Sentiu um soco fraco ser dado em seu queixo por uma mão pequena e quando abriu os olhos, encontrou Paulo dormindo entre ele e Marcelo. Com cuidado, abaixou o braço do menino e levantou da cama. O relógio marcava 7h45, mas não conseguia mais dormir.
Fez sua rotina matinal e
então foi até a sala, onde pescou um livro da pequena estante que havia ao lado
da televisão e o abriu no local com o marcador. Conforme tentava se concentrar
sem sucesso na leitura, as memórias da noite anterior começavam a retornar e
Diego lembrou-se envergonhado de ter chorado na frente de Marcelo.
Estava lendo pela décima
vez a mesma linha quando ouviu o som da descarga e da água correndo na pia e
então, passos contra o piso e ao erguer o rosto, encontrou o marido entrando no
cômodo e ao vê-lo ele sorriu de forma carinhosa. O relógio da cozinha marcava
8h15.
– Acordou cedo. – recebeu
um beijo gentil no topo da cabeça e outro nos lábios ao mesmo tempo em que
fechava o livro. Tinha desistido de tentar ler naquela manhã.
– Fui acordado por um
soco do pequeno lutador na nossa cama. Quando que ele foi parar lá? – ouviu
Marcelo contar a situação da noite anterior e apesar de achar bonitinho o
menino pedir para dormir ali por conta de um pesadelo, frisou que isso não
podia virar uma constante.
– Na próxima vez ele
precisa dormir na cama dele. – declarou, apesar de sentir que era uma ordem
meio cruel, precisava impor alguns limites. Em resposta viu Marcelo concordar
enquanto se sentava ao seu lado no sofá e pegava o livro das suas mãos.
– Você... Tá melhor? – a
pergunta soou tão cautelosa que Diego até se sentiu um pouco incomodado. Era
como se o marido estivesse pisando em ovos para falar com ele, mas, sabia que
aquele era o jeito de Marcelo, sempre cauteloso e após soltar um longo suspiro
cansado, respondeu que sim, estava se sentindo melhor.
– Mas eu fiquei muito
envergonhado de ter de te contar aquelas coisas, eu me sinto tão... – a frase
morreu na garganta enquanto ele fazia um gesto amplo com a mão. Para sua
surpresa, sentiu-se ser abraçado e ter sua cabeça recostada com cuidado no
ombro do outro e em um gesto reflexo, fechou as pálpebras.
Ficaram ali por um tempo
que pareceu impossível de contabilizar, até Paulo aparecer na sala, usando
pijamas e coçando o olho esquerdo enquanto bocejava. O menino parou há poucos
metros dos dois e ficou observando-os sentados no sofá, eles estavam cochilando
juntos.
Ele não entendia muito
sobre a vida, afinal, ainda ia faze sete anos, mas gostava de ver o irmão e
Marcelo daquele jeito, juntos. Sentia que era algo que estava certo, apesar de
todas as coisas horríveis que o pai lhe disse quando ainda era vivo.
Não queria acordá-los,
mas seu estomago roncou doloroso, obrigando-o a se decidir e resolvendo por
cutucar o braço de Marcelo com cuidado. Algumas tentativas depois, o rapaz
acordou e ao ver o menino ali em pé com o cabelo cacheado bagunçado e olhos que
ainda continham um pouco de sono, sorriu.
Removeu o ombro de sob a
cabeça do marido e deitou-o no sofá. Diego andava muito cansado com as
correrias da imobiliária e os cuidados com Paulo e precisava descansar. Guiou
então o menino até a pequena cozinha e ao perguntar o que ele queria para o
café, Paulo foi categórico: Sucrilhos com leite.
Quando acordou pela
segunda vez, o relógio informava que eram 12h00. Diego sentou de chofre no sofá
se surpreendendo, como podia ter dormido tanto? Em seguida, ao olhar ao seu
redor, viu Paulo sentado na frente do sofá, com páginas de colorir espalhadas
pela mesinha de café enquanto assistia desenhos em um volume baixíssimo e
então, ouviu a máquina de lavar e a mangueira esguichando água nas plantas.
Marcelo estava fazendo as tarefas da casa.
– Oi mocinho. – falou
enquanto acariciava os cabelos do irmão que o encarou com aqueles grandes olhos
caramelo arregalados e deu um pequeno sorriso. Diego pegou o controle da tevê e
ergueu o volume.
Foi até o quarto pensando
em arrumar a cama, apenas para descobrir que o outro já havia feito isso
também. Trocou o pijama por uma camiseta velha com a estampa de uma banda de
rock e bermudas jeans desfiadas. Pelo horário, devia começar o almoço.
***
No outro lado da cidade,
Francisco acordava com uma forte enxaqueca, resultado da ressaca. Joaquim tinha
saído para dar uma caminhada, mas deixou um bilhete informando e dois
comprimidos para dor de cabeça em cima da mesa, juntos da informação de que
tinha suco na geladeira.
Francisco se surpreendeu
com a notícia e enquanto engolia as pílulas com um copo de suco, pensou há
quanto tempo o namorado não saia para caminhar? Ele devia estar se sentindo
melhor, ao contrário dele, que acabou voltando para a cama jurando nunca mais
botar nenhuma gota de álcool na boca, com exceção talvez do happy hour da
empresa toda sexta-feira.
***
Estava mantendo um bom
ritmo, tinha saído do apartamento e caminhado até um parque próximo sem sentir
dor muscular e até agora, nenhuma câimbra. Parou perto de um bebedouro de pedra
para se refrescar e recuperar o fôlego quando avistou de longe aquela moça
indígena bonita que estava na festa de Marcelo e Diego, como era mesmo o nome
dela? Mariana? Marina? Bom, não importava, pois com certeza ela não devia se
lembrar dele e...
– Joaquim! Oi! – enxugou
a boca e sorriu sem graça enquanto a via se aproximar com a outra moça que
também conheceu na mesma festa. Era péssimo para lembrar nomes, então tentou
ganhar tempo.
– Oi! Tudo bem com vocês?
Dando uma voltinha? – ao que ambas concordaram com gestos de cabeça enquanto o
ouvia falar que tinha voltado a fazer caminhada.
– Na verdade voltei hoje,
mas é bom sabe? – então ficou aquele silencio desconfortável que parece que
nunca vai embora, mas a moça que Joaquim chamou mentalmente de “Mariana” se
apressou em preencher o vácuo.
– Bom, então a gente não
quer que você perca o ânimo. Vamos indo Lê? Foi ótimo te encontrar, diz pro
Francisco que eu mandei um abraço tá? – ela era tão articulada que Joaquim se
sentiu até um pouco de inveja, mas era inofensiva essa sensação. Acenou para as
duas que se afastavam para o outro lado do parque enquanto retomava sua caminhada,
ainda tentando lembrar o nome certo da moça, que com certeza não era “Mariana”.
***
Elas tinham resolvido dar
uma volta no parque e depois almoçar num pequeno restaurante vegetariano que
havia ali no bairro. Mayara não se sentia confortável ainda para deixar que
Letícia avançasse para algo mais físico, mas concordou que segurar a sua mão
estava bem.
Sentia a palma e os dedos
mornos da outra moça entrelaçando-se aos seus ao mesmo tempo em que um vento
gostoso de verão balançava seus longos cabelos negros para trás. Estavam saindo
há quase 15 dias e a forma como Letícia parecia não ter pressa de ter os
sentimentos correspondidos era algo que deixava Mayara feliz e até, ousava
dizer, aliviada, afinal, eram as cobranças por interação física e romântica
logo nos primeiros dias de relacionamento que a deixavam desconcertada.
Uma coisa podia afirmar,
gostava da companhia da outra. Da presença dela ao seu lado. Não podia afirmar
que já estava desenvolvendo sentimentos românticos, mas ficava feliz de falar
com Letícia e de vê-la e rir com ela.
– O Paulo pediu pra eu te
perguntar da Talita. Ele está com saudades dela, sabe? – disse enquanto davam a
volta na pista do parque, indo em direção a saída, para o carro de Letícia.
Ouviu a moça falar que a sobrinha também perguntava dele e não via a hora de
chegar as férias de Julho para vir ficar com os avós e sair com elas e Paulo de
novo.
– Eles se deram muito
bem, não é mesmo? – entraram no carro e enquanto Letícia saia da vaga, entrando
na avenida, Mayara olhou pela janela e viu Joaquim uma segunda vez. O rapaz
parecia concentrado em sua caminhada.
***
Já era quinta-feira
quando Diego lembrou que tinha de comprar a fantasia do menino para o carnaval.
A matinê na escola seria no dia seguinte e ele vinha protelando o máximo que
pode, mais por conta do cansaço que seria enfrentar a multidão da 25 de março
do que por ter de comprar a roupa. Mas naquela manhã, enquanto deixava Paulo na
escola, decidiu que daria um jeito de descer a ladeira da rua na hora do
almoço, custe o que custasse.
Ele só não contava com
uma coisa, uma família que queria comprar um imóvel grande num bairro
movimentado de São Paulo. Eles estavam decididos, já haviam visto o prédio
antes com outro corretor, mas ao procurá-lo, descobriram que o homem tinha
saído da imobiliária.
Pediu licença por alguns
segundos antes de apresentar à papelada a família e fugindo até o banheiro,
mandou um áudio para Marcelo, contando sobre como se atrapalhou para comprar a
fantasia do menino e que agora com esse imprevisto, não sabia que horas sairia
de lá. Terminou pedindo desculpas por jogar aquilo para o outro resolver e
prometendo que daria um jeito de agradecer em troca.
Retornou para seu
cubículo e após imprimir os documentos de compra e entrar em contato com o dono
do imóvel, para que viesse até lá encontrá-los, manteve os pensamentos
divididos entre o celular e a atenção para os compradores.
***
Quando ouviu a mensagem
de Diego, tinha acabado de se despedir do último paciente da manhã. Entre ele e
o próximo, tinha duas horas vagas. Pode sentir o desconforto na voz do outro ao
fazer o pedido e pensou em responder com outra mensagem de voz, mas desistiu ao
escutar que ele estava com gente na imobiliária.
– Cláudia, eu vou dar uma
saída rápida, qualquer coisa você me avisa por mensagem tá bom? – pediu para a
secretária que estava no telefone, agendando uma consulta e respondeu com um
gesto de positivo.
Parou em um
estacionamento há alguns metros da ladeira da 25 e dali foi a pé. A rua era
inclinada e povoada por ambulantes em ambos os lados, além de lojas de tecidos,
artigos para festa e coisas similares. Diego tinha dito que Clara, a moça
responsável pela limpeza da imobiliária, lhe contou que havia uma pequena
barraca logo no começo da rua em que vendiam fantasias populares para crianças,
ela mesma tinha comprado uma do homem de ferro para o filho.
Estava cheio de gente
para um dia de semana e o empurra-empurra era constante, mas quando aquela rua
não estava movimentada? Sentia-se como dentro de um enorme formigueiro humano,
com todas aquelas pessoas cheias de sacolas caminhando pela calçada estreita e
se esbarrando entre si. Até que finalmente avistou a pequena banca com
fantasias de personagens penduradas.
A mulher disse que
custava R$50,00, mas Marcelo pechinchou e após alguns minutos de conversa, conseguiu
levar por R$40,00. Era um macacãozinho de pernas e mangas curtas com a estampa
da fantasia e uma máscara de plástico.
Enquanto subia a ladeira
de volta, enviou uma mensagem para Diego. “Comprei”.
A qual quando chegou até o outro, o fez sorrir.
***
No outro lado da cidade,
Mayara tinha cumprido sua promessa e trouxe para Paulo um enorme saco de
confete, o qual o menino abriu e dividiu em três saquinhos rechonchudos
enquanto murmurava “esse é pra mim, esse
é pra Agatha e esse é pro Luís”. Ele estava animado de participar da
festinha de carnaval.
Ao ouvir o carro do churros passar gritando na
rua, Mayara perguntou se o menino queria um, foi como perguntar se galinha
queria milho, pois Paulo respondeu com um sonoro “Sim!” e um pulo alto. E enquanto o menino estava distraído
observando o homem fritar e rechear o doce, Mayara notou uma estranha mulher do
outro lado da rua observando-os com uma expressão severa e fechada.
Tinha a pele tão branca que
chegava a ser leitosa e cabelos grisalhos presos num coque apertado no alto da
cabeça e trajava saia longa e blusa com estampa geométrica sóbria de mangas.
Não sabia explicar, mas o jeito que aquela mulher estava olhando fixo para
Paulo lhe deu calafrios e fez com que ela pagasse logo o vendedor e empurrasse
o menino de volta para dentro de casa.
Minutos depois, quando
espiou pela janela, a mulher não estava mais lá.
***
Quando chegou em casa,
Diego já estava lá, conversando com Mayara e ouvindo sobre o dia na escola de
Paulo. Ele entrou enquanto segurava o embrulho da fantasia atrás das costas e
após trocar um olhar cúmplice com o marido, perguntou a Paulo.
– Advinha o que eu
trouxe? – o menino arriscou várias tentativas, desde coisas de comer até livros
de colorir e jogos de tabuleiro, mas no fim desistiu.
– É uma coisa sem a qual
você não pode ir amanhã... – os olhos do garoto se iluminaram e ele deu
pulinhos de alegria enquanto gritava “minha
fantasia de homem-aranha! É, não é? É!”
Ao entregar o pacote nas
mãos do menino, os três adultos o viram desmanchar o papel com tanta velocidade
e animação que tiveram de rir. No fim, Paulo tirou a roupa e a máscara do saco
plástico e correu até o quarto para vesti-las, voltando trajado e fazendo sons
“squish, squish” conforme fingia atirar
teia invisível dos pulsos.
– Marcelo, olha o que a
May me deu! – exibiu os saquinhos de confete, separados e lacrados com
grampeador. O menino contou animado que ia dividi-los com os dois amigos da
escola e em seguida abraçou Marcelo na altura das pernas, agradecendo pela
fantasia.
– Foi o Diego que me
pediu pra comprar. – em resposta, o garoto correu até o irmão e também o
abraço, murmurando um “obrigado”
abafado por sob a máscara de plástico.
A felicidade de Paulo por
algo tão simples era genuína o bastante para contagiar a todos ali e durou mais
alguns minutos, até Diego dizer para que ele guardasse a fantasia, se
despedisse de Mayara e fosse tomar banho, coisa que o menino fez meio chateado.
– Amanhã você vai poder
usar isso o quanto quiser. – declarou Diego enquanto via o irmão abraçar a
moça, seguir para o quarto e alguns minutos depois, ouvir o chuveiro sendo
ligado.
– Hoje eu que te levo pra
casa. – declarou Marcelo sorrindo ao mesmo tempo em que olhava para Mayara.
A moça deu um beijo
estalado no rosto de Diego e se despediu, dizendo que no dia seguinte viria
para levar o menino à matinê, que seria das 10h00 as 14h00 na escola.
***
Estavam no carro
conversando amenidades, quando Mayara se lembrou da estranha mulher que viu
mais cedo e resolveu contar a situação para Marcelo. Descreveu-a com detalhes e
frisou as sensações e desconforto e incomodo que sentiu ao vê-la.
– Ela olhava pro Paulo
como se quisesse levá-lo embora, sabe? Pode ser coisa da minha cabeça, mas, foi
muito estranho. – Marcelo ouvia com atenção e pensava se era algo que deveria
comentar com Diego.
– Se essa mulher aparecer
de novo, você faz como hoje. Leva o Paulo pra dentro e tranca a porta. Tá cheio
de gente esquisita pelo mundo, cuidado nunca é demais. – foi o que ele disse
por fim.
Despediu-se dela e
esperou que entrasse em casa para só então ir embora. Durante o trajeto de
volta, a expressão de felicidade no rosto do menino voltou a sua mente e o fez
sentir que estavam fazendo a coisa certa.
No fim, decidiu não
comentar com Diego sobre a tal mulher, o rapaz já tinha muitos problemas na
cabeça para ter de lidar com mais uma suposta ameaça.
Continua...
Nota da autora:
AVISO IMPORTANTE:
Gente, eu estou passando
por um problema de família aqui em casa, então, com exceção do próximo capítulo
que já está escrito, não tenho previsão de quando a história será
atualizada. (Fevereiro 2021).
Espero que tudo se
resolva por aqui em breve e eu possa voltar a escrever e atualizar a história,
mas, resolvi adiantar esse alerta, para o caso de algum imprevisto acontecer.
Se eu parar de atualizar a história, o motivo é esse e não porque eu a
abandonei.
*
*
Antes eu quero informar
que mudei uma data no capítulo 07, para que os eventos dos próximos capítulos
façam sentido, então agora as aulas do Paulo começaram dia 11/02/2019, para que
a festinha de carnaval possa acontecer no dia 21/02.
E as coisas estão aos
poucos começando a entrar num cenário perigoso, mas, eu pretendo desenvolver
isso lentamente, trabalhando os detalhes.
A fantasia de
Homem-aranha do Paulo veio de uma banquinha real na 25 de Março. Também
coloquei o famoso “carro dos churros” que passa em praticamente todas as
cidades de São Paulo (e talvez até do Brasil).
A Mayara está começando a
querer ter sentimentos pela Letícia, mas por ela ser demissexual, essas coisas
acontecem de vagar e é preciso confiança e familiaridade para que esses
sentimentos se desenvolvam.
O Joaquim voltar a fazer
caminhada é algo importante, já que ele não se sentia confortável em sair por
conta desde o término do namoro abusivo anterior ao Francisco.
Enfim, espero que tenham
gostado e aguardem as atualizações na próxima semana. Mais uma vez, obrigada
por ler até aqui e se puder, deixe um comentário, eles são muito importantes
para eu continuar.
Perséfone Tenou
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