sábado, 5 de dezembro de 2020

Lar é onde o coração está - capítulo 15

 

Assim que Paulo entrou no carro, deu de cara com Talita sentada no banco de trás. Ela parecia ter a sua idade e sorriu exibindo uma janelinha em que faltava dois dentes de leite bem na frente. A menina usava o cabelo castanho preso em duas tranças que caiam pelos ombros e vestia uma jardineira jeans vermelha com uma camiseta por baixo.

– Oi, meu nome é Talita, qual é o seu? – a ouviu disparar assim que fechou a porta de trás do carro. Paulo estava um pouco sem jeito, afinal aquela menina era a primeira criança que via em mais de um mês, mas respirando fundo respondeu que se chamava “Paulo e tinha seis anos”.

– Legal! Eu também tenho seis anos!  – a escutou responder e sentiu-se relaxar um pouco. Eles começaram a conversar sobre desenhos animados e outras coisas que eram interessantes para crianças da idade deles e muito antes de chegarem ao parque, já tinham se tornado amigos.

Nos bancos da frente, Letícia e Mayara trocaram um sorriso e um olhar cúmplice, celebrando em silencio a nova amizade que acontecia.

***

Após estacionarem no espaço reservado para os carros na frente do parque, Letícia abriu o porta-malas e entregou nas mãos das crianças duas pipas bonitas, a de Talita parecia uma enorme tartaruga transparente, com cabeça, patas e detalhes do casco em verde, enquanto que a de Paulo era um enorme polvo vermelho, que para o menino, lembrou-lhe mais uma aranha.

– Você sabe soltar pipa? – Talita perguntou enquanto corriam para dentro do parque, sob os gritos da tia de “não vão muito longe!” ao que o menino negou com um gesto de cabeça e viu a garota sorrir de novo, confiante.

– Tudo bem, eu te ensino. – Letícia gritou que ela e Mayara ficariam sob aquela arvore perto do espaço para soltar pipas e que os dois não sumissem da vista delas. As crianças gritaram que não iam sumir e correram alegres para o grande espaço de terra batida aberta do parque.

Letícia viu Mayara sacar o celular e começar a tirar fotos de Talita ensinando Paulo como botar a pipa no ar. Ela exibia um sorriso bonito e cativante que fez o coração de Letícia pulsar mais rápido. Mesmo que por enquanto elas não tivessem tido nenhum contato físico além do toque de mãos, sentia que podia esperar o tempo que fosse necessário até que a outra sentisse o mesmo que ela.

Sentou-se ao lado da moça e estendeu a toalha com estampa floral no chão, pegando o cooler que tinha trazido consigo e exibindo uma variedade de sanduíches e sucos de garrafinha.

– Você que fez? – ouviu Mayara perguntar e respondeu que se ela falava dos sanduíches, sim, tinha sido ela. Acomodou as mochilinhas das crianças ao lado do cooler e encostou-se ao tronco frondoso da arvore, suspirando. Não tinha um dia de folga há quase um mês.

Enquanto isso, as crianças corriam com as pipas e Paulo se maravilhou de ver a sua alçar voo e plainar no céu. Talita lhe disse para dar mais linha se quisesse ver ela subir mais e tomar cuidado para que não se enroscasse na das outras pessoas.

– May, olha! Tá voando! – ele gritou animado e sorrindo, ao que a moça, após responder com um gesto de positivo, tirou mais uma dezena de fotos, que enviou para Diego com a legenda “Olha esse sorriso!”.

– Eu o conheço há pouco mais de um mês e nunca o vi sorrir assim. – murmurou May enquanto pescava uma garrafinha de suco no cooler, passando por cima de Letícia e deixando seus seios roçarem no braço da moça de forma inconsciente.

– Pelo que você me contou, ele passou por um bocado de coisas tristes demais pra uma criança. – comentou Letícia enquanto respirava fundo.

– Sim, foram muitas mudanças drásticas de uma só vez. Mas, o Diego e o Marcelo o receberam bem e estão cuidando dele. Pensar que mês passado ele não falava e quase não sorria e agora olha ele ali. É como ver outra criança. – ela falava com carinho sobre o menino e isso não passou despercebido por Letícia, que sorriu.

As crianças brincaram por horas com as pipas, até que Mayara as chamou para almoçar, mas foi preciso muita persuasão pra convencê-los a vir e eles só desistiram de empinar as pipas quando ouviram “depois a gente vai tomar sorvete”.

Agora estavam os quatro sentados sobre a toalha de mesa, comendo os sanduíches e bebendo o suco das garrafinhas. Paulo alcançou sua mochila e pegou a pequena vasilha plástica com pedaços de maçã que Diego mandou. Ofereceu para as três, pois secretamente, não gostava muito de comer maçã, mas não queria voltar com o pote cheio à noite.

Descansaram quinze minutos e então, voltaram a brincar com as pipas, mas não sem antes Talita cobrar a tia da promessa de tomarem sorvete, ao que Letícia respondeu que assim que o homem com a carrocinha de sorvete passasse, ela ia comprar.

– Olha lá em tia Lê, você prometeu! Não promete pra criança o que não vai cumprir depois, hein? – Mayara deu um risinho abafado ao ouvir a menina “ameaçar” a tia, que respondeu “Eu sei, Talita”.

– O meu pai faz isso. Ele fala pra minha irmã, a mãe da Talita, sempre que ela promete algo pra menina que “quando se promete algo pra uma criança, tem de cumprir”. E esse cisco de gente ai ouviu e agora fica repetindo pra todo mundo que promete qualquer coisa pra ela. – Mayara riu ainda mais ao ouvir a explicação e enquanto ajudava Letícia a juntar os restos do picnic e chacoalhar a toalha de mesa, olhou mais uma vez para os dois brincando.

Uma meia hora depois o carrinho do sorvete passou e Letícia pegou quatro picolés. Mais fotos tiradas por Mayara para enviar a Diego, Paulo com o rosto todo sujo de sorvete de chocolate e Talita mostrando a língua colorida pelo sorvete de groselha.

Eles voltaram a soltar as pipas outra vez, enquanto Letícia ia até o carro guardar as coisas e pedia para Mayara ficar de olho nos dois. Foi quando Talita veio correndo para ela, espremendo as pernas na pose clássica de “segurar xixi”. Letícia ainda não tinha voltado, pois o estacionamento era longe de onde eles estavam.

Mayara então enviou uma mensagem informando que ia levar as crianças ao banheiro e logo voltaria para o local onde estavam. Quando estava quase entrando no espaço escrito “mulheres” sentiu a mão que segurava Paulo ser puxada e o menino a encarou com duvida.

– Ai é o banheiro das meninas, tá vendo ali May, a menininha na placa. – ela sorriu e abaixou-se até a altura do garoto para explicar que, jamais o deixaria ir sozinho no banheiro masculino, não sem um homem de confiança para acompanhá-lo. O menino então perguntou o que era um “homem de confiança” ao que ela respondeu.

– Alguém como o Diego ou o Marcelo. Uma pessoa que eu sei que vai tomar conta de você e não vai deixar nada de ruim acontecer. Então, só hoje, entra aqui comigo e a Talita, tá? – Paulo pareceu entender o risco de entrar sozinho na porta ao lado da que estava e obedeceu.

Fizeram xixi, lavaram as mãos, voltaram para perto da árvore, onde Letícia já estava esperando e então, foram andar de pedalinho. Letícia foi com Talita e Mayara com Paulo e tiraram fotos, que enviaram entre si e depois, May mandou para Diego.

O pedalinho tinha o formato de um enorme cisne de pescoço longo e foi a maior diversão para as crianças, especialmente quando elas viam um ou outro peixe do lago subir para espiar o que era aquele movimento todo.

Quando o pedalinho de Mayara e Paulo estava um pouco distante do outro, o menino disse para ela, baixinho.

– Eu tou muito feliz de estar aqui com vocês hoje. A Talita é muito legal e eu gosto da Letícia também. – May fez um cafuné na cabeça do menino e sorriu. Aquele era o jeito dele de dizer obrigado.
Quando voltaram à margem, as crianças que tinham carregado suas pipas com elas no pedalinho desceram e foram soltá-las outra vez, ao que Letícia comentou, rindo.

– De onde eles tiram tanta energia? Ah é, eles tem seis anos. – as duas começaram a comentar o quanto sentiam falta daquela vitalidade e alegria, para no fim Mayara soltar a frase.

– Parecemos duas velhas! Mas eu não fiz nem trinta ainda! – gargalharam de novo e se sentaram sob a árvore frondosa, as cabeças se tocando enquanto aproveitavam o calor morno daquela tarde de Fevereiro.

Quando enfim faltava uns quinze minutos pro parque fechar, tiveram outra disputa para convencer as crianças a virem embora, sob a promessa que voltariam no futuro, ao que Talita gritou “mas pra mim vai ser só em Julho! Isso não é justo!”, ainda assim a menina veio, segurando a pipa apertada no peito e com um beicinho irritado, enquanto que Paulo exibia um sorriso radiante e o rosto corado, recoberto de pequenas gotas de suor. A camiseta, limpíssima quando chegou, apresentava manchas de barro e terra vermelha e os cabelos também tinham uma camada substancial de terra e poeira.

Na volta para casa os dois adormeceram no banco de trás e quando chegou a hora de Paulo descer, Talita acordou e deu um abraço e um beijo no rosto do menino, prometendo que quando viesse pra São Paulo de novo, ia pedir pra tia trazê-la para brincar com ele.

Mayara tocou a campainha e viu Diego atender. Ele exibia uma expressão de alegria que ela não via há algum tempo e certa cor no rosto que denunciava... Atividades físicas diferenciadas. A moça riu.
Ela viu o amigo mandar o menino ir tomar banho e viu Paulo correr com a pipa-polvo embaixo do braço, os tentáculos longos e vermelhos esvoaçando conforme ele andava. A expressão de felicidade no rosto dele quando Letícia disse que a pipa era sua, foi indescritível.

– Parece que ele se divertiu. – comentou Diego, enquanto ouvia a porta do banheiro ser fechada. Ela viu então Marcelo se aproximar e abraçar o marido pela cintura, apoiando com delicadeza o queixo no ombro dele.

– Nem te conto o quanto, foi quase impossível fazer eles virem embora. Oi Ma, tudo bem? – ela olhou por sobre o ombro, para o carro onde Letícia esperava paciente a sua volta. A outra moça sorriu quando ela olhou para trás.

– O parque tava fechando e eles queriam continuar soltando pipa. Você viu que ele trouxe uma com ele, né? Eu prometi levá-lo lá mais vezes no futuro, se não tiver problema, claro. – em resposta ela ouviu que tinha permissão para levá-lo quantas vezes ele quisesse ir.

– Bom, mas agora é melhor eu ir, porque a Letícia ainda tem de devolver a sobrinha pra casa dos avôs. Mas, Amanhã nos vemos! Depois do meio dia, né, já que amanhã começa as aulas do Paulo.  – viu uma expressão de surpresa no rosto de Diego e sorriu, enquanto se despedia.

***

– Como eu fui esquecer que as aulas dele começam amanhã? – disse Diego incomodado. Sabia que o menino já tinha deixado tudo pronto há mais de quinze dias. O uniforme e a mochila estavam arrumados sobre a cadeira no canto do quarto.

– Será que não seria melhor eu deixar que ele falte amanhã? Ele chegou tão cansado hoje que nem sei se... – viu Marcelo fechar a porta e negar com um meneio de cabeça.

– Você sabe que o Paulo tá super animado pra começar a escola, acredito que ele não vai querer faltar amanhã não. Só tem uma coisa que a gente tem de decidir...

– O que? – perguntou Diego desconfiado.

– Quem vai levar ele pra escola. Podemos fazer um rodízio. Segunda, quarta e sexta eu levo e você leva ele nas terças e quintas. Tudo bem? – Diego sorriu e concordou e ao ouvir a porta do banheiro abrir, esperou o menino vir até a sala e lembrou-o que no dia seguinte começariam as aulas.

– Então eu vou dormir, pra acordar amanhã cedo bem legal. – sentiu o abraço morno  do garoto e viu ele abraçar Marcelo também, para em seguida dizer “boa noite” e ir pro quarto, fechando a porta ao entrar.

– Sério, às vezes eu acho que adotamos um mini adulto... – murmurou Diego, arrancando uma risada de Marcelo. Mas, para ele, o comportamento maduro do irmãozinho o incomodava, era como se o garoto quisesse controlar as situações que lhe aconteceram e mostrar que era capaz de lidar com elas sem preocupar ninguém.
Mas Diego tinha a certeza de que lá no fundo, Paulo estava sofrendo e ele queria ajudar, mas não sabia como.

Continua...
 


Nota da autora:

Como prometido, neste capitulo aqui foi apresentado o dia do Paulo no parque. Como infelizmente nunca fui ao Parque ecológico Tietê, tive de me guiar pelas fotos e filmagens do lugar. Espero que, para quem visitou, minha descrição tenha ficado fiel o bastante.

E yey, no próximo capítulo o Paulo começa a escola! E agora as coisas vão começar a esquentar.

+O que acharam da Talita? Ela é uma graça de menina, não? E como eu disse, futuramente vou apresentar mais dos outros personagens da história.

Obrigada por ler até aqui e até o próximo capítulo!

Perséfone Tenou

Nenhum comentário:

Lar é onde o coração está

Sinopse: A vida de Diego mudou completamente quando ele recebeu uma ligação num Domingo de manhã, informando que sua mãe, com quem ele n...