domingo, 27 de dezembro de 2020

Lar é onde o coração está - Capitulo 18

Naquela manhã, enquanto levava Paulo para a escola, Diego conversou com o menino e frisou o quão importante era que ele contasse caso alguma coisa de ruim acontecesse no futuro durante o tempo que ele estivesse na escola.

– E isso não é nada errado, viu? Você pode confiar no Marcelo e eu. Nós vamos estar sempre aqui pra te proteger. – pelo retrovisor, via o menino concordar com gestos de cabeça com uma expressão animada.

Parou o carro em frente à escola e ajudou Paulo a pular para o banco da frente, onde o garoto lhe deu um abraço apertado e se despediu. Diego viu uma menina da altura de Paulo se aproximar e dar tapinhas gentis no ombro do garoto. Devia ser Agatha.

E enquanto entrava na sala de aula, Paulo sorriu, pois pela primeira vez desde que se entendia por gente, estava se sentindo confiante, sabendo que o irmão e Marcelo iam dar apoio para ele, já que até então seu pai sempre dizia para ele engolir o choro e “enfrentar feito homem” e que “homem nunca pede ajuda”.

***

As mães de Mayara não estavam muito bem de saúde, Joana pegou outro resfriado e Lola reclamava de um peso no peito e apesar da insistência da filha, nenhuma das duas aceitava ir ao médico. Por isso, Mayara se ofereceu para cuidar da loja de sabonetes durante o período da manhã, enquanto Paulo estava na escola.

Elas protestaram, dizendo que a moça tinha de se focar em encontrar um emprego na sua área de formação, mas May sabia que isso não seria fácil. O país estava com cada vez menos vagas disponíveis, menos ainda se contar as das áreas sociais, como era o caso dela, formada em pedagogia.

Na verdade, o Brasil estava indo de mal a pior com aquele crápula no poder e a cada novo absurdo que saia na tevê e nos jornais, ela sentia que ia ter uma crise de ansiedade forte o bastante para fazê-la ser internada. Mas, sempre repetia para si mesma de que não podia se permitir isso, ela tinha suas mães para cuidar, além de todas as pessoas que ficariam preocupadas com ela. No entanto, estava ficando difícil se manter firme vivendo naquele momento da história do país.

Sua atenção foi atraída pelo sininho em cima da porta, que tocava toda vez que alguém entrava na loja. Respirou fundo e colocou seu melhor sorriso de vendas no rosto. O dia estava começando.

***

Ele se remexeu na cama e olhou o rádio-relógio na mesa de cabeceira. Marcava 7h15 da manhã. Ao esticar o braço para o lado, descobriu que Francisco não estava deitado ao seu lado e quando ouviu sons de tilintar na cozinha, se sentiu tranquilo, ao saber que o namorado ainda estava em casa.

Ao olhar-se no espelho do banheiro, sentiu um embrulho no estômago. Estava com olheiras feias e olhos inchados e vermelhos. Tinha chorado até dormir no dia anterior e ao ver o resultado, sentiu um misto de raiva e vergonha.

Rumou para a pequena cozinha do apartamento, encontrando Francisco já vestido de terno e gravata, preparando alguma coisa no fogão. Joaquim continuava usando apenas uma camiseta grande e a roupa íntima.

 – Bom dia. – murmurou meio deslocado enquanto se aproximava do namorado. O viu se virar e sorrir, o bigode escuro e farto elevando-se com os lábios, enquanto ele segurava um prato com alguma coisa.

– Oi, tá melhor? – concordou  com um meneio de cabeça, enquanto sentava-se à mesa e via Francisco depositar um prato com omelete a sua frente. Aquele era um dos seus pratos favoritos para o café da manhã e o outro sabia disso.

– Desculpa por ontem... – murmurou enquanto cutucava a comida com o garfo, evitando olhar Francisco nos olhos. Ouviu a cadeira a sua frente ser puxada e viu o namorado depositar a caneca de café na mesa.

– Não tem do que se desculpar. Você chorou ontem e daí? Não é motivo pra se envergonhar. – sentiu a mão morna e firme de Francisco segurar a sua e então, ergueu o rosto para encará-lo. Ele sorria.

– Vai ficar tudo bem. Por hoje, então descansa um pouco. Liga pra Helen e pede àquela recomendação que eu te falei, mas fique tranquilo. – sentiu o polegar dele acariciar as costas da sua mão num carinho gentil.

– Agora come, porque como dizia minha falecida mãe, “Saco vazio não para em pé”. E também, eu quero saber se acertei a receita. – Francisco disse para em seguida tomar um gole de café e ouvir Joaquim responder rindo “Então eu sou sua cobaia é?”.

– Você é meu porquinho da índia favorito. – ao fim do café, Francisco beijou-o nos lábios com ardor, deixando o loiro sem fôlego e ansioso para que o namorado voltasse logo.

– Qualquer coisa, você me manda um whats, tá bom? – concordou com um balançar da cabeça e um sorriso.

Às vezes tinha aquelas crises idiotas de ciúmes, em que enfiava na cabeça que o namorado ainda estava a fim do ex, mas quando aconteciam momentos como aquele do café da manhã, Joaquim via o quão paranoico conseguia ser de vez em quando.

Francisco foi o primeiro namorado que o respeitava como pessoa e que demonstrava querer apenas o seu bem.

Lavou a louça do café e sentou-se em frente da tevê esperando dar dez horas e poder telefonar para a Helen.

***

Naquela manhã na imobiliária, Diego levou para sua mesa uma foto que tirou com Marcelo e Paulo há alguns dias. Eles tinham ido ver uma exposição decorativa num dos shoppings da cidade. Dinossauros. Paulo parecia estar perdendo o interesse pelo Homem-aranha e começando a se interessar por aquelas criaturas pré-históricas gigantescas. Claro que ele ainda gostava do super-herói, mas os dinossauros estavam começando a ocupar um espaço importante na mente do menino.

Colocou o porta-retratos no seu cubículo e sorriu para a foto. Estavam os três na frente de uma réplica enorme de um Tiranossauro Rex com a bocarra aberta e um grito silencioso.

Ia fazer três meses que o menino estava com eles e sua opinião sobre o garoto tinha mudado por completo. Diego agora não imaginava seus dias sem Paulo fazendo parte deles.

– Ei Diego, você conseguiu alugar aquele imóvel do outro dia? – ergueu o rosto encontrando Raul apoiado na divisória dos cubículos. Ele era um rapaz negro, alto e esguio com um sorriso simpático. Trabalhavam na mesma imobiliária há quase oito anos.

– Que nada cara, a moça desistiu no ultimo instante, disse que ia pensar um pouco e isso já faz uma semana. Tá ficando difícil ganhar algum ultimamente. – viu Raul concordar com um gesto animado de cabeça, o que o fez se lembrar de Paulo.

– E essa foto nova ai? Quem e o menino? Vocês adotaram? – não escondia dentro do trabalho que era gay. Tinha decidido isso quando entrou no lugar, três antes de conhecer Marcelo. E quando se casou, contou aos colegas mais próximos, mas mais uma vez, não tentou esconder. Usava a aliança no dedo anelar da mão esquerda e colocava fotos deles juntos no seu cubículo.

– Ah é, você tava de férias quando eu contei. Esse aqui é meu irmãozinho. Filho da minha mãe com o segundo marido. Ela morreu faz uns dois meses e daí deixou por escrito que a guarda dele deveria ficar comigo. – ouviu as tão costumeiras palavras de pêsames, as quais ele aceitou por educação, pois ainda não tinha conseguido entender como lidar com o luto. Quer dizer, doía saber que ela tinha morrido, ainda era sua mãe. Mas algo egoísta e cruel lá no fundo da sua mente estava feliz que Beatriz tivesse desaparecido da terra.  

– E então, como está o cotidiano com uma criança? – A esposa de Raul estava grávida, ia nascer dali alguns meses e o rapaz parecia um misto de animação e pavor, como todo bom pai de primeira viagem.

– É bem animado, sabe? Digo, às vezes fica um pouco complicado, mas estamos nos virando bem. Uma amiga nossa está cuidando dele durante a semana depois que ele volta da escola. – conversaram mais um pouco, Raul contou que sua esposa, Luiza, estava doida para botar o bebê para fora, “Ela não consegue fazer mais nada, eu morro de dó dela e já decidimos que esse bacuri vai ser filho único”.

Mais um dia de trabalho, mas agora Diego tinha dois motivos para se dedicar.

***

Na escola, Paulo comentava com Agatha e Luís sobre a exposição dos dinossauros que foi ver com o irmão e Marcelo há algumas semanas. Os outros dois o ouviam maravilhados, até que a professora perguntou o que ele estava conversando.

Ficou meio envergonhado por ter sido pego no pulo, mas respirou fundo e respondeu que falavam sobre dinossauros. Marta então o encorajou a vir até a frente da sala e contar o que ele tinha aprendido aos colegas.

– Bom, os dinossauros viveram aqui no nosso planeta há muitos e muitos e muitos anos atrás. Eles eram uns bichos muito grandes, pareciam lagartixas gigantes e com dentes enormes. Mas nem todos comiam carne, alguns deles eram herbirovos. – Marta segurou um risinho, para não desencorajar o menino e viu os olhinhos dos alunos todos fixos no coleguinha, exceto por um.

– Eles nasciam de ovos, mas não eram pássaros e eles faziam um barulho muito alto, que nem um leão, só que mais forte. – o sinal soou informando que era hora do intervalo, mas as crianças ficaram até Paulo terminar sua explicação.

Marta estava fascinada com a memória do menino para todas aquelas informações. Ela viu então as crianças saírem, Paulo acompanhado de Agatha e Luís.

– Profê Marta! – olhou para baixo e encontrou Emanuel, o menino que tinha pedido para trocar de mesa no dia anterior.

– Sim? – ela via uma expressão de raiva e duvida no rosto do menino. Já tinha visto aquilo antes e sabia que teria problemas no futuro com os pais de Emanuel, mas, sabia que era parte de ser professora.

– Ele estava mentindo, né? Não existiu esse tipo de bicho. Minha mãe sempre diz que Deus criou tudo e que ele nunca criaria essas coisas grandes e feias. – ai, como sair daquela saia justa?

– Emanuel, meu bem, há pesquisas que provam que essas criaturas existiram há muito tempo atrás, antes até do ser humano surgir no planeta. Talvez, seja por isso que sua mãe não fale dos dinossauros. – ela já estava vendo a mãe do menino ameaçá-la com um forcado na próxima reunião de pais e mestres, mas não podia deixá-lo sem uma resposta.

– Hmm, entendi. – pareceu ser o bastante para acalmar o menino e ele saiu para o intervalo junto dos outros. Marta ficou sentada sobre a ponta da mesa pensando em como as coisas estavam ficando difíceis para os que acreditavam na ciência e na educação.

 

***

Já era hora do almoço e Marcelo se despediu de Claudia na recepção, após ter trocado algumas mensagens com Francisco e escolhido um restaurante num shopping da Paulista para se encontrarem. Tinha apenas mais dois pacientes naquele dia, uma senhora com travamento de coluna e um jovem que fazia tratamento para ansiedade.

Estava feliz de rever Francisco e poder se reaproximar do amigo depois de anos sem se falarem.

Chegou no shopping mais cedo do que o esperado e resolveu conferir os lançamentos do cinema, para ver se tinha algo em que pudessem levar Paulo no final de semana. E era isso, de dois meses para cá tudo o que ele pensava, incluía o menino e não era algo ruim. Na verdade, ficava feliz de pensar em atividades que Paulo poderia gostar ou que o fariam sorrir.

Estava pensando se ligava para a mãe e contava sobre o mais novo membro da família. Ela não fez escândalo quando ele saiu do armário, não tentou deserdá-lo ou convertê-lo em algo que não era. Gostava da mãe, Rita, mas pelo fato da mulher morar em Santos, quase não se viam e com o excesso de pacientes que vinha tendo, não conseguia ligar pra ela.

Rita gostava de Diego, ela dizia que ele era como um filho. Então pensou que talvez a mãe gostasse de saber que agora ela tinha um “neto”. Pensou em conversar com Diego antes, mas pretendia ligar para a mãe até o final de semana.

Retornou para a praça de alimentação, onde viu Francisco se destacar com seu terno escuro e aquele bigode a lá Tom Seleck. Aproximou-se do amigo que sorriu ao vê-lo e convidou-o a sentar.

– E ai Marcelo, como estão as coisas? – conversa vai, conversa vem, Francisco enfim trouxe o assunto principal.

– O Joaquim foi demitido ontem. – ouviu toda a explicação de como a dentista para qual o outro trabalhava resolveu ir estudar no exterior e anunciou que fecharia o consultório.

– Agora ele tá meio desesperado, sabe? Mas, eu não te chamei aqui pra pedir emprego pra ele, que fique bem claro. – Marcelo sorriu sem graça e pensou que não havia problema se fosse, mas ele não precisava de assistentes.

– Ele anda muito solitário e eu pensei que talvez você e o Diego quisessem sair com a gente um dia desses. Ir num barzinho, tomar um chope, falar bobagem e rir. Eu gostaria que ele tivesse alguns amigos na cidade, sabe? Alguém com quem ele pudesse conversar no futuro. – Marcelo respondeu que era uma ótima ideia, mas, fez uma anotação mental de que precisava confirmar com Diego.

– Vamos combinar isso e quem sabe esse sábado a gente marca alguma coisa. – respondeu Marcelo, levantando-se em seguida para retirar seu pedido que piscava em números vermelhos no marcados do quiosque.

Tiveram um almoço agradável, conversaram sobre de tudo um pouco. Marcelo ficou sabendo meio por cima, sobre o passado de Joaquim e então entendeu a insegurança que o rapaz devia estar passando. Prometeu entrar em contato com amigos odontologistas e ver o que conseguiria.

– Sabe Francisco, é bom poder conversar com você de novo. – declarou enquanto levava uma garfada de comida até a boca.

– O sentimento é mútuo, amigo. – o almoço foi agradável e eles se despediram combinando de saírem juntos no final de semana.   

 

Continua...

Nota da autora:

Ultimo capítulo de 2020 (mas calma, que semana que vem vai ter outro, eu não vou entrar de férias nem nada).

Aqui eu tentei cobrir o máximo de focos narrativos possíveis, espero que vocês tenham gostado. Como devem ter notado, alguns personagens têm problemas de admitir que queiram chorar ou estão se sentindo fracos, isso vem da criação abusiva e machista a qual eles foram expostos.

Também coloquei alguns elementos de atualidade, já que essa história se passa em 2019. Estou pensando se abordo a pandemia quando virar 2020 (porque essa história vai ser longa, gente!), mas tenho tentado encaixar informações e locais sem ficar algo truncado – ou pelo menos espero estar conseguindo.

Obrigada a todo mundo que tá acompanhando e que leu até aqui e adianto que semana que vem vai ter lemon do Francisco com o Joaquim! (Yey).

Feliz 2021 gente e força, saúde e esperança pra todos nós!

Perséfone Tenou

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