sábado, 12 de dezembro de 2020

Lar é onde o coração está - Capitulo 16


 

O despertador avisou com seu alarme escandaloso que era 6h30 da manhã e que Marcelo tinha de levantar. O som acordou Diego também, que fez menção de sair da cama, mas foi impedido pelo marido com um murmúrio de “hoje é a minha vez, lembra?” seguido de um beijo depositado com carinho na têmpora direita dele. Diego estava com tanto sono que acabou aceitando a sugestão de Marcelo, que apenas murmurou “Tira uma foto dele entrando na escola”, antes de ver o marido sair para bater na porta do quarto de Paulo.

O menino já estava acordado e vestindo o uniforme, mas quando perguntado se já tinha escovado os dentes e lavado o rosto, respondeu com uma negativa e uma expressão frustrada, a qual Marcelo logo fez questão de fazer desaparecer dizendo “Então vamos lá, ainda tem bastante tempo”.

Na cozinha, montaram o lanche que o garoto levaria, na lancheira térmica que vinha junto com a mochila, ambas do herói aracnídeo favorito. Suco, um sanduíche de presunto e queijo e quando Marcelo foi colocar uma maçã, Paulo o impediu enquanto olhava por sobre o ombro para o corredor que dava para os quartos e sussurrava.

– Eu não gosto de maçã. – e ficou claro que o menino não queria que o irmão o ouvisse falando aquilo, o que fez Marcelo rir baixinho enquanto substituía a fruta por alguns biscoitos simples.   

Paulo escovou os dentes de novo e então, sentando-se no banco de trás, seguro pelo cinto, eles partiram para a escola. Seu coraçãozinho parecia querer arrebentar o peito, ele estava animado, já que até então tinha sido ensinado em casa. Pela primeira vez estaria numa escola e na presença de outras crianças.

Quando Marcelo parou com o carro em frente aos portões que estavam apinhados de pais e crianças com mochilas coloridas, Paulo abriu a porta de trás, mas foi retido ao ter seu pulso esquerdo segurado.

– Antes de você ir, vamos relembrar o combinado. Quando der o sinal pra ir embora você vai ficar onde? – o menino suspirou cansado, já tinham repassado aquele diálogo várias vezes antes de saírem de casa, mas vendo o olhar preocupado de Marcelo, respondeu, enfadado.

– Do lado de dentro até eu ver a Mayara. Não devo falar com estranhos e nem aceitar carona dos pais de nenhum coleguinha. Se a Mayara não aparecer, eu vou pedir pra ligarem pra você ou pro Diego, nos telefones escritos na capa de trás do meu caderno. Agora eu posso ir? – o timbre cansado na voz do menino quase fez Marcelo rir, mas ele tinha de se manter sério.

– Exato. E sim, pode ir, mas primeiro dá aqui um abraço. – o menino fechou a porta de trás e pulou pro banco da frente, abraçando Marcelo com força. Lá no fundo, ele estava apavorado, mas não queria que ninguém soubesse.

– Tá bom então, rapaz. Boa aula e lembre-se, fique do lado de dentro do portão até a May chegar, tá bom? Te amo. – ao que Paulo respondeu baixinho “também” e saiu pela porta da frente do carro, a mochila batendo no fim das costas, o Homem-aranha em relevo brilhando sob o sol da manhã.

Marcelo ficou só mais alguns segundos olhando o menino entrar, ainda achava que devia tê-lo acompanhando, mas, foi informado que não era necessário. Tirou as fotos que prometeu para Diego e estava devaneando sobre o assunto até que ouviu uma buzina irritada do carro atrás do seu, já que ali era um espaço para “carga e descarga” da criançada. Fez um gesto com a mão pedindo desculpas e saiu. Ainda era cedo para ir até a clínica, então, passou na padaria e iria voltar para tomar café com Diego.

***

Paulo se sentia deslocado, como um alienígena que caiu na Terra por engano. Esbarrou em crianças aqui e ali, até que ouviu uma voz feminina dizer “alunos do 1º ano, aqui comigo!”. Aproximou-se meio acanhado e observou aquela moça alta e de cabelos castanhos presos em um alto rabo de cavalo que pedia para as crianças formar uma fila.

Ela guiou aquele grupo animado até a sala no primeiro andar do prédio, onde a cada quatro carteiras formavam mesas. Esperou que todos se sentassem e pendurassem suas mochilas nas costas das cadeiras para então, encostar a porta da sala e se apresentar.

– Oi pessoal, meu nome é Marta e eu vou ser a professora de vocês. Podem me chamar de Profê Marta, se vocês quiserem, tá? Agora, uma coisa muito importante. Estão vendo essas pessoinhas sentadas ai com vocês? Pois bem, elas serão seus colegas de turma e cada mesa com quatro de vocês é um grupo. Vocês vão se sentar nestes lugares e com essas pessoas durante todo o ano.

Paulo olhou para as crianças que estavam com ele e sentiu um embrulho no estomago. Eram duas meninas e um menino. A garota a sua frente sorriu, exibindo a falta de um dente superior, mas os outros dois não lhe deram muita atenção.

– Eu espero que vocês se dêem bem e que nós aprendamos muito juntos e como hoje é o primeiro dia de aula, ao invés de já começarmos com lição, que tal fazermos uma brincadeira para nos apresentarmos? – continuou Marta, sorrindo.

Ela então sugeriu que cada uma das crianças se apresentasse, em pé ou sentada (“como vocês preferirem”), falando o nome, a idade e o que tinham feito no mês de Janeiro. Começou pela fileira perto da porta, o que dava para a de Paulo, algum tempo para pensar, já que estavam mais próximos da janela, do outro lado da sala.

Ouviu várias histórias e nomes, alguns visitaram os avós, outros foram para fora do país, mas ninguém teve um começo de ano como o dele. Foi quando ao chegar na vez da sua mesa, Paulo viu a menina a sua frente se levantar confiante, respirar fundo e dizer, enquanto mantinha os olhos fixos na professora.

– Meu nome é Agatha, eu tenho sete anos e em Janeiro eu fui visitar minha avó em Natal. – um menino então gritou “Cidade do Natal?”, o que arrancou risadas de toda a sala, inclusive de Paulo, que tentou disfarçar e quando Marta conseguiu fazê-los ficarem quietos, pediu que Agatha explicasse.

– Não, não é a “cidade do Natal”, é Natal, fica lá no Nordeste do Brasil, é muito quente e faz calor e lá tem praia e tem artesanato e muitas coisas bonitas. – a menina então lançou um olhar para Paulo que sorriu envergonhado. Não sabia por que, mas tinha achado ela legal.

– E agora você, fala pra gente seu nome, quantos anos tem e o que te aconteceu em Janeiro? – ouviu a professora e viu que ela o encarava e sentiu o rosto esquentar. Preferiu se apresentar sentado.

– Meu... Nome é Paulo... Eu tenho... Seis anos, faço sete em Abril! – emendou rápido ao ouvir um murmúrio de algumas crianças no outro lado da sala. Respirou fundo antes de continuar, porque pensar no mês anterior era reviver tudo de doloroso que tinha acontecido. Pensou alguns segundos e resolveu omitir tudo que lhe trouxesse tristeza.

– E em Janeiro fui morar com meu irmão Diego e com o Marcelo. – Agatha perguntou em voz alta quem era Marcelo, ao que o menino respondeu um pouco desconfiado, que era o marido do irmão dele. Mais murmúrios e até alguns risinhos debochados por parte dos meninos e a professora pedindo silencio.

– Turma, família vem em todos os formatos, algumas crianças tem só uma mãe ou só um pai, outras tem os dois, tem crianças, tem quem é criado pelos avôs, pelos tios e tem, as que tem dois pais ou duas mães, como Paulo aqui. Não quero nenhuma piadinha sobre isso, está bem? Eu quero ouvir. – um coro desafinado de “Está bem, profê Marta” ecoou pela sala, mas Paulo sentiu que não estava nada bem.

As apresentações continuaram e ele viu o menino que estava sentado ao seu lado se afastar o máximo possível dele, quase caindo da cadeira. Mas, para sua surpresa, Agatha continuava encarando-o sorridente.

O sinal soou, informando o intervalo. Paulo não tinha ideia de quanto tempo havia passado na aula, mas parecia muito. Eles foram para o pátio, mas enquanto saia, viu o garoto que estava sentado ao seu lado conversando com a professora.

– Vamos lanchar juntos? – Agatha perguntou enquanto o pegava pela mão e puxava para fora. Ela carregava uma lancheira da Barbie e durante o recreio, trocaram alguns conteúdos das merendas.

– Onde você morava antes de vir ficar na casa do seu irmão? – ouviu a menina perguntar enquanto dava uma mordida num sanduíche. Isso fez o garoto respirar fundo e travar, pois não queria falar sobre o motivo que o trouxe para São Paulo.

– Tudo bem se não quiser falar. Mas então, como é morar com esse seu irmão? – Agatha tinha um comportamento adulto demais para uma criança de sete anos e isso deixou Paulo meio desconcertado, mas ao mesmo tempo aliviado de ela ter mudado de assunto.

– É legal, ele cuida de mim e quando eu cheguei, tinha um quarto todo só pra meu, cheio de brinquedos e... – contou sobre a adaptação ao novo lugar, o passeio que fez ao cinema e ao parque para soltar pipa e ouviu a menina dizer que também ia muito lá com o pai nos finais de semana.

– Quem sabe a gente pode ir juntos num dia desses. – concordou e continuaram conversando até que o sinal soou de novo, informando o fim do intervalo. Quando estavam voltando para a sala, alguém deu um esbarrão em Paulo, que caiu para trás. Agatha o ajudou a se levantar enquanto olhava feio pro garoto, que lhe mostrou a língua.

– Tá tudo bem? – respondeu que sim, mas ficou chateado já que o tal menino era o mesmo que estava sentado ao seu lado na sala de aula.

As horas restantes foram preenchidas com a leitura de uma historinha e mais algumas dinâmicas de interação. O curioso foi que quando Paulo entrou na sala, viu que havia outro menino sentado no lugar ao seu lado na mesa. Quando se acomodou, ouviu o garoto dizer que seu nome era Luís.

A professora informou que as “aulas de verdade” iam começar depois da semana do carnaval, para o qual a escola promoveria uma matinê com direito a confete, serpentina e os alunos fantasiados. Ela pediu que eles avisassem os pais e responsáveis da data e horário da festinha de carnaval.

Paulo ouviu o menino que estava sentado ao seu lado antes murmurar pro colega “Minha mãe não vai me deixar vir, ela diz que é coisa do diabo”. O sinal do fim das aulas soou e as crianças saíram em debandada, correndo e se atropelando em direção ao portão da escola, onde uma senhora de certa idade, identificada mais tarde como Dona Neuza, ficava em pé, segurando o portão meio aberto.

Ao contrário dos colegas, Paulo andou de vagar, acompanhado de perto por Agatha, que ao avistar o pai, um homem alto e jovem de pele morena, despediu-se do amigo dizendo que o veria de novo amanhã. Quando ele chegou enfim ao portão, viu Mayara parada em pé, olhando com certa aflição o lado de dentro da escola.

– Oi May! – disse do lado de dentro do portão, pois Dona Neuza não o deixou sair antes de ver que o menino conhecia a moça. Ela controlava a saída das crianças com um cuidado quase cirúrgico.

– E então, como foi o primeiro dia de aula? – Mayara perguntou enquanto caminhavam de volta para casa. Eram apenas alguns quarteirões, mas para ir de manhã, Diego tinha achado melhor levá-lo de carro.

– Foi legal, eu fiz uma amiga nova. – Mayara quis saber tudo sobre Agatha e por algum tempo, isso afastou a mente de Paulo do garoto que o derrubou no recreio e que pediu a professora para mudar de lugar. Ele não entendia o motivo, mas de alguma forma aquilo chateou.

 

Continua... 

 

Nota da Autora:

Então pessoal, primeiro dia de aula do nosso pequeno Paulo, o que acharam? Eu me baseei nas minhas memórias de quando, há muito tempo atrás, fui estudante do primário, mas adianto que para os capítulos futuros já pesquisei aqui sobre a grade curricular do ensino fundamental.

Agora que o Paulo vai começar a enfrentar alguns preconceitos pelo fato de ser criado por Diego e Marcelo, mas, pelo menos ele tem a Agatha pra lhe dar apoio.

Espero que tenham gostado desse capitulo, pretendo no próximo, abordar o relacionamento do Francisco com o Joaquim, em paralelo com o plot principal.

Lembre-se, comentários são muito bem-vindos e me ajudam a saber o que vocês estão achando da história e claro, se estão gostando.

Obrigada por ler até aqui e até o próximo capítulo,

Perséfone Tenou


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