sábado, 10 de outubro de 2020

Lar é onde o coração está - Capítulo 10

Era a primeira semana de Fevereiro, Paulo já estava com eles há quase um mês. E naquela semana Rosário viria fazer sua visita mensal para conferir se o garoto estava sendo bem cuidado. Diego estava confiante, afinal o menino não só estava com uma aparência mais saudável e tinha ganhado um pouco de peso, como também estava escrevendo melhor e mais palavras. O vocabulário dele tinha aumentado bastante nas ultimas semanas.

Naquele momento Mayara estava sentada ao sofá com outro livro nas mãos, aquele que ela lia antes fora substituído por este, que tinha uma capa estranha, amarela com um ursinho de pelúcia deformado e letras em relevo, as quais Paulo com esforço conseguiu ler uma palavra comprida que não entendia o que significava. “A incendiária”.

Enquanto a moça lia, ele se dividia entre copiar palavras da cartilha que ela tinha trazido e ouvir o episódio do desenho sobre dois irmãos que inventavam coisas malucas nas férias de verão. E foi quando aconteceu, ele começou a falar.

– Eu sinto falta da minha mãe. – foi a primeira coisa que saiu da sua boca em um timbre baixíssimo e que de primeira passou despercebido por Mayara, mas quando ele repetiu a frase com mais clareza, ela fechou o livro e sentou ao lado do menino próximo a mesinha de centro.

– Ela devia ser muito legal. – a moça respondeu, sem fazer qualquer alarde com o fato do menino estar falando.

– Sim, a gente ia na videoloucadora e pegava uns DVDs de desenho, daí em casa ela fazia pipoca e nós comia enquanto via os filme. – ele falava como escrevia, mas para alguém que estava há um mês sem dizer uma palavra, aquilo era um motivo de comemoração.

– Eu quero ela de volta! – e então o menino explodiu num choro dolorido e soluçado que cortou o coração da moça. Ela o abraçou da melhor forma que pode e o deixou chorar. Não o repreendeu e nem tentou acalmá-lo. Paulo estava finalmente colocando para fora a dor e o luto da perda da mãe.

O choro durou quase quinze minutos, nos quais Mayara apenas o amparou e afagou seus cabelos com carinho até o choro se transformar em soluços doloridos e então em fungadas úmidas.

– Eu não queria chorar, mas não consegui... – ele a encarou com aqueles grandes olhos castanhos e a ponta do nariz que exibia um tom arroxeado. A moça secou uma ultima lágrima que escorria pela bochecha macia do menino e colocando-o no sofá e sentando-se ao seu lado, ela disse com uma voz calmante.

– Não tem nada de errado em chorar. Na verdade, chorar faz bem sabe? Ajuda a gente a colocar pra fora tudo que nos deixa triste. Se alguém te disser que chorar é feio, só porque você é um menino, essa pessoa é boba e não sabe de nada. – ele abraçou Mayara e sentiu as mãos macias dela fazerem um cafuné nos seus cabelos.

– Você quer que eu faça um pouco de pipoca? A gente pode assistir um dos DVDs que eu trouxe. – o menino lançou um olhar culpado para os exercícios de caligrafia, ao que Mayara falou “Você já estudou bastante hoje, vamos fazer uma sessão de cinema, que acha?”

O resto do dia foi agradável. Paulo contou a May sobre suas coisas favoritas, além do herói aracnídeo. Ele também gostava de Pokémon, Bob Esponja e jogar vídeo-game.

***

Estava atualizando algumas planilhas de vendas na imobiliária, quando recebeu uma mensagem de Mayara e ao ler o conteúdo, seu coração deu um pulo no peito e um sorriso surgiu no seu rosto.

Oi Di,

Queria te avisar que o Paulo voltou a falar.

Por favor, finja ser algo natural ou ele pode ficar assustado

Respondeu com “Okay, pode deixar” e depois copiou e reenviou a mensagem para Marcelo que respondeu com alguns emojins, um de sorriso e alguns de comemoração.

No dia anterior tinha recebido uma mensagem de Rosário informando que ela iria no dia seguinte visitá-los por volta das seis da tarde para conferir como Paulo estava. Mas, agora sabendo que o menino estava falando de novo, Diego sentia-se mais motivado a receber a assistente social.

Ele e Marcelo já tinham combinado de tentar chegar cedo em casa e pedir que Mayara ficasse mais um pouquinho, para que Rosário a conhecesse.

***

Quando abriu a porta da casa, foi recebido pelo irmãozinho que gritou seu nome a plenos pulmões – “Diego!” – e então correu para abraçá-lo. Hoje fazia exatamente 1 mês que Paulo estava com eles e a mudança no comportamento do menino era mais que visível. No primeiro dia ele parecia um ratinho assustado e com receio da própria sombra, mas agora, enquanto abraçava a perna de Diego e erguia o rosto para exibir aquele sorriso largo e cativante, não havia sinal de medo naqueles grandes olhos castanhos brilhantes.

– Oi rapaz, como foi o dia hoje com a May? – deixou as pastas que trazia em cima de uma mesinha ao lado da porta e pegou o menino no colo, ouvindo-o falar sobre as coisas que tinha feito. A voz dele era animada e com um timbre normal para um garoto de sete – seis – anos.

– Que legal! Então que tal agora você ir tomar um banho, porque a Rosário vai passar por aqui logo. – o rosto do menino se iluminou com a informação de que a assistente social viria vê-lo e saiu em disparada para o banheiro, fechando a porta com alegria.

Diego então ouviu o som do carro de Marcelo entrando na garagem e esperou na porta para recebê-lo. Trocaram um beijo rápido, mas apaixonado e entraram para finalmente conversar com Mayara, que os observava em pé, ao lado do sofá.

– Então ele voltou a falar? – Marcelo perguntou enquanto dava um beijo de cumprimento no rosto da moça, que contou aos dois tudo o que aconteceu naquele dia, incluindo a crise de choro.

– Parece que finalmente a informação de que a mãe não está mais aqui chegou até ele. Pode ser que o Paulo tenha outras crises de choro nos próximos dias, então, é preciso que vocês tenham muita paciência com ele. – ela falou enquanto juntava as coisas que trazia sempre para passar o dia com o menino.

– Ele tá parecendo uma matraquinha, Marcelo! Falou um monte de coisas seguidas pra mim, assim que eu entrei. – Diego contou, maravilhado.

– Então, eu acho que vou indo, a gente se vê amanhã rapazes. – Mayara já estava com a bolsa no ombro e indo em direção a porta quando Marcelo perguntou se ela poderia ficar mais alguns minutos.

– É que a assistente social do caso dele vem hoje e a gente queria te apresentar pra ela, sabe, pra mostrar que o Paulo está sendo bem cuidado. – viu uma expressão meio sem jeito surgir no rosto de Mayara e quando perguntou se havia algo errado, a moça contou que tinha um encontro.

– A gente se conheceu numa das lojas do centro no final de semana e marcamos de sair hoje. Mas acho que posso mandar um whats avisando que vou me atrasar um pouco. – ao saber da informação, ambos tentaram persuadir a moça a ir, mas ela afirmou que queria conhecer a assistente social.

– a Letícia é legal, vai entender o meu atraso. – era a segunda moça que Mayara namorava na vida, por receio dos julgamentos de terceiros, já que era filha de um casal de lésbicas, mas especialmente pelo fato de que tinha dificuldades para se conectar emocionalmente as pessoas. 

– Que bom, trás ela semana que vem aqui pro nosso jantar de aniversário. Se você quiser e se ela aceitar, claro. – disse Diego enquanto ia atender a campainha que estava tocando.

Ao abrir a porta, encontrou Rosário em pé segurando uma prancheta e sorrindo de forma educada. Ele a convidou a entrar ao mesmo tempo em que ouvia a porta do banheiro se abrindo.

Apresentou Mayara à assistente social e explicou o que a amiga fazia durante a semana, a moça por sua vez contou que vinha ajudando Paulo a escrever e ler e mostrou alguns dos exercícios que ele fez na cartilha.

– Oi! – a palavra soou como um assovio alto dentro da sala. Paulo estava em pé próximo a entrada da sala/cozinha vestindo seu pijama favorito e com o cabelo penteado e úmido.

– Oi, mocinho. Tudo bem? – respondeu Rosário enquanto se abaixava para abraçá-lo. Ele a apertou com força, mas não era um abraço assustado, mas sim, só cheio de saudade.

A assistente social conversou um pouco com o menino em particular, perguntando como estavam as coisas, se alguém tinha feito algo que o deixou chateado, triste ou assustado e ao ouvir as respostas negativas do garoto, sempre complementadas pelo largo sorriso bonito, ela se deu por satisfeita e passou para a segunda parte da visita, em que conversaria com os responsáveis.

Mayara já havia ido, não sem antes dar um beijo estalado na bochecha de Paulo e desejar boa noite ao menino e “prazer em conhecê-la” para Rosário.

Paulo tinha ido dormir, após se despedir de Rosário e dar um abraço no irmão e em Marcelo.

***

Diego contou a ela sobre a matrícula do menino na escola, a notícia de que ele havia voltado a falar naquele dia, o passeio ao shopping e ao cinema e o comportamento educado e gentil dele diariamente. Para sua ansiedade, Rosário apenas anotava as coisas na prancheta e quase não falava, exceto quando fazia novas perguntas.

Ao ir embora, a mulher convidou os dois a acompanharem-na até o carro e antes de entrar, ela se virou e disse.

– Vocês estão fazendo um trabalho exemplar com ele. Jamais imaginei que o Paulo voltaria a falar após apenas um mês do trauma, mas ali está ele, uma vitrolinha movida a pilha de falar. – ela abriu a porta do carro e sentou no banco do motorista.

– Queria que todas as minhas visitas domiciliares fossem assim tão adoráveis. – disse num murmúrio mais para si do que para eles, mas Marcelo a ouviu.

Ela fechou a porta e abriu o vidro da janela, informando que voltaria no mês que vem, no mesmo dia e horário para uma nova visita. E apesar de confirmar que era claro o fato de que Paulo estava sendo bem cuidado, era parte das normas de acompanhamento.

– Precisamos ter certeza de que ele está em um ambiente domiciliar estável. É parte do processo. Mas, mais uma vez, vocês estão de parabéns. – ela se despediu e saiu com o carro em velocidade média, desaparecendo na curva da esquina.

Eles se olharam e sorriram, estavam fazendo a coisa certa.


Continua...


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Sinopse: A vida de Diego mudou completamente quando ele recebeu uma ligação num Domingo de manhã, informando que sua mãe, com quem ele n...