sábado, 19 de setembro de 2020

Lar é onde o coração está - capítulo 07

Diego só foi matricular o irmão na escola na Segunda-feira. Mas, no dia anterior, descobriu algo que Paulo fazia. O menino sabia escrever palavras básicas, além do próprio nome e a numeração de um a dez.

Era Domingo de manhã quando ele levantou e foi dar uma olhada no irmão. Foi quando encontrou o garoto sentado à mesa que havia num dos cantos do quarto, com um dos lápis de cor que Mayara deu pra ele na mão, escrevendo em um pedaço de papel.

Entrou no quarto, deixando-se ouvir para não assustar o menino e então parou atrás dele, lendo o que estava escrito. “Meu chamo Paulo meu aniversário dia 13 de Abril”.

– Você sabe escrever? Aprendeu na escola lá na outra cidade? – Paulo negou com um gesto de cabeça e escreveu “mamãe me dava aula”. E naquele momento Diego se sentiu a pessoa mais burra do universo. O menino já estava com eles há quase uma semana e nem lhe passou pela cabeça perguntar se ele sabia escrever! Isso teria facilitado um bocado de coisas.

– O que mais você sabe escrever? – Paulo então se focou na tarefa de listar todas as palavras que lembrava, desde “casa”, “gato” e “cão” até coisas abstratas como “feliz”, “triste”, “com fome” e “xixi”. A caligrafia era meio tremida, mas levando em conta que Beatriz o havia educado em casa, era uma boa evolução.

Diego lembrou-se de algo que tinha no armário que usava para guardas as coisas relacionadas à imobiliária e correu até o próprio quarto para buscar. Voltou alguns segundos depois com uma pequena lousa branca e uma caneta própria para escrever nela. Entregou as duas peças na mão do menino, junto de um apagador de feltro e explicou que com aquilo, eles podiam se comunicar até que Paulo recuperasse a fala.

Legal” viu o menino escrever e acrescentar uma carinha sorridente do lado.

Depois de trocá-lo e dar café para o menino, Diego contou a descoberta ao marido, que olhou para o garoto e sorriu, recebendo em troca duas palavras escritas naquela letra tremida: “Estou feliz”.

Isso tinha sido no dia anterior e desde então, Paulo vinha andando com a lousa debaixo do braço durante o dia todo e naquela manhã, quando Mayara chegou, ele a cumprimentou com “Oi May”. O “May” foi ensinado a ele por Marcelo, que segurou de leve a mão do menino durante a primeira tentativa de escrita.

Agora, na Segunda-feira, Diego foi até a escola do bairro, que ficava há apenas alguns quarteirões da casa deles, matricular o irmão. Naquele momento estava sentado em uma das desconfortáveis cadeiras da secretaria, esperando uma das mulheres atendê-lo.

– Bom dia senhor, no que posso ajudá-lo? – uma moça miúda com grandes óculos de aros marrons apareceu na janela sobre a qual se lia “Secretaria”. Ele explicou a situação, sobre o irmão e a morte da mãe e seu papel como tutor e ela então perguntou quantos anos Paulo tinha e se ele estava com a documentação dele.

– Ele tem sete anos e está tudo aqui, certidão de nascimento, carteira de vacinação, RG, além dos documentos que me concedem a guarda dele como tutor. – entregou o envelope a moça, que retirou os papéis e começou a lê-los com cuidado, foi quando ela parou e ergueu os olhos em sua direção num olhar que era um misto de questionamento e descrença.

– Você disse que ele tem sete anos? – concordou com um gesto de cabeça, lembrando-se no mesmo instante do irmão e sorrindo.

– Aqui na certidão diz que ele nasceu em 2012, então ele tem seis anos, claro que fará sete no dia 13 de Abril, mas até lá ele tem seis anos. – esboçou um sorriso sem graça perante a moça, que parecia julgá-lo com o olhar. “nem sabe quantos anos tem o irmão e quer matriculá-lo na escola”.

– É, isso. Eu me confundi. Mas, ainda assim dá pra matriculá-lo? – a moça respondeu que sim, fez cópia de todos os documentos, entregou alguns formulários para Diego preencher e por fim passou o nome de algumas lojas do bairro que vendiam o uniforme da escola.

– As aulas começam dia 11 de fevereiro, é uma segunda-feira. Você matriculou ele para o período da manhã, entrada as sete e saída ao meio-dia. Pedimos que todos os alunos tragam um caderno brochura capa dura, no qual colamos recados impressos sobre reunião de pais, festas da escola, gincanas e outros eventos que irão acontecer. Tem alguma dúvida? – a moça o encarou por sobre os óculos marrons e Diego sentiu-se desconfortável.

– Não, digo, sim! Por conta do... Trauma que ele passou no começo do mês, meu irmão não fala, não sei se até as aulas começarem ele vai ter voltado a falar, mas, eu só queria deixar avisado que é um problema emocional e acredito que temporário. – viu a moça concordar e esboçar um sorriso educado, mas frio.

– Se até o dia de começar as aulas ele ainda não tiver voltado a falar, é só conversar com a professora. No primeiro dia os pais e responsáveis tem permissão para acompanhar as crianças até dentro da sala de aula. – com aquela resposta ele se sentiu um pouquinho aliviado.

Saiu da escola um pouco zonzo, botou a culpa no calor e comprou uma garrafinha de água em uma mercearia pequena que ficava de frente pra escola. Mas sabia que foi a pressão de ter errado a idade de Paulo. Mas como podia saber? Rosário lhe disse que o menino já tinha sete anos e...

– E eu idiota nem fui conferir nos documentos. – bufou e em seguida entrou no carro, que para sua sorte, conseguiu estacionar na sombra perto da escola.

Antes de ir para a imobiliária, ainda tinha tempo e por isso passou em uma das lojas indicadas pela moça da secretaria e comprou o uniforme de Paulo. Dois jogos de camisetas, duas bermudas, uma calça e um agasalho. Não ficou muito barato, mas ele não se incomodou, pois ainda tinha um bom dinheiro da comissão daquela casa que vendeu há alguns dias.

Guardou as compras no porta-malas do carro e então foi pro trabalho.

***

Do outro lado da cidade, Marcelo saia para ir a clinica de acupuntura, mas não sem antes levantar Paulo do chão como um guindaste e fazê-lo ficar alguns segundos no ar. O menino ria e aquele som era a coisa mais maravilhosa de se ouvir.

– Tchau May, tchau Paulo, cuide bem dela! – ao que o menino rabiscou correndo na lousa “vo cuida”.

Chegou na clinica exibindo um sorriso largo e cativante que fez a sua secretária perguntar se havia acontecido algo de bom. Claudia sabia sobre a existência de Paulo e toda a história que o envolvia, pois Marcelo contou no dia seguinte que o menino chegou na casa.

– Ah nada demais, só o irmãozinho do Diego que é uma simpatia de menino. – era engraçado como o garoto perdeu o medo e a timidez nos poucos dias de convivência, mas, levando em consideração as suposições do marido sobre como o padrasto tratava o garoto, era compreensível. Qualquer pessoa gosta de ser bem tratada e crianças eram pessoas, apesar de alguns adultos discordarem.

Naquele dia ele tinha três pacientes agendados, mas um deles faria uma sessão longa, para o tratamento de uma hérnia inflamada, então, seria um longo dia. Mas tudo valia à pena, quando Marcelo pensava em Diego e em Paulo.

***

Quando Diego enfim chegou em casa, Paulo estava de banho tomado e cabelo penteado, trajando um pijama de verão. Ao ouvir o barulho do carro, o menino correu até a porta onde segurou a lousa branca com as palavras “bem-vindo”, escritas duas vezes. A primeira, na caligrafia delicada de Mayara e a segunda na letra incerta e tremula do garoto.

Ele ouviu a moça contar sobre o interesse do menino em aprender mais palavras novas e a sugestão dela de no dia seguinte trazer um caderno de caligrafia para ele treinar a escrita. Diego aprovou a ideia e então, colocando Paulo sentado no sofá, deu as notícias sobre a matrícula dele na escola.

Esperou por qualquer tipo de reação negativa, uma careta ou até um acesso de raiva/choro, mas para sua surpresa o menino sorriu e escreveu “Legal” na lousa. Estava estampado no rosto dele sua animação para aprender coisas novas.

– Depois a gente sai pra escolher seu material escolar. Mas o uniforme já tá aqui. Eu acho que vai servir, mas experimenta pra mim, porque se ficar grande eu posso levar na loja pra ajustarem. – estendeu a sacola para o garoto, que a pegou e correu até o quarto.

Alguns minutos depois ele apareceu usando a camiseta e a bermuda. O cumprimento de ambas estava perfeito e quando Diego perguntou se apertava ou incomodava em algum lugar, viu o irmão negar com a cabeça e sorrir.  Ele era uma criança tão boa que chegava quase a duvidar de que era real.

– Certo, então agora vai lá e troca de novo pelo pijama, daí deixa o uniforme na cadeira da mesinha que quando eu for lá guardo pra você.

– E ai, vocês já decidiram o que vão fazer pro aniversário de casamento? – ouviu Mayara perguntar e após se deixar largar no sofá ao lado da amiga, suspirou cansado e respondeu que não tinha certeza.

– Mas tem de ser algo simples, sabe? – pretendia convidar meia dúzia de pessoas, entre amigos seus e do Marcelo e fazer algo que não desse muito trabalho. Um jantar talvez, ele tinha algumas receitas que queria experimentar. Compartilhou o pensamento com a moça que sorriu e disse que se precisasse de ajuda, era só chamar.

– E eu tenho coragem? Você já tá aqui cuidando do Paulo cinco dias por semana, você me aguentar reclamando e me dá apoio e eu vou ter cara de pau de te pedir ajuda pra organizar a festa do meu aniversário de casamento? – ouviu ela tentar protestar e dizer que eles pagavam ela para cuidar do menino, mas Diego a impediu de continuar.

– É o mínimo que a gente pode fazer, May. Eu nunca que aceitaria você fazer isso de graça. – a discussão podia ter continuado por horas, mas Paulo entrou na sala, olhando de Mayara para Diego e escreveu na lousa branca “Vocês tão brigando?

– Não, claro que não! A gente tá conversando. É que às vezes os adultos falam meio alto, mas ninguém está bravo com ninguém aqui. Vem sentar aqui com a gente e vamos ver desenho até o Marcelo chegar, tá? – falou Diego, para em seguida olhar para a moça e perguntar se tinha problema levá-la para casa um pouco mais tarde.

– Nenhum problema! Eu adoro a companhia desse rapazinho aqui. – falou ela enquanto carregava Paulo para cima do espaço entre os dois no sofá. E embalado pela presença acalentadora dos dois, o menino cochilou, mas acordou quando ouviu o carro do acupunturista chegando.

A vidinha dele estava ficando agradável pela primeira vez na vida e Paulo pensou que podia gostar daquilo, mas na verdade, a palavra que ele não conseguia achar era “acostumar”, ele podia se acostumar com aquilo.

***

Naquela noite, depois de colocarem Paulo para dormir, Diego contou sobre a matrícula do garoto e a situação desconfortável que passou ao informar a idade errada do irmão.

– A mulher me olhou como se eu fosse alguma criatura de outro mundo, sabe? Quero dizer, claro que eu devia ter conferido os documentos, mas, eu estava tão agitado com a chegada dele e tentando dar um apoio emocional e... – sentiu os lábios mornos de Marcelo contra os seus em um beijo suave. Às vezes o outro fazia aquilo quando ele começava a ficar muito ansioso.

– Eu entendi. É tudo novo e estranho, de repente se tornar responsável por uma criança. Mas acredite você está indo muito bem e sabe né? Qualquer coisa eu estou aqui pra dar um apoio. E falando nisso, acho que também deveria ajudar com os gastos com ele, não é? – Diego esboçou uma expressão de surpresa e leve ofensa, que não passou despercebida por Marcelo.

– Eu sei que ele é seu irmão e que você é o tutor dele, mas somos casados, é como se o Paulo fosse minha responsabilidade também, sabe? Então, me promete que no futuro, quando você for comprar algo pra ele, que vai me avisar pra eu ajudar. – outro beijo suave que fez um estalo baixo quando os lábios se separaram e Diego encarou aquele homem que ele achava tão bonito e incrível, sorrindo para ele e respirou fundo, soltando o ar em um silvo baixo.

Não queria admitir, mas era orgulhoso e não costumava aceitar que outras pessoas lhe oferecessem ajuda, independente do que fosse a situação, mas, naquele momento sentiu que se recusasse o pedido do marido, seria como se estivesse o excluindo da criação do menino.

– Tá bem. Sábado eu vou no centro com ele pra comprar o material de escola. Se você estiver de folga, pode vir junto e ajudar a pagar as coisas, o que acha? – sentiu os dedos mornos retirando algumas mechas de cabelo da sua testa com carinho.

– É um ótimo plano. – assunto resolvido, Diego apagou a luz do abajur no seu lado da cama e deitou sobre o tórax morno do marido, adormecendo rápido. Ainda tinham de conversar sobre a comemoração do aniversário de casamento, mas, tinham alguns dias.

***

Nos dias que se seguiram, Mayara ajudou o menino a escrever palavras novas e ele era um aluno esforçado e treinou por horas, totalmente absorto no caderno de caligrafia que ela trouxe.  E tanto a letra quanto o vocabulário dele vinham aumentando com rapidez.

Ele não via a hora de as aulas começarem e nas ultimas noites vinha sonhando em como seria encontrar outras crianças e fazer novos amigos e o mais importante, aprender coisas diferentes.

Continua...


Nenhum comentário:

Lar é onde o coração está

Sinopse: A vida de Diego mudou completamente quando ele recebeu uma ligação num Domingo de manhã, informando que sua mãe, com quem ele n...