete que no futuro, quando
você for comprar algo pra ele, que vai me avisar pra eu ajudar. – outro beijo
suave que fez um estalo baixo quando os lábios se separaram e Diego encarou
aquele homem que ele achava tão bonito e incrível, sorrindo para ele e respirou
fundo, soltando o ar em um silvo baixo.
Não queria admitir, mas
era orgulhoso e não costumava aceitar que outras pessoas lhe oferecessem ajuda,
independente do que fosse a situação, mas, naquele momento sentiu que se
recusasse o pedido do marido, seria como se estivesse o excluindo da criação do
menino.
– Tá bem. Sábado eu vou
no centro com ele pra comprar o material de escola. Se você estiver de folga,
pode vir junto e ajudar a pagar as coisas, o que acha? – sentiu os dedos mornos
retirando algumas mechas de cabelo da sua testa com carinho.
– É um ótimo plano. –
assunto resolvido, Diego apagou a luz do abajur no seu lado da cama e deitou
sobre o tórax morno do marido, adormecendo rápido. Ainda tinham de conversar
sobre a comemoração do aniversário de casamento, mas, tinham alguns dias.
***
Nos dias que se seguiram,
Mayara ajudou o menino a escrever palavras novas e ele era um aluno esforçado e
treinou por horas, totalmente absorto no caderno de caligrafia que ela
trouxe. E tanto a letra quanto o
vocabulário dele vinham aumentando com rapidez.
Ele não via a hora de as
aulas começarem e nas ultimas noites vinha sonhando em como seria encontrar
outras crianças e fazer novos amigos e o mais importante, aprender coisas
diferentes.
Continua...
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