sábado, 21 de novembro de 2020

Lar é onde o coração está - Capitulo 13

Uma meia hora antes de o pessoal chegar, Diego tomou uma segunda taça de vinho, mesmo sob os alertas de Marcelo pra que ele maneirasse, ao que ele respondeu que tava tudo bem, “você sabe que eu tenho tolerância alta pra bebida”. Desde aquela manhã Marcelo notou que havia algo de errado no comportamento do marido, ele parecia deprimido, apesar de fazer todos os esforços possíveis pra esconder isso. 

***

Quando abriu a porta, Diego encontrou todos ali reunidos na frente do portão, ele sorriu e ao convidá-los para entrarem, os cumprimentou com um abraço rápido. No cômodo principal, Paulo estava sentado no sofá, assistindo a um desenho, quando viu Mayara entrar usando o vestido com estampas de morangos. Ela estava linda!

– O vestido ficou muito bom em você, May.  – viu Diego segurar a mão da moça no alto enquanto ela dava uma voltinha, fazendo a parte debaixo do vestido esvoaçar. O garoto então observou Marcelo vir do quintal e juntar-se ao grupo, lhe dando um agrado no cabelo enquanto passava pelo sofá e o fazendo sorrir. Paulo também queria ir lá, mas não tinha certeza se deveria, até que ouviu o irmão chamá-lo.

Aproximou-se com receio, querendo se esconder atrás de Diego, mas, forçando-se a continuar para não passar vergonha na frente de Mayara, a qual sorriu e afagou seus cabelos quando ele se aproximou.

– Oi rapaz, lembra de mim? – perguntou aquele homem alto com um bigode cheio e negro. Ele lembrava, não do nome, mas lembrava que ele e Marcelo conversaram no super mercado outro dia. Concordou com um gesto de cabeça enquanto encarava a todos com grandes olhos castanhos apavorados.

– Esse é o Francisco, amigo do Marcelo. – completou Diego, enquanto fazia um agrado nas costas do menino, algo na voz do irmão estava estranha e o fez pensar em certos dias quando o pai chegava em casa agressivo e violento. Em resposta, sentiu um calafrio percorrer sua espinha.  

– E aquelas ali são a Joana e a Lola, as mães da Mayara. – ouviu as senhorinhas fazerem comentários sobre como ele era um menino fofo e a cara de Diego e ficou se perguntando em silencio como elas podiam ser mães de Mayara.

Diego ouviu Francisco apresentar o namorado, Joaquim enquanto apontava para o rapaz loiro atrás dele e Marcelo tinha razão, o novo namorado era a cara de Mauro. Apertou a mão do rapaz que parecia tão desconfortável quanto Paulo naquela situação e esboçou um sorriso que esperava ser simpático.

Em seguida foi Mayara quem apresentou Letícia, ao mesmo tempo em que lançava um olhar disfarçado na direção das mães, num pedido silencioso para que Diego não perguntasse se ela era a tal “namorada”. Ele sabia que May era demi e o quanto a moça tinha receio de confirmar um relacionamento, desde o fiasco que passou há alguns anos.

Apresentações feitas e abraços de felicitação dados, Diego os convidou para se aproximarem da bancada onde estavam os pratos e a bebida e quando chegou lá, ele se serviu de uma terceira taça de vinho, ignorando o olhar preocupado de Marcelo.

Conversavam enquanto bebiam, quando Paulo se aproximou e puxou o braço do irmão, que conversava com Joaquim. Diego se abaixou para escutar e Paulo sentiu o cheiro enjoativo e adocicado no hálito do irmão e apesar dele não demonstrar nenhum comportamento agressivo, o receio do garoto aumentou.

Mesmo assim, respirou fundo e fez a pergunta que o estava incomodando, vendo Diego chamar Joana e Lola e pedindo para que repetisse a pergunta.

– Tá tudo bem, elas não vão ficar bravas. – o sorriso de Diego foi o contrapeso que aliviou sua preocupação, o pai nunca sorria quando estava daquele jeito. Então, após respirar fundo uma segunda vez, ele disse, ainda com certo receio na voz.

– Como que vocês podem ser mães da Mayara, se ela só se parece com você. – disse, apontando para Joana, que deu uma risadinha divertida.

– Bom, a Mayara não nasceu de mim e nem da Lola, mas ela é nossa filha. É filha do coração, entende? – Paulo inclinou a cabeça para o lado, para em seguida murmurar “entendi”.

– Diego, eu posso comer um pedaço de torta? – todos riram da forma como Paulo deu o assunto por encerrado e eles o viram rumar para o sofá outra vez, segurando o prato com o pedaço de torta que pediu.

– Ele é um menino incrível, Diego. – falou Joana, tomando um gole de suco enquanto observava o topo da cabeça de Paulo sentado no sofá, que com certeza devia estar com os olhos fixos na tevê.

– Com certeza ele é... E pensar que é filho daquele traste escroto do meu padrasto com a insensível da minha mãe, pelo menos alguma coisa boa saiu daquele casamento. – o comentário saiu sem pensar, mas ele falou baixo o suficiente para que o menino não ouvisse.

– Vocês sabiam que ela deixava ele me surrar sempre que ele queria e então um dia, ela viu ele me expulsar de casa quando eu ainda era menor de idade e não fez nada? Ela só ficou ali parada olhando, inútil como sempre. – o amargor e a raiva na voz de Diego eram quase palpáveis e causou desconforto nos demais presentes que desviaram o olhar para pontos diferentes do cômodo.

– Tá bom Di, eu acho que você já bebeu demais por hoje. – declarou Marcelo enquanto removia a taça meio cheia da mão do marido, que soltou um protesto sem muito entusiasmo, mas permitiu que o outro retirasse a bebida de sua mão.

– Desculpa gente, eu não costumo ser assim... – Diego respondeu enquanto se sentava em uma das banquetas próximas ao balcão. Sua cabeça estava girando e ele sentia uma vontade desesperada de chorar.

Sentiu a mão morna de Joana acariciar sua nuca com carinho enquanto ela lhe oferecia um copo de água. Droga, aquela era pra ser uma festa e eles deviam estar felizes, mas então porque se sentia tão deprimido?

Pediu licença e foi ao banheiro, onde trancou a porta e ficou encarando seu reflexo no espelho. Não era burro, sabia o que estava acontecendo, era o luto, a notícia de que a mãe que ele tanto odiou tinha enfim morrido o estava atingindo como um trem desgovernado. Mas por que agora? De todas as noites, por quê?

Durante todo o mês anterior, se ocupou com o trabalho, a casa, Marcelo e Paulo e evitou pensar naquilo. Não dava tempo para o pensamento de perda ocupar sua mente.

Enquanto isso na sala, Marcelo tentava manter os ânimos leves, conversando com os convidados, perguntando da loja de sabonetes de Lola e Joana, como Mayara e Letícia se conheceram e há quanto tempo Joaquim e Francisco estavam juntos. As conversas foram se entrelaçando e quando viu que todos estavam enturmados, se afastou silencioso do grupo e rumou até o banheiro, onde bateu na porta.

– Di, tá tudo bem? – a voz de Marcelo o arrancou do pensamento depressivo em que tinha se metido. Fungou e assou o nariz, lavou o rosto e quando achou que a sua aparência estava aceitável, abriu a porta, encontrando o outro em pé do outro lado.

– Tá tudo ótimo. Você tinha razão, eu não devia ter bebido tanto. – respondeu enquanto esboçava um sorriso, o qual sabia que era forçado. Podia sentir a pressão que fazia para esticar os músculos.

– Você não tá legal e eu quero que você converse comigo sobre isso, mas por agora vamos fingir que tá tudo bem. Vem, vamos voltar pra lá e eu te dou cobertura. – e ai estava outro dos motivos de ter se casado com aquele homem. Marcelo era sua rocha, aquele que o ajudava a ficar centrado e firme. Ele sempre lhe dava apoio.

Beijou-o com carinho nos lábios e segurando na mão dele, Diego voltou para a sala, onde, do sofá no qual estava sentado, Paulo via tudo. Não havia ouvido o comentário do irmão, mas o viu passar pelo corredor com uma expressão triste no rosto.

– Oi Paulo, o que você tá assistindo? – o garoto teve sua atenção atraída por Mayara que se sentara ao seu lado, acompanhada daquela moça alta de cabelo curto. Respondeu com o nome do desenho e ouviu a outra moça comentar que era o favorito da sobrinha dela.

– Quantos anos você tem? – Letícia perguntou, vendo Paulo erguer seis dedos, ao que ela respondeu que a menina tinha a mesma idade e que no futuro, se Paulo quisesse, ela poderia trazê-la para eles brincarem juntos, ao que o menino respondeu animado que “ia gostar muito”. Mayara estava certa, ele era mesmo um amor.

Encostados na porta que dava para o quintal, Joaquim e Francisco observavam a noite estrelada, enquanto comiam um pouco dos pratos que Diego preparou. Apesar daquela cena desconfortável, Joaquim tinha achado Diego alguém simpático e talvez se conversasse mais no futuro, pudessem até se tornar amigos.

– O marido do Marcelo guarda bastante mágoa, não? – comentou num sussurro enquanto via os dois retornarem a sala, Diego exibindo uma vermelhidão na altura das bochechas e nariz.

– E como. Depois eu te conto a história toda, se você quiser. Mas, ele não é sempre assim, na verdade, nunca conheci uma pessoa mais contida do que o Diego, desde que a gente se conheceu ele sempre teve essa mania de engolir todos os problemas e guardar tudo pra si. Hoje foi uma das poucas vezes que eu vi ele explodir assim. – respondeu Francisco ao mesmo tempo em que abraçava o namorado pelos ombros.

De volta à sala, Diego foi recebido pro Lola e Joana que o abraçaram e perguntaram se estava melhor, ao que o rapaz respondeu que estava tudo bem. Mas elas sabiam que não era assim, afinal, foram responsáveis por acolhê-lo quando ele chegou a São Paulo.

Ainda não tinham adotado Mayara, que veio quase dez anos depois, mas Joana trabalhava como voluntária num abrigo para jovens em situação de rua e ao conhecer Diego, viu que o menino estava desamparado e após resolver a papelada, conseguiu a guarda provisória do garoto. Na época ela e Lola moravam juntas há alguns anos e tinham acabado de oficializar a união. Ele nunca as chamou de mãe, mas as respeitava e amava como se elas fossem sua verdadeira família.

Quando Joana soube da história de Paulo através da filha, viu como se Diego estivesse continuando o que elas começaram, dando apoio para outra criança desamparada.

– Filho, você não precisa se fazer de forte o tempo todo. – disse Lola enquanto segurava uma das mãos de Diego, que sentiu que agora sim ia acabar desabando no choro e fazendo um papelão.

– Preciso sim, se tem uma coisa que eu aprendi na vida, Lola, é que se a gente não se mantém firme, vem uma onda grande e te destrói. – fungou uma ultima vez, mudando de assunto e perguntando o que elas tinham achado do kibe vegetariano de forno que ele fez.

– Está ótimo, querido! Foi muito gentil você preparar um prato sem carne pra gente. – o clima ficou um pouco mais leve dali em diante, apesar de Diego continuar se culpando mentalmente por ter deixado escapar aqueles comentários que vinha remoendo desde que Paulo veio morar com eles.

Conversou com Letícia e descobriu que a moça trabalhava como social mídia em uma grande empresa de alimentos e que ela gostava de ir a shows de rock e mostras de filmes estrangeiros. Marcaram de sair algum dia, pois também gostava de filmes de arte.

Relembrou de situações ridículas e hilárias com Francisco, da época em que se conheceram e relatou as histórias com detalhes para Joaquim, que ria e dizia coisas como “inacreditável, Francisco!” e “Não, ele não faria isso”.

Foi quando viu Paulo pestanejando no sofá e se deu conta de que tinha passado da hora do menino dormir. Pediu licença as pessoas e pegou o garoto no colo, levando-o para o quarto. Enquanto entrava no corredor que dava para os outros cômodos, sentiu os olhares nas suas costas e respirou fundo. Agora tinha mais um motivo pra ser forte e ele estava ali adormecido nos seus braços.

Quando Diego sumiu de vista, Lola comentou o quanto ele parecia empenhado em cuidar bem de Paulo, ao que Marcelo respondeu que o marido tinha mudado por completo desde a chegada do menino.

– É como se todo aquele ódio que ele tinha pela mãe e pelo garoto por tabela, tivesse sido removido. Ele gosta muito do Paulo e eu também. Confesso que não me imaginava sendo pai tão cedo, mas, é uma experiência agradável. – viu todos o encararem enquanto falava e sentiu o rosto esquentar.

– Vocês são bons pais, Marcelo. – Joana deu um aperto leve no seu braço e sorriu e ao ver que Diego retornou a sala, ela repetiu o comentário, deixando o rapaz meio sem graça.

A festa durou mais uma hora e então, Francisco informou que precisava ir, mas repetiu o convite de um chope na Augusta no futuro, estendendo-o para Mayara e Letícia e até Joana e Lola, que riram e responderam “Muito gentil, querido, mas deixamos de beber álcool há anos”.

Ficaram na porta se despedindo enquanto viam os convidados entrarem nos carros e partirem. Quando ficaram a sós, Diego suspirou cansado e murmurou.

– Eu fiz um baita papelão e nem posso botar a culpa na bebida. É errado se eu disser que agora, um mês depois a ficha enfim caiu e eu tou me sentindo mal de ter perdido a minha mãe, que eu sempre odiei? – encostou a testa no ombro de Marcelo, que o abraçou e sussurrou que tava tudo bem, ele não precisava se repreender por como estava se sentindo.

– Eu sou um hipócrita! – declarou e então deixou as lágrimas caírem, pela primeira vez desde que recebeu a notícia da morte de Beatriz.

– Não Di, você só é humano. A gente é complexo, nunca é oito ou oitenta, você demorou pra aceitar o luto e tá tudo bem. Agora vem, vamos dormir. – guiou o marido até o quarto e ajudou a se trocar. Ao vê-lo cair na cama, sentiu um misto de amor e pena por ele.

– Hoje é nosso aniversário de casamento e eu estraguei tudo... A gente nem vai conseguir comemorar, você sabe... Como gostaríamos. – isso era uma coisa que Diego sempre se cobrava, não satisfazer Marcelo o bastante na cama. Apesar de todas as vezes que o outro deixou claro que isso não era o mais importante no relacionamento, Diego se sentia incomodado e repreendia-se com frequência.

– Shh, shh, quietinho agora. Vamos ter muito tempo pra fazer tudo o que você quiser no futuro. Agora, você precisa dormir. Eu te amo. – beijou-o com carinho na testa, vendo as pálpebras teimosas de Diego se fechar com lentidão e o ouviu murmurar “também te amo, Ma”, para enfim adormecer.

Marcelo deitou-se ao lado do marido e deixou que ele o abraçasse de forma possessiva. Nos cantos dos olhos de Diego havia alguns sinais de lágrimas não derramadas.

Continua...

Nota da autora:

Pra quem achou que o luto tardio, tanto do Diego quanto do Paulo é algo estranho, adianto que, como alguém que perdeu a mãe há alguns anos, o luto nem sempre é algo instantâneo. Durante um bom tempo eu demorei pra aceitar o fato de que minha mãe tinha falecido.

Isso porque luto não é um comportamento padrão. Na verdade as pessoas sentem a perda de um ente querido de formas muito particulares.

Adianto aqui que no futuro teremos mais uma lemon do Marcelo com o Diego e que pretendo desenvolver os núcleos do Francisco com o Joaquim e da Mayara com a Letícia, sem claro, deixar de lado o núcleo principal e o desenvolvimento do Paulo.

Se você leu até aqui, por favor, deixe um comentário, eles são muito importantes pra eu saber que não estou escrevendo pras paredes.

Obrigada e até o próximo capítulo.

Perséfone Tenou.

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