Uma meia hora antes de o pessoal chegar, Diego tomou uma segunda taça de vinho, mesmo sob os alertas de Marcelo pra que ele maneirasse, ao que ele respondeu que tava tudo bem, “você sabe que eu tenho tolerância alta pra bebida”. Desde aquela manhã Marcelo notou que havia algo de errado no comportamento do marido, ele parecia deprimido, apesar de fazer todos os esforços possíveis pra esconder isso.
***
Quando abriu a porta,
Diego encontrou todos ali reunidos na frente do portão, ele sorriu e ao
convidá-los para entrarem, os cumprimentou com um abraço rápido. No cômodo
principal, Paulo estava sentado no sofá, assistindo a um desenho, quando viu
Mayara entrar usando o vestido com estampas de morangos. Ela estava linda!
– O vestido ficou muito
bom em você, May. – viu Diego segurar a
mão da moça no alto enquanto ela dava uma voltinha, fazendo a parte debaixo do
vestido esvoaçar. O garoto então observou Marcelo vir do quintal e juntar-se ao
grupo, lhe dando um agrado no cabelo enquanto passava pelo sofá e o fazendo
sorrir. Paulo também queria ir lá, mas não tinha certeza se deveria, até que
ouviu o irmão chamá-lo.
Aproximou-se com receio,
querendo se esconder atrás de Diego, mas, forçando-se a continuar para não
passar vergonha na frente de Mayara, a qual sorriu e afagou seus cabelos quando
ele se aproximou.
– Oi rapaz, lembra de
mim? – perguntou aquele homem alto com um bigode cheio e negro. Ele lembrava,
não do nome, mas lembrava que ele e Marcelo conversaram no super mercado outro
dia. Concordou com um gesto de cabeça enquanto encarava a todos com grandes
olhos castanhos apavorados.
– Esse é o Francisco,
amigo do Marcelo. – completou Diego, enquanto fazia um agrado nas costas do
menino, algo na voz do irmão estava estranha e o fez pensar em certos dias
quando o pai chegava em casa agressivo e violento. Em resposta, sentiu um
calafrio percorrer sua espinha.
– E aquelas ali são a
Joana e a Lola, as mães da Mayara. – ouviu as senhorinhas fazerem comentários
sobre como ele era um menino fofo e a cara de Diego e ficou se perguntando em
silencio como elas podiam ser mães de Mayara.
Diego ouviu Francisco
apresentar o namorado, Joaquim enquanto apontava para o rapaz loiro atrás dele
e Marcelo tinha razão, o novo namorado era a cara de Mauro. Apertou a mão do
rapaz que parecia tão desconfortável quanto Paulo naquela situação e esboçou um
sorriso que esperava ser simpático.
Em seguida foi Mayara
quem apresentou Letícia, ao mesmo tempo em que lançava um olhar disfarçado na
direção das mães, num pedido silencioso para que Diego não perguntasse se ela
era a tal “namorada”. Ele sabia que
May era demi e o quanto a moça tinha receio de confirmar um relacionamento,
desde o fiasco que passou há alguns anos.
Apresentações feitas e
abraços de felicitação dados, Diego os convidou para se aproximarem da bancada
onde estavam os pratos e a bebida e quando chegou lá, ele se serviu de uma
terceira taça de vinho, ignorando o olhar preocupado de Marcelo.
Conversavam enquanto
bebiam, quando Paulo se aproximou e puxou o braço do irmão, que conversava com
Joaquim. Diego se abaixou para escutar e Paulo sentiu o cheiro enjoativo e
adocicado no hálito do irmão e apesar dele não demonstrar nenhum comportamento
agressivo, o receio do garoto aumentou.
Mesmo assim, respirou
fundo e fez a pergunta que o estava incomodando, vendo Diego chamar Joana e
Lola e pedindo para que repetisse a pergunta.
– Tá tudo bem, elas não
vão ficar bravas. – o sorriso de Diego foi o contrapeso que aliviou sua
preocupação, o pai nunca sorria quando estava daquele jeito. Então, após
respirar fundo uma segunda vez, ele disse, ainda com certo receio na voz.
– Como que vocês podem
ser mães da Mayara, se ela só se parece com você. – disse, apontando para
Joana, que deu uma risadinha divertida.
– Bom, a Mayara não
nasceu de mim e nem da Lola, mas ela é nossa filha. É filha do coração,
entende? – Paulo inclinou a cabeça para o lado, para em seguida murmurar “entendi”.
– Diego, eu posso comer
um pedaço de torta? – todos riram da forma como Paulo deu o assunto por
encerrado e eles o viram rumar para o sofá outra vez, segurando o prato com o
pedaço de torta que pediu.
– Ele é um menino
incrível, Diego. – falou Joana, tomando um gole de suco enquanto observava o
topo da cabeça de Paulo sentado no sofá, que com certeza devia estar com os
olhos fixos na tevê.
– Com certeza ele é... E
pensar que é filho daquele traste escroto do meu padrasto com a insensível da
minha mãe, pelo menos alguma coisa boa saiu daquele casamento. – o comentário
saiu sem pensar, mas ele falou baixo o suficiente para que o menino não
ouvisse.
– Vocês sabiam que ela
deixava ele me surrar sempre que ele queria e então um dia, ela viu ele me
expulsar de casa quando eu ainda era menor de idade e não fez nada? Ela só ficou
ali parada olhando, inútil como sempre. – o amargor e a raiva na voz de Diego
eram quase palpáveis e causou desconforto nos demais presentes que desviaram o
olhar para pontos diferentes do cômodo.
– Tá bom Di, eu acho que
você já bebeu demais por hoje. – declarou Marcelo enquanto removia a taça meio
cheia da mão do marido, que soltou um protesto sem muito entusiasmo, mas
permitiu que o outro retirasse a bebida de sua mão.
– Desculpa gente, eu não
costumo ser assim... – Diego respondeu enquanto se sentava em uma das banquetas
próximas ao balcão. Sua cabeça estava girando e ele sentia uma vontade
desesperada de chorar.
Sentiu a mão morna de
Joana acariciar sua nuca com carinho enquanto ela lhe oferecia um copo de água.
Droga, aquela era pra ser uma festa e eles deviam estar felizes, mas então
porque se sentia tão deprimido?
Pediu licença e foi ao
banheiro, onde trancou a porta e ficou encarando seu reflexo no espelho. Não era
burro, sabia o que estava acontecendo, era o luto, a notícia de que a mãe que
ele tanto odiou tinha enfim morrido o estava atingindo como um trem
desgovernado. Mas por que agora? De todas as noites, por quê?
Durante todo o mês
anterior, se ocupou com o trabalho, a casa, Marcelo e Paulo e evitou pensar
naquilo. Não dava tempo para o pensamento de perda ocupar sua mente.
Enquanto isso na sala,
Marcelo tentava manter os ânimos leves, conversando com os convidados,
perguntando da loja de sabonetes de Lola e Joana, como Mayara e Letícia se
conheceram e há quanto tempo Joaquim e Francisco estavam juntos. As conversas
foram se entrelaçando e quando viu que todos estavam enturmados, se afastou
silencioso do grupo e rumou até o banheiro, onde bateu na porta.
– Di, tá tudo bem? – a
voz de Marcelo o arrancou do pensamento depressivo em que tinha se metido.
Fungou e assou o nariz, lavou o rosto e quando achou que a sua aparência estava
aceitável, abriu a porta, encontrando o outro em pé do outro lado.
– Tá tudo ótimo. Você
tinha razão, eu não devia ter bebido tanto. – respondeu enquanto esboçava um
sorriso, o qual sabia que era forçado. Podia sentir a pressão que fazia para
esticar os músculos.
– Você não tá legal e eu
quero que você converse comigo sobre isso, mas por agora vamos fingir que tá
tudo bem. Vem, vamos voltar pra lá e eu te dou cobertura. – e ai estava outro
dos motivos de ter se casado com aquele homem. Marcelo era sua rocha, aquele
que o ajudava a ficar centrado e firme. Ele sempre lhe dava apoio.
Beijou-o com carinho nos
lábios e segurando na mão dele, Diego voltou para a sala, onde, do sofá no qual
estava sentado, Paulo via tudo. Não havia ouvido o comentário do irmão, mas o
viu passar pelo corredor com uma expressão triste no rosto.
– Oi Paulo, o que você tá
assistindo? – o garoto teve sua atenção atraída por Mayara que se sentara ao
seu lado, acompanhada daquela moça alta de cabelo curto. Respondeu com o nome
do desenho e ouviu a outra moça comentar que era o favorito da sobrinha dela.
– Quantos anos você tem?
– Letícia perguntou, vendo Paulo erguer seis dedos, ao que ela respondeu que a
menina tinha a mesma idade e que no futuro, se Paulo quisesse, ela poderia
trazê-la para eles brincarem juntos, ao que o menino respondeu animado que “ia gostar muito”. Mayara estava certa,
ele era mesmo um amor.
Encostados na porta que
dava para o quintal, Joaquim e Francisco observavam a noite estrelada, enquanto
comiam um pouco dos pratos que Diego preparou. Apesar daquela cena
desconfortável, Joaquim tinha achado Diego alguém simpático e talvez se
conversasse mais no futuro, pudessem até se tornar amigos.
– O marido do Marcelo
guarda bastante mágoa, não? – comentou num sussurro enquanto via os dois
retornarem a sala, Diego exibindo uma vermelhidão na altura das bochechas e
nariz.
– E como. Depois eu te
conto a história toda, se você quiser. Mas, ele não é sempre assim, na verdade,
nunca conheci uma pessoa mais contida do que o Diego, desde que a gente se
conheceu ele sempre teve essa mania de engolir todos os problemas e guardar
tudo pra si. Hoje foi uma das poucas vezes que eu vi ele explodir assim. –
respondeu Francisco ao mesmo tempo em que abraçava o namorado pelos ombros.
De volta à sala, Diego
foi recebido pro Lola e Joana que o abraçaram e perguntaram se estava melhor,
ao que o rapaz respondeu que estava tudo bem. Mas elas sabiam que não era
assim, afinal, foram responsáveis por acolhê-lo quando ele chegou a São Paulo.
Ainda não tinham adotado
Mayara, que veio quase dez anos depois, mas Joana trabalhava como voluntária
num abrigo para jovens em situação de rua e ao conhecer Diego, viu que o menino
estava desamparado e após resolver a papelada, conseguiu a guarda provisória do
garoto. Na época ela e Lola moravam juntas há alguns anos e tinham acabado de
oficializar a união. Ele nunca as chamou de mãe, mas as respeitava e amava como
se elas fossem sua verdadeira família.
Quando Joana soube da
história de Paulo através da filha, viu como se Diego estivesse continuando o
que elas começaram, dando apoio para outra criança desamparada.
– Filho, você não precisa
se fazer de forte o tempo todo. – disse Lola enquanto segurava uma das mãos de
Diego, que sentiu que agora sim ia acabar desabando no choro e fazendo um
papelão.
– Preciso sim, se tem uma
coisa que eu aprendi na vida, Lola, é que se a gente não se mantém firme, vem
uma onda grande e te destrói. – fungou uma ultima vez, mudando de assunto e
perguntando o que elas tinham achado do kibe vegetariano de forno que ele fez.
– Está ótimo, querido!
Foi muito gentil você preparar um prato sem carne pra gente. – o clima ficou um
pouco mais leve dali em diante, apesar de Diego continuar se culpando
mentalmente por ter deixado escapar aqueles comentários que vinha remoendo
desde que Paulo veio morar com eles.
Conversou com Letícia e
descobriu que a moça trabalhava como social mídia em uma grande empresa de
alimentos e que ela gostava de ir a shows de rock e mostras de filmes
estrangeiros. Marcaram de sair algum dia, pois também gostava de filmes de
arte.
Relembrou de situações
ridículas e hilárias com Francisco, da época em que se conheceram e relatou as
histórias com detalhes para Joaquim, que ria e dizia coisas como “inacreditável, Francisco!” e “Não, ele não faria isso”.
Foi quando viu Paulo
pestanejando no sofá e se deu conta de que tinha passado da hora do menino
dormir. Pediu licença as pessoas e pegou o garoto no colo, levando-o para o
quarto. Enquanto entrava no corredor que dava para os outros cômodos, sentiu os
olhares nas suas costas e respirou fundo. Agora tinha mais um motivo pra ser
forte e ele estava ali adormecido nos seus braços.
Quando Diego sumiu de
vista, Lola comentou o quanto ele parecia empenhado em cuidar bem de Paulo, ao
que Marcelo respondeu que o marido tinha mudado por completo desde a chegada do
menino.
– É como se todo aquele
ódio que ele tinha pela mãe e pelo garoto por tabela, tivesse sido removido.
Ele gosta muito do Paulo e eu também. Confesso que não me imaginava sendo pai
tão cedo, mas, é uma experiência agradável. – viu todos o encararem enquanto
falava e sentiu o rosto esquentar.
– Vocês são bons pais,
Marcelo. – Joana deu um aperto leve no seu braço e sorriu e ao ver que Diego
retornou a sala, ela repetiu o comentário, deixando o rapaz meio sem graça.
A festa durou mais uma
hora e então, Francisco informou que precisava ir, mas repetiu o convite de um
chope na Augusta no futuro, estendendo-o para Mayara e Letícia e até Joana e
Lola, que riram e responderam “Muito
gentil, querido, mas deixamos de beber álcool há anos”.
Ficaram na porta se
despedindo enquanto viam os convidados entrarem nos carros e partirem. Quando
ficaram a sós, Diego suspirou cansado e murmurou.
– Eu fiz um baita papelão
e nem posso botar a culpa na bebida. É errado se eu disser que agora, um mês
depois a ficha enfim caiu e eu tou me sentindo mal de ter perdido a minha mãe,
que eu sempre odiei? – encostou a testa no ombro de Marcelo, que o abraçou e
sussurrou que tava tudo bem, ele não precisava se repreender por como estava se
sentindo.
– Eu sou um hipócrita! –
declarou e então deixou as lágrimas caírem, pela primeira vez desde que recebeu
a notícia da morte de Beatriz.
– Não Di, você só é
humano. A gente é complexo, nunca é oito ou oitenta, você demorou pra aceitar o
luto e tá tudo bem. Agora vem, vamos dormir. – guiou o marido até o quarto e
ajudou a se trocar. Ao vê-lo cair na cama, sentiu um misto de amor e pena por
ele.
– Hoje é nosso
aniversário de casamento e eu estraguei tudo... A gente nem vai conseguir
comemorar, você sabe... Como gostaríamos. – isso era uma coisa que Diego sempre
se cobrava, não satisfazer Marcelo o bastante na cama. Apesar de todas as vezes
que o outro deixou claro que isso não era o mais importante no relacionamento,
Diego se sentia incomodado e repreendia-se com frequência.
– Shh, shh, quietinho
agora. Vamos ter muito tempo pra fazer tudo o que você quiser no futuro. Agora,
você precisa dormir. Eu te amo. – beijou-o com carinho na testa, vendo as
pálpebras teimosas de Diego se fechar com lentidão e o ouviu murmurar “também te amo, Ma”, para enfim
adormecer.
Marcelo deitou-se ao lado
do marido e deixou que ele o abraçasse de forma possessiva. Nos cantos dos
olhos de Diego havia alguns sinais de lágrimas não derramadas.
Continua...
Nota da autora:
Pra quem achou que o luto
tardio, tanto do Diego quanto do Paulo é algo estranho, adianto que, como
alguém que perdeu a mãe há alguns anos, o luto nem sempre é algo instantâneo.
Durante um bom tempo eu demorei pra aceitar o fato de que minha mãe tinha
falecido.
Isso porque luto não é um
comportamento padrão. Na verdade as pessoas sentem a perda de um ente querido
de formas muito particulares.
Adianto aqui que no
futuro teremos mais uma lemon do Marcelo com o Diego e que pretendo desenvolver
os núcleos do Francisco com o Joaquim e da Mayara com a Letícia, sem claro, deixar
de lado o núcleo principal e o desenvolvimento do Paulo.
Se você leu até aqui, por
favor, deixe um comentário, eles são muito importantes pra eu saber que não
estou escrevendo pras paredes.
Obrigada e até o próximo
capítulo.
Perséfone Tenou.
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