sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Lar é onde o coração está - Capítulo 22


 

Sentiu um soco fraco ser dado em seu queixo por uma mão pequena e quando abriu os olhos, encontrou Paulo dormindo entre ele e Marcelo. Com cuidado, abaixou o braço do menino e levantou da cama. O relógio marcava 7h45, mas não conseguia mais dormir.

Fez sua rotina matinal e então foi até a sala, onde pescou um livro da pequena estante que havia ao lado da televisão e o abriu no local com o marcador. Conforme tentava se concentrar sem sucesso na leitura, as memórias da noite anterior começavam a retornar e Diego lembrou-se envergonhado de ter chorado na frente de Marcelo.

Estava lendo pela décima vez a mesma linha quando ouviu o som da descarga e da água correndo na pia e então, passos contra o piso e ao erguer o rosto, encontrou o marido entrando no cômodo e ao vê-lo ele sorriu de forma carinhosa. O relógio da cozinha marcava 8h15.

– Acordou cedo. – recebeu um beijo gentil no topo da cabeça e outro nos lábios ao mesmo tempo em que fechava o livro. Tinha desistido de tentar ler naquela manhã.

– Fui acordado por um soco do pequeno lutador na nossa cama. Quando que ele foi parar lá? – ouviu Marcelo contar a situação da noite anterior e apesar de achar bonitinho o menino pedir para dormir ali por conta de um pesadelo, frisou que isso não podia virar uma constante.

– Na próxima vez ele precisa dormir na cama dele. – declarou, apesar de sentir que era uma ordem meio cruel, precisava impor alguns limites. Em resposta viu Marcelo concordar enquanto se sentava ao seu lado no sofá e pegava o livro das suas mãos.

– Você... Tá melhor? – a pergunta soou tão cautelosa que Diego até se sentiu um pouco incomodado. Era como se o marido estivesse pisando em ovos para falar com ele, mas, sabia que aquele era o jeito de Marcelo, sempre cauteloso e após soltar um longo suspiro cansado, respondeu que sim, estava se sentindo melhor.

– Mas eu fiquei muito envergonhado de ter de te contar aquelas coisas, eu me sinto tão... – a frase morreu na garganta enquanto ele fazia um gesto amplo com a mão. Para sua surpresa, sentiu-se ser abraçado e ter sua cabeça recostada com cuidado no ombro do outro e em um gesto reflexo, fechou as pálpebras.

Ficaram ali por um tempo que pareceu impossível de contabilizar, até Paulo aparecer na sala, usando pijamas e coçando o olho esquerdo enquanto bocejava. O menino parou há poucos metros dos dois e ficou observando-os sentados no sofá, eles estavam cochilando juntos.

Ele não entendia muito sobre a vida, afinal, ainda ia faze sete anos, mas gostava de ver o irmão e Marcelo daquele jeito, juntos. Sentia que era algo que estava certo, apesar de todas as coisas horríveis que o pai lhe disse quando ainda era vivo.

Não queria acordá-los, mas seu estomago roncou doloroso, obrigando-o a se decidir e resolvendo por cutucar o braço de Marcelo com cuidado. Algumas tentativas depois, o rapaz acordou e ao ver o menino ali em pé com o cabelo cacheado bagunçado e olhos que ainda continham um pouco de sono, sorriu.

Removeu o ombro de sob a cabeça do marido e deitou-o no sofá. Diego andava muito cansado com as correrias da imobiliária e os cuidados com Paulo e precisava descansar. Guiou então o menino até a pequena cozinha e ao perguntar o que ele queria para o café, Paulo foi categórico: Sucrilhos com leite.

Quando acordou pela segunda vez, o relógio informava que eram 12h00. Diego sentou de chofre no sofá se surpreendendo, como podia ter dormido tanto? Em seguida, ao olhar ao seu redor, viu Paulo sentado na frente do sofá, com páginas de colorir espalhadas pela mesinha de café enquanto assistia desenhos em um volume baixíssimo e então, ouviu a máquina de lavar e a mangueira esguichando água nas plantas. Marcelo estava fazendo as tarefas da casa.

– Oi mocinho. – falou enquanto acariciava os cabelos do irmão que o encarou com aqueles grandes olhos caramelo arregalados e deu um pequeno sorriso. Diego pegou o controle da tevê e ergueu o volume.

Foi até o quarto pensando em arrumar a cama, apenas para descobrir que o outro já havia feito isso também. Trocou o pijama por uma camiseta velha com a estampa de uma banda de rock e bermudas jeans desfiadas. Pelo horário, devia começar o almoço.

***

No outro lado da cidade, Francisco acordava com uma forte enxaqueca, resultado da ressaca. Joaquim tinha saído para dar uma caminhada, mas deixou um bilhete informando e dois comprimidos para dor de cabeça em cima da mesa, juntos da informação de que tinha suco na geladeira.

Francisco se surpreendeu com a notícia e enquanto engolia as pílulas com um copo de suco, pensou há quanto tempo o namorado não saia para caminhar? Ele devia estar se sentindo melhor, ao contrário dele, que acabou voltando para a cama jurando nunca mais botar nenhuma gota de álcool na boca, com exceção talvez do happy hour da empresa toda sexta-feira.

***

Estava mantendo um bom ritmo, tinha saído do apartamento e caminhado até um parque próximo sem sentir dor muscular e até agora, nenhuma câimbra. Parou perto de um bebedouro de pedra para se refrescar e recuperar o fôlego quando avistou de longe aquela moça indígena bonita que estava na festa de Marcelo e Diego, como era mesmo o nome dela? Mariana? Marina? Bom, não importava, pois com certeza ela não devia se lembrar dele e...

– Joaquim! Oi! – enxugou a boca e sorriu sem graça enquanto a via se aproximar com a outra moça que também conheceu na mesma festa. Era péssimo para lembrar nomes, então tentou ganhar tempo.

– Oi! Tudo bem com vocês? Dando uma voltinha? – ao que ambas concordaram com gestos de cabeça enquanto o ouvia falar que tinha voltado a fazer caminhada.

– Na verdade voltei hoje, mas é bom sabe? – então ficou aquele silencio desconfortável que parece que nunca vai embora, mas a moça que Joaquim chamou mentalmente de “Mariana” se apressou em preencher o vácuo.

– Bom, então a gente não quer que você perca o ânimo. Vamos indo Lê? Foi ótimo te encontrar, diz pro Francisco que eu mandei um abraço tá? – ela era tão articulada que Joaquim se sentiu até um pouco de inveja, mas era inofensiva essa sensação. Acenou para as duas que se afastavam para o outro lado do parque enquanto retomava sua caminhada, ainda tentando lembrar o nome certo da moça, que com certeza não era “Mariana”.

***

Elas tinham resolvido dar uma volta no parque e depois almoçar num pequeno restaurante vegetariano que havia ali no bairro. Mayara não se sentia confortável ainda para deixar que Letícia avançasse para algo mais físico, mas concordou que segurar a sua mão estava bem.

Sentia a palma e os dedos mornos da outra moça entrelaçando-se aos seus ao mesmo tempo em que um vento gostoso de verão balançava seus longos cabelos negros para trás. Estavam saindo há quase 15 dias e a forma como Letícia parecia não ter pressa de ter os sentimentos correspondidos era algo que deixava Mayara feliz e até, ousava dizer, aliviada, afinal, eram as cobranças por interação física e romântica logo nos primeiros dias de relacionamento que a deixavam desconcertada.

Uma coisa podia afirmar, gostava da companhia da outra. Da presença dela ao seu lado. Não podia afirmar que já estava desenvolvendo sentimentos românticos, mas ficava feliz de falar com Letícia e de vê-la e rir com ela.

– O Paulo pediu pra eu te perguntar da Talita. Ele está com saudades dela, sabe? – disse enquanto davam a volta na pista do parque, indo em direção a saída, para o carro de Letícia. Ouviu a moça falar que a sobrinha também perguntava dele e não via a hora de chegar as férias de Julho para vir ficar com os avós e sair com elas e Paulo de novo.

– Eles se deram muito bem, não é mesmo? – entraram no carro e enquanto Letícia saia da vaga, entrando na avenida, Mayara olhou pela janela e viu Joaquim uma segunda vez. O rapaz parecia concentrado em sua caminhada.

***

Já era quinta-feira quando Diego lembrou que tinha de comprar a fantasia do menino para o carnaval. A matinê na escola seria no dia seguinte e ele vinha protelando o máximo que pode, mais por conta do cansaço que seria enfrentar a multidão da 25 de março do que por ter de comprar a roupa. Mas naquela manhã, enquanto deixava Paulo na escola, decidiu que daria um jeito de descer a ladeira da rua na hora do almoço, custe o que custasse.

Ele só não contava com uma coisa, uma família que queria comprar um imóvel grande num bairro movimentado de São Paulo. Eles estavam decididos, já haviam visto o prédio antes com outro corretor, mas ao procurá-lo, descobriram que o homem tinha saído da imobiliária.

Pediu licença por alguns segundos antes de apresentar à papelada a família e fugindo até o banheiro, mandou um áudio para Marcelo, contando sobre como se atrapalhou para comprar a fantasia do menino e que agora com esse imprevisto, não sabia que horas sairia de lá. Terminou pedindo desculpas por jogar aquilo para o outro resolver e prometendo que daria um jeito de agradecer em troca.

Retornou para seu cubículo e após imprimir os documentos de compra e entrar em contato com o dono do imóvel, para que viesse até lá encontrá-los, manteve os pensamentos divididos entre o celular e a atenção para os compradores.

***

Quando ouviu a mensagem de Diego, tinha acabado de se despedir do último paciente da manhã. Entre ele e o próximo, tinha duas horas vagas. Pode sentir o desconforto na voz do outro ao fazer o pedido e pensou em responder com outra mensagem de voz, mas desistiu ao escutar que ele estava com gente na imobiliária.

– Cláudia, eu vou dar uma saída rápida, qualquer coisa você me avisa por mensagem tá bom? – pediu para a secretária que estava no telefone, agendando uma consulta e respondeu com um gesto de positivo.

Parou em um estacionamento há alguns metros da ladeira da 25 e dali foi a pé. A rua era inclinada e povoada por ambulantes em ambos os lados, além de lojas de tecidos, artigos para festa e coisas similares. Diego tinha dito que Clara, a moça responsável pela limpeza da imobiliária, lhe contou que havia uma pequena barraca logo no começo da rua em que vendiam fantasias populares para crianças, ela mesma tinha comprado uma do homem de ferro para o filho.

Estava cheio de gente para um dia de semana e o empurra-empurra era constante, mas quando aquela rua não estava movimentada? Sentia-se como dentro de um enorme formigueiro humano, com todas aquelas pessoas cheias de sacolas caminhando pela calçada estreita e se esbarrando entre si. Até que finalmente avistou a pequena banca com fantasias de personagens penduradas.

A mulher disse que custava R$50,00, mas Marcelo pechinchou e após alguns minutos de conversa, conseguiu levar por R$40,00. Era um macacãozinho de pernas e mangas curtas com a estampa da fantasia e uma máscara de plástico.

Enquanto subia a ladeira de volta, enviou uma mensagem para Diego. “Comprei”. A qual quando chegou até o outro, o fez sorrir.

***

No outro lado da cidade, Mayara tinha cumprido sua promessa e trouxe para Paulo um enorme saco de confete, o qual o menino abriu e dividiu em três saquinhos rechonchudos enquanto murmurava “esse é pra mim, esse é pra Agatha e esse é pro Luís”. Ele estava animado de participar da festinha de carnaval.

 Ao ouvir o carro do churros passar gritando na rua, Mayara perguntou se o menino queria um, foi como perguntar se galinha queria milho, pois Paulo respondeu com um sonoro “Sim!” e um pulo alto. E enquanto o menino estava distraído observando o homem fritar e rechear o doce, Mayara notou uma estranha mulher do outro lado da rua observando-os com uma expressão severa e fechada.

Tinha a pele tão branca que chegava a ser leitosa e cabelos grisalhos presos num coque apertado no alto da cabeça e trajava saia longa e blusa com estampa geométrica sóbria de mangas. Não sabia explicar, mas o jeito que aquela mulher estava olhando fixo para Paulo lhe deu calafrios e fez com que ela pagasse logo o vendedor e empurrasse o menino de volta para dentro de casa.

Minutos depois, quando espiou pela janela, a mulher não estava mais lá.

***

Quando chegou em casa, Diego já estava lá, conversando com Mayara e ouvindo sobre o dia na escola de Paulo. Ele entrou enquanto segurava o embrulho da fantasia atrás das costas e após trocar um olhar cúmplice com o marido, perguntou a Paulo.

– Advinha o que eu trouxe? – o menino arriscou várias tentativas, desde coisas de comer até livros de colorir e jogos de tabuleiro, mas no fim desistiu.

– É uma coisa sem a qual você não pode ir amanhã... – os olhos do garoto se iluminaram e ele deu pulinhos de alegria enquanto gritava “minha fantasia de homem-aranha! É, não é? É!

Ao entregar o pacote nas mãos do menino, os três adultos o viram desmanchar o papel com tanta velocidade e animação que tiveram de rir. No fim, Paulo tirou a roupa e a máscara do saco plástico e correu até o quarto para vesti-las, voltando trajado e fazendo sons “squish, squish” conforme fingia atirar teia invisível dos pulsos.

– Marcelo, olha o que a May me deu! – exibiu os saquinhos de confete, separados e lacrados com grampeador. O menino contou animado que ia dividi-los com os dois amigos da escola e em seguida abraçou Marcelo na altura das pernas, agradecendo pela fantasia.

– Foi o Diego que me pediu pra comprar. – em resposta, o garoto correu até o irmão e também o abraço, murmurando um “obrigado” abafado por sob a máscara de plástico.

A felicidade de Paulo por algo tão simples era genuína o bastante para contagiar a todos ali e durou mais alguns minutos, até Diego dizer para que ele guardasse a fantasia, se despedisse de Mayara e fosse tomar banho, coisa que o menino fez meio chateado.

– Amanhã você vai poder usar isso o quanto quiser. – declarou Diego enquanto via o irmão abraçar a moça, seguir para o quarto e alguns minutos depois, ouvir o chuveiro sendo ligado.

– Hoje eu que te levo pra casa. – declarou Marcelo sorrindo ao mesmo tempo em que olhava para Mayara.

A moça deu um beijo estalado no rosto de Diego e se despediu, dizendo que no dia seguinte viria para levar o menino à matinê, que seria das 10h00 as 14h00 na escola.

***

Estavam no carro conversando amenidades, quando Mayara se lembrou da estranha mulher que viu mais cedo e resolveu contar a situação para Marcelo. Descreveu-a com detalhes e frisou as sensações e desconforto e incomodo que sentiu ao vê-la.

– Ela olhava pro Paulo como se quisesse levá-lo embora, sabe? Pode ser coisa da minha cabeça, mas, foi muito estranho. – Marcelo ouvia com atenção e pensava se era algo que deveria comentar com Diego.

– Se essa mulher aparecer de novo, você faz como hoje. Leva o Paulo pra dentro e tranca a porta. Tá cheio de gente esquisita pelo mundo, cuidado nunca é demais. – foi o que ele disse por fim.

Despediu-se dela e esperou que entrasse em casa para só então ir embora. Durante o trajeto de volta, a expressão de felicidade no rosto do menino voltou a sua mente e o fez sentir que estavam fazendo a coisa certa.

No fim, decidiu não comentar com Diego sobre a tal mulher, o rapaz já tinha muitos problemas na cabeça para ter de lidar com mais uma suposta ameaça.

 

Continua... 

Nota da autora:

AVISO IMPORTANTE:

Gente, eu estou passando por um problema de família aqui em casa, então, com exceção do próximo capítulo que já está escrito, não tenho previsão de quando a história será atualizada.  (Fevereiro 2021).

Espero que tudo se resolva por aqui em breve e eu possa voltar a escrever e atualizar a história, mas, resolvi adiantar esse alerta, para o caso de algum imprevisto acontecer. Se eu parar de atualizar a história, o motivo é esse e não porque eu a abandonei.

*

*

Antes eu quero informar que mudei uma data no capítulo 07, para que os eventos dos próximos capítulos façam sentido, então agora as aulas do Paulo começaram dia 11/02/2019, para que a festinha de carnaval possa acontecer no dia 21/02.

E as coisas estão aos poucos começando a entrar num cenário perigoso, mas, eu pretendo desenvolver isso lentamente, trabalhando os detalhes.

A fantasia de Homem-aranha do Paulo veio de uma banquinha real na 25 de Março. Também coloquei o famoso “carro dos churros” que passa em praticamente todas as cidades de São Paulo (e talvez até do Brasil).

A Mayara está começando a querer ter sentimentos pela Letícia, mas por ela ser demissexual, essas coisas acontecem de vagar e é preciso confiança e familiaridade para que esses sentimentos se desenvolvam.

O Joaquim voltar a fazer caminhada é algo importante, já que ele não se sentia confortável em sair por conta desde o término do namoro abusivo anterior ao Francisco.

Enfim, espero que tenham gostado e aguardem as atualizações na próxima semana. Mais uma vez, obrigada por ler até aqui e se puder, deixe um comentário, eles são muito importantes para eu continuar.

Perséfone Tenou


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