domingo, 10 de janeiro de 2021

Lar é onde o coração está - Capítulo 19

Naquela tarde quando voltou para casa, Marcelo contou ao marido sobre o almoço que teve com Francisco e a sugestão dele dos quatro saírem juntos no final de semana, ao que Diego comentou em resposta que precisava conversar com Mayara, pra ver se ela não tinha compromisso e se poderia ficar com Paulo.

Estava colocando as roupas dos três e algumas peças da casa na máquina de lavar. Pretendia estender no varal ainda aquele dia, já que o uniforme de Paulo tinha voltado da escola, encardido de terra. Marcelo, que não tinha pacientes no período da manhã no dia seguinte, se comprometeu a passar as peças. Diego ligou a máquina e foi até o quarto deles, acompanhado por Marcelo que o ouvia com atenção.

– Eu não posso deixar ele sozinho em casa, nem por algumas horas. E não é só por medo de que a tutelar tome ele da gente, mas também pelo fato dele ser muito criança pra ficar sozinho. – mas afirmou que no dia seguinte, quando voltasse do trabalho, conversaria com a amiga.

– E se ela disser que não pode, a gente adia essa saída pras próximas semanas. Mas, acho legal o Francisco querer fazer o Joaquim interagir com a gente. Concordo que fisicamente ele e o Mauro são muito parecidos, mas as semelhanças terminam ai. Eu pude ver no dia da comemoração que fizemos no começo do mês. E ainda mais agora com ele perdendo o emprego, ter alguém com quem conversar é importante. – viu Diego remover a gravata e abrir a camisa, exibindo o tórax firme cor de caramelo e o ouviu soltar um suspiro cansado.

– A May disse que deu um lanche da tarde pro Paulo, mas isso já faz algumas boas horas, então acho que ele deve estar com fome de novo. Eu vou só passar uma água rápida no corpo e a gente faz o jantar, tá? – colocou a mão na maçaneta do quarto enquanto usava apenas as calças, quando sentiu seu braço ser pego pelos dedos firmes de Marcelo e então, seu corpo foi girado com delicadeza e ele experimentou os lábios mornos do outro o beijando com carinho. Sorriu por entre o beijo e envolveu a nuca do marido com o braço, acariciando os cabelos curtos dele enquanto sentia o outro braço envolver sua cintura.

Teriam avançado para algo mais tórrido, se Paulo não tivesse batido na porta perguntando quando eles iam jantar. Diego se afastou do marido, enquanto ria baixinho e então deslizava a mão espalmada no rosto do homem a sua frente. A rotina deles tinha mudado por completo, mas não era algo que o incomodava, no entanto às vezes se perguntava se Marcelo pensava da mesma forma.

– Já vamos comer, eu vou só tomar um banho rápido antes. – respondeu em voz alta para o menino e então, virando-se para Marcelo, perguntou.

– Será que você pode fazer companhia pra ele enquanto eu estou no chuveiro? – viu o marido sorrir meio chateado, mas concordar.

– Depois a gente tira o atraso, eu prometo. – Diego beijou o outro de forma rápida nos lábios e saiu para o corredor com a toalha no ombro, entrando no banheiro enquanto Marcelo levou o garoto até a sala/cozinha, onde iniciou o preparo do jantar, retirando alguns potes plásticos do congelador, para em seguida começar a fatiar alguns tomates, ao mesmo tempo em que ouvia o garoto contar animado sobre como explicou aos colegas tudo o que sabia dos dinossauros.

Marcelo sorriu e pensou que apesar da mudança completa que a vida deles sofreu com a chegada do menino, a presença de Paulo na casa tornava tudo mais feliz.

***

Entrou no apartamento e estranhou o silencio. As luzes estavam todas apagadas, com exceção de uma pequena claridade no quarto deles. Francisco tirou o paletó e após jogá-lo sobre o sofá, rumou até o lugar de onde vinha claridade e encontrou Joaquim sentado num dos lados da cama, lendo. O rapaz ergueu os olhos para ele e sorriu de um jeito cansado e então retornou a leitura.

– Oi, tá tudo bem? – sentou-se na beirada da cama, perto do namorado, que fechou o livro e o depositou na mesinha de cabeceira ao lado. Ele não parecia ter chorado, mas estava com uma expressão abatida e apática.

– Tudo, exceto que eu acho que estou com a rinite atacada, porque resolvi limpar o apartamento. – viu o loiro forçar um sorriso dolorido e espirar em seguida.

– É, eu notei que tá tudo limpinho mesmo. Agora... Uma pergunta, você... Ligou pra Helen? – ao dizer o nome da moça, viu os lábios do outro se esticarem em um sorriso diminuto e cansado, mas ele parecia feliz.

– Liguei, ela enviou a carta por e-mail logo de manhã. Eu me senti meio mal de ouvir ela ficar se desculpando por ter esquecido, mas é compreensível, com tudo o que ela ainda tinha pra resolver antes de viajar. – outro suspiro cansado e Francisco começou a suspeitar que o problema não era só a rinite.

– Daí, hoje depois que a Helen mandou a carta, eu enviei currículos para todas as vagas da área de odontologia que achei, mas não foram muitas e por isso eu acho que não vai dar em nada. – Joaquim fechou os olhos e suspirou fundo, sentindo como se houvesse um peso invisível enorme no seu peito.

– Eu não quero ser um fardo... – sussurrou de forma quase inaudível, mas Francisco o escutou e em resposta o abraçou com carinho e afagou seus cabelos, respondendo.

– Você não é um fardo, você é o meu namorado e a gente tá junto nessa, tá bem? Vai surgir alguma vaga logo, até lá, eu estou aqui pra você. – beijou o loiro na testa com carinho e sentiu as mãos mornas dele acariciarem seus cabelos, enquanto rumava para beijá-lo e então experimentou a maciez morna dos lábios dele.

Mas Joaquim precisou interromper o beijo, pescando um pacotinho de lenços de papel na gaveta da cômoda e espirrando varias vezes. Tinha mexido em algumas caixas no guarda-roupa que estavam cobertas de poeira e claro, a rinite não perdoou.

– Desculpa... Eu vou tomar alguma coisa pra alergia e daqui a pouco já vou estar melhor e então... – Francisco deu um risinho e fez um agrado nos cabelos do outro, se repreendendo mentalmente por achar que ele ficava fofo com o rosto vermelho depois de espirrar.

– Que foi? – assou o nariz e atirou a bolinha de papel na cesta de lixo perto da cama. Ele queria fazer amor com o namorado, mas seria impossível enquanto estivesse espirrando e com os olhos lacrimejantes.

– Você não precisa correr tomar o remédio. A gente pode ir com calma hoje, vamos lá na cozinha, eu faço alguma coisa pra jantarmos, daí podemos ver um filme e depois se você ainda quiser... – antes de terminar a frase, Francisco já tinha se dado conta de que falou "a coisa errada". Joaquim era muito inseguro e apesar de estarem juntos há alguns anos, essa era uma característica protetora da qual o loiro não conseguia se desfazer. O rapaz sempre achava que ele ia abandoná-lo ou que não sentia mais atração por ele ou o medo mais recorrente, de que voltaria com o ex-namorado, Mauro.

– Eu adoro fazer amor com você, eu adoro você! E sei que é difícil aceitar, afinal com tudo aquilo que você passou lá atrás, mas a coisa toda ficou lá... Pra trás, daqui pra frente eu preciso que você confie um pouco mais em mim e nos meus sentimentos por você. – pegou a mão morna de Joaquim e segurou-a entre as suas, olhando para aquelas íris claras e tremulas e a vermelhidão que estava se tornando a ponta do nariz dele e então o beijou mais uma vez, agora com todo desejo e paixão que sentia.

– É só que... Às vezes eu não consigo acreditar que a minha vida tá dando certo, pela primeira vez. Desculpa por ser tão inseguro. – sentiu os braços fortes de Francisco o abraçar e suspirou cansado, sabia que precisava fazer tanta coisa para melhorar como pessoa, mas agora tinha ainda menos recursos do que antes para isso.

– Agora vem comigo, que eu vou fazer uma comida bem gostosa pra gente. – segurou a mão macia e puxou-o para fora da cama, até a pequena cozinha, onde Francisco preparou uma comida leve e deliciosa.

Depois do jantar, eles assistiram uma série policial na netflix, Joaquim com a cabeça apoiada no ombro do namorado, que por sua vez tinha um dos braços ao redor dos seus ombros e quando o sono bateu, eles acabaram indo dormir sem fazer mais nada. Mas estava tudo bem, pois Joaquim não se sentia obrigado a satisfazer o namorado, como costumava ser quando estava com seu ex, Bruno.

***

Passaram-se alguns dias e já era Sexta-feira!

Diego tinha conversado com Mayara e se desculpado por não poder convidá-la para ir junto, mas ela disse para não se preocupar com isso e concordou em cuidar de Paulo no sábado, "Mas Domingo eu vou sair com a Letícia", avisou com antecedência, ao que Diego não apenas concordou como também comemorou, já que desde que a amiga tinha começado a sair com a outra moça, ela parecia mais feliz.

Quando Paulo saiu da aula naquela sexta, informou a Mayara que na semana seguinte aconteceria um baile de carnaval na escola e que ele ia pedir se o irmão lhe arrumaria uma fantasia de Homem-Aranha.

– Você gosta mesmo dele, não é? – a moça perguntou enquanto atravessavam na faixa de pedestres até o outro lado da rua, ao que o menino concordou com entusiasmo. Ela então o ouviu falar dos coleguinhas, Agatha e Luís, os quais informaram que viriam fantasiados de super-heróis também.

– A Agatha vai vir de Mulher-Maravilha e o Luís vai ser o Thor. Mas, teve uma coisa meio chata quando a Profê Marta falou do baile... Tem esse menino na minha turma, ele se chama Emanuel e ele é muito chato! Ele disse bem alto que não ia vir porque baile de carnaval é coisa do diabo. May, isso é verdade? – eles já estavam há apenas alguns metros de casa, mas Mayara sentiu que precisava dar uma resposta que acalmasse o menino.

– É meio complicado de explicar, mas, para certas pessoas, existem coisas que não são vistas como boas, por causa... Er... De algumas coisas regras religiosas que elas seguem. – viu os olhos castanhos do menino se arregalar e ele concordar com um movimento seco de cabeça.

– Meu pai também dizia que o carnaval era uma coisa feia. Mas eu não vejo nada de feio em ir pular carnaval na escola. Sabe May, eu tinha muito medo de fazer alguma coisa ruim que me mandaria pro inferno. Meu pai dizia que qualquer coisa que eu fizesse podia me mandar pra... você sabe... "Lá pra baixo". – o menino fez um gesto apontando para a calçada.

– Mas agora você sabe que não tem nada de ruim em pular carnaval com seus coleguinhas na escola. Inclusive! Eu vou te trazer um grande saco de confete pra você jogar na criançada, o que acha? – a expressão do menino se abriu naquele sorriso bonito que ela tanto gostava. Chegaram em frente a casa e Mayara pescou as chaves na bolsa, abrindo o portão e em seguida a porta da casa e gritando para que Paulo fosse tomar um banho e trouxesse as roupas sujas depois.

Enquanto ela preparava um almoço para os dois, sua cabeça não parava de repetir a conversa que tiveram na vinda para casa. O menino foi criado sob o medo e a ameaça de punição independente do que fizesse, até os seis anos! Isso não era vida. Apavorar uma criança com uma punição invisível e privá-la de fazer ou dizer coisas que podem ajudá-la a crescer como pessoa era algo horrendo!

Mas para seu alivio, o menino não parecia ficar remoendo aqueles pensamentos e quando voltou para a sala, estava de banho tomado, usando um conjunto de camiseta e bermuda do Homem-Aranha e com o uniforme sujo embaixo do braço.

Mayara deixou a comida esquentando e o ajudou a colocar as peças na maquina de lavar. "Vamos ajudar seu irmão e o Marcelo que voltam cansados do trabalho". Então almoçaram, lavaram a louça, com Paulo em cima de uma cadeira, encarregado dos objetos de plástico.

Como ainda era a primeira semana e ele não tinha lição de casa, ficaram assistindo desenhos na tevê e jogaram alguns jogos de tabuleiro que Mayara tinha trazido.

Quando Diego chegou em casa, foi recebido com um abraço do menino, que repetiu o gesto com a mesma animação ao ver Marcelo entrando na casa meia hora depois. Ouviu sobre o dia do garoto enquanto trocava um olhar com Mayara, que sorria sentada no sofá.

E antes de ir embora, a moça comentou o que Paulo tinha lhe contado mais cedo, não só sobre as ameaças de punição eterna, mas também sobre o tal garoto que com certeza era o mesmo que implicava com Paulo na escola e por fim, falou da fantasia de Homem-Aranha que o menino disse que ia pedir.

– Eu não sei se ele vai pedir mesmo, o Paulo é um garoto muito tímido, mas achei que devia avisar vocês. Ele está super animado com o baile de carnaval na escola.

Diego se ofereceu para levá-la até em casa e a moça aceitou, mas antes de entrar no carro, disse para os dois.

– Amanhã eu venho lá pelas oito da noite e fico até vocês chegarem.

Seria a primeira vez no ano que eles iam sair com outros adultos.


Continua...

Nota da autora:

********Antes de tudo, uma informação. 

Semana que vem (final de semana dos dias 16 e 17 de Janeiro) eu terei um compromisso, por isso o capítulo será postado ou na sexta-feira, dia 15 ou na segunda-feira dia 18. ********

Agora, por onde eu começo?

Se ainda tem alguém lendo essa história, quero primeiro agradecer por não desistir de acompanhar. E se você acompanha direitinho, deve ter notado que semana passada, (dias 09 e 10 de Janeiro de 2021) não houve atualização e o motivo é simples. Eu estava desmotivada para continuar.

Escrever por conta, sem editora, sem publicar comercialmente, sem publico consumidor é algo que suga a energia da gente e faz questionar se vale mesmo à pena continuar produzindo. Agora note, eu não disse que vou parar, mas sim que eu me questiono o tempo todo sobre a relevância do que eu produzo.

Agora, eu não vou exigir nada de você que está lendo isso. Comentários devem ser dados de bom grado pelos leitores, não exigidos ou chantageados por parte dos autores. É só que às vezes eu coloco tanto empenho nas coisas (não só nas histórias, eu tenho vários outros projetos gratuitos) e a falta de retorno é esmagadora e deprimente.

Bom, esse é o motivo de não ter tido capitulo semana passada (o que não vai fazer muita diferença se você estiver lendo esta história daqui alguns meses ou anos), mas eu achei que devia uma explicação.

Sobre o capítulo, como vocês puderam notar, a criação sufocante do Paulo até antes de vir morar com o irmão ainda o influencia de forma negativa, assim como o passado abusivo do Joaquim. Minha ideia nesta história é mostrar que homens podem ser vitimas de relacionamento abusivo, que meninos podem ser sensíveis, que certos comportamentos sufocantes são ruins para o desenvolvimento de uma pessoa e que uma criança que sofreu uma perda pode em alguns momentos regredir no comportamento (como por exemplo, nos primeiros capítulos, quando o Paulo fez xixi na cama).

Eu sei que tinha prometido uma lemon do Francisco com o Joaquim pra este capítulo, mas, eu não quero transformar a história num cabide pra um monte de cenas de sexo aleatórias. A cena vai acontecer, mas não foi neste capítulo.

Enfim, quero agradecer mais uma vez as pessoas que acompanham esta história e adiantar que consegui retomar algumas outras que estão em publicação (e uma que por enquanto ainda não está aqui neste site) e que pretendo atualizá-las em breve.

Enfim, obrigada e até o próximo capítulo. 


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