sábado, 8 de maio de 2021

Lar é onde o coração está - Capítulo 29

As três crianças estavam sentadas no banco de trás e com os cintos de segurança, conversavam sobre os desenhos animados que assistiam e as coisas que aconteciam na escola, mas por mais que Paulo e Agatha parecessem animados, Luís não conseguia compartilhar do sentimento, pois estava pensando na avó, que foi internada as pressas porque “tossia muito”, ele não sabia, mas a mulher teve um inicio de pneumonia.

– Luís, você não tá animado da gente tá indo pro zoológico? – perguntou Agatha enquanto olhava para o amigo por cima de Paulo, que estava no meio dos dois. Ela viu o menino fazer um gesto positivo com a cabeça, mas a expressão do rosto dele não mudou.

– O que aconteceu? – a menina perguntou e no banco da frente, Vanessa que dirigia com suavidade lançou um olhar para os três pelo retrovisor, preparada para caso a conversa entrasse em algum caminho meio complicado.

– Minha vó tá no hospital. Meu pai e minha mãe foram visitar ela, mas eu não podia ir junto, eles disseram. Eu não quero perder a minha vó... – Luís já tinha tido contato com a morte, seu coelhinho de estimação, Pompom, morreu no ano anterior por conta da idade, afinal, o bichinho era na verdade da irmã dele, Miriam. Ele ouviu ela dizer que o bichinho estava velho e por isso não aguentou.

– Ah, mas sua vó vai ficar boa, pode acreditar! Né mãe? – Agatha pediu suporte para Vanessa que respondeu com “claro, querida”. Ela não queria dizer nada muito esperançoso, caso algo desse errado no hospital.

– E sabe de uma coisa Luís? – continuou Agatha, enquanto segurava a mão do amigo e sorria de forma cativante. – Eu acho que a sua vó ia querer que você ficasse feliz hoje, então, vamos nos divertir no zoo, tá? – uma piscada marota e mais um sorriso e Luís sentiu que ela tinha razão. A avó sempre gostava de ouvir as coisas boas que ele e seus amigos faziam na escola ou passeios que ele deu com Miriam, então, prometeu que ia tentar aproveitar o passeio, para depois poder contar tudo para a avó. 

***

Chegaram no zoológico algumas horas depois da abertura e com o dinheirinho que tinham ganho de Diego e Miriam, respectivamente, Paulo e Luís compraram para si balões de gás hélio, Vanessa comprou um para Agatha e amarrou o fio de cada balão no pulso dos três, deixando-os seguir em frente pelo caminho longo do zoológico e podendo localizá-los a distancia pelos balões flutuantes no céu.

Eles viram bichos interessantes e diferentes, como o enorme rinoceronte-branco, o simpático orangotango e aquele bichinho folgado que é o bicho-preguiça. Vanessa tirou fotos das crianças o tempo todo e foi enviando-as para Diego e Miriam, que prometeu que as repassaria para os pais e em certo momento do dia, a moça enviou uma mensagem de agradecimento da mãe de Luís, por ter levado ele para se distrair.

Quando deu por volta das 15h00, Vanessa chamou os três e eles tomaram um lanche em uma das mesas da área de alimentação. As crianças trocaram o que trouxeram nas mochilas entre si e então, depois, tomaram sorvetes e voltaram a observar os animais, especialmente os de hábitos noturnos que estavam começando a entrar em atividade.

Após andarem e tirarem fotos suficientes para encher um cartão SD de 8gigas (ou quase), as crianças perguntaram se podiam ir embora. Estavam cansadas e mentalmente, Vanessa agradeceu, pois também estava começando a ficar exausta, mas não queria estragar a diversão dos três.

Enquanto iam para casa, os três adormeceram no banco de trás, Agatha e Luís deitados cada um em um dos ombros de Paulo, os balões de gás hélio lutando entre si de encontro com o teto do carro. Luís parecia ter se desligado da preocupação com a avó, apesar de Miriam lhe informar por whats app que a condição da mulher ainda era instável.

***

Quando chegaram em casa, Vanessa acordou a filha e entregou a chave da porta para a menina ir adiantando, enquanto ela chamava os outros dois. Luís acordou de sobressalto, mas ao se dar conta de onde estava, respirou aliviado e desceu pela porta de trás ao seu lado. Paulo ainda dormia.

– Paulo querido, acorda, chegamos. – ele ouviu aquela voz suave e com a vista ainda semi-cerrada, enxergou um rosto que parecia família. Ainda em meio ao sono, murmurou: “Mãe, é você?”. Mas quando acordou e viu o rosto da mãe de Agatha, sentiu-se envergonhado e desviou o olhar para o chão do carro.

– Tá tudo bem, não precisa ficar envergonhado. – as mãos macias de Vanessa o puxaram com delicadeza para fora do carro e então ela o abraçou longa e carinhosamente e Paulo sentiu que precisava segurar as lágrimas. Era um abraço tão quentinho e gostoso, igual aos que sua mãe lhe dava.

– Vem querido, vamos entrar. – viu a mão bonita de dedos longos e unhas bem feitas estendida na sua direção e após alguns segundos de hesitação, segurou-a, apreciando a quentura e a maciez da pele dela.

A casa de Agatha era maior que a de Diego e Marcelo, pensou o menino quando entrou, mas passava a mesma sensação de lar, mas antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, uma bolinha peluda e alegre pulou em seu peito. Agatha apresentou o bichinho como Laika, a cachorrinha da casa e enquanto Paulo fazia um afago na cabeça do cachorrinho, sentiu a menina pegá-lo e a Luís pelos pulsos e os puxou até o seu quarto, porque eles tinham de ver! Laika foi saltitando atrás dos três.

O cômodo de tamanho médio tinha as paredes cobertas com pinturas de fadas e borboletas, castelos, dragões, princesas e tudo o mais de fantasia que se pudesse imaginar. Agatha contou que sua mãe havia feito os desenhos, o que fez os dois meninos soltarem expressões de surpresa e admiração.

– Sua mãe é muito legal, Agatha! – comentou Luís enquanto tirava a mochila e depositava em cima de um dos dois sacos de dormir colocados ao lado da cama da menina para eles passarem a noite.

– É, ela é bem legal mesmo. – a menina disse sorrindo orgulhosa.

– Agatha, vem tomar banho filha. Vocês vão depois, tá certo meninos? – A garota pegou uma muda de roupa e a toalha e foi pro banheiro, dizendo que eles podiam brincar com o que quisessem no quarto.

– Dá licença, senhora mãe da Agatha? – Luís chamou a atenção de Vanessa que se agachou para ficar na altura do menino.

– Pode me chamar de Vanessa, meu bem, o que foi? – ela então o ouviu perguntar se sabia alguma coisa da avó dele.

– A Miriam mandou alguma coisa? – a mulher sentiu o coração apertar no peito pois sabia que não devia dizer a verdade, que a avó estava internada e em um estado delicado de saúde.

– Não querido, a Miriam não disse nada, só que sua avó ainda está no hospital e que os médicos estão cuidando muito bem dela. – era difícil mentir para uma criança, mas naquele momento era necessário, pois segundo a irmã do menino, ele precisava se divertir um pouco.

Depois dos três tomarem banho e jantarem, Agatha escolheu um DVD na prateleira de filmes e eles começaram a assistir enquanto dividam um enorme balde de pipoca enquanto Laika esta aninhada na frente do sofá cochilando.

Na cozinha, Vanessa lavava a louça da janta enquanto se lembrava da conversa que teve mais cedo com a filha, sobre deixar as felicitações de Dia das Mães para depois que Paulo fosse embora.

“É porque ele não tem mais mãe, né?” – a menina perguntou com um tom de voz maduro demais para sua idade e que surpreendeu Vanessa, a qual concordou com um murmúrio.

“Eu sei que ele fica triste quando você vai me buscar na escola, apesar da Mayara sempre ir buscar ele também... E agora que o papai não mora mais aqui, eu acho que entendo como o Paulo se sente...” – ela abraçou e beijou a filha várias vezes, agradecendo por ter uma criança tão gentil.

Duas horas depois, enquanto lia um capítulo de um livro no quarto, Vanessa ouviu a música dos créditos finais do desenho na televisão e foi lá para colocar os três para dormir. Cobriu a filha e ajeitou os meninos nos sacos de dormir e deu um beijo de boa noite na testa de cada um dos três e antes de sair do quarto, disse que ia deixar a luz do corredor acesa e uma fresta da porta aberta. “Qualquer coisa que precisarem eu estou no quarto aqui do lado, tá bom? 

Agatha adormeceu rápido, o balão de hélio amarrado na cabeceira da sua cama. Luís demorou alguns minutos a mais, sua cabeça ainda estava na avó, com quem ele ficava a maior parte do tempo e que era muito importante na sua vida, mas no fim, o sono foi mais forte e a ultima coisa que ele viu foi seu balão tremulando no teto do quarto. Já Paulo não conseguia dormir. Se revirou o tempo todo e acabou levantando para fazer xixi e beber água.

Estava voltando da cozinha depois de ter tomado três copos de água, quando sentiu algo gelado no seu tornozelo e quase deu um grito de susto, mas ao olhar para baixo, encontrou Laika que batia o pequeno rabo em pura alegria de encontrá-lo acordado. Ela o seguiu de volta ao quarto da amiga e deitou-se próxima ao seu rosto e Paulo a agradou  até pegar no sono.

***

Eram 8h00 da manhã quando Vanessa recebeu uma mensagem de Diego no celular. O texto a deixou preocupada.

Vanessa, será que o Paulo pode ficar ai na sua casa por mais algumas horas? Aconteceu uma coisa aqui e eu não quero que ele saiba até... Eu conseguir resolver

Respondeu que sim, sem problema algum, mas em seguida perguntou o que tinha acontecido e se podia ajudar, no entanto, não obteve resposta do rapaz e ao tentar telefonar, caiu direto na caixa postal.

As crianças ficaram até quase 18h00 com ela, Miriam informou que a avó estava dando sinais de melhora, mas que os pais só estariam em casa as 19h00 e ela só chegaria do trabalho no shopping as 17h00, “Dia das mães sempre tem gente querendo comprar presente de ultima hora” completou a moça, ao que Vanessa disse para que não se preocupasse.

Era por volta das 17h30 quando ela saiu para devolver os meninos. Primeiro deixou Luís, que ao ouvir que a avó estava melhor, teve uma mudança positiva total de humor, rindo e contando piadinhas inocentes para os outros dois. Despediram-se do amigo com animação e prometeram se ver na escola no dia seguinte.

Quando estavam chegando na rua da casa de Paulo, Vanessa se assustou. Viu o brilho pulsante das luzes de um carro de polícia e seu coração disparou. Havia uma mulher branca e de certa idade gritando com Diego que revidava no mesmo volume, enquanto um homem atarracado com aparência de quem tem pressão alta constante, impedia Marcelo de se aproximar enquanto lhe apontava o dedo indicador e brandia um bocado de papéis que pareciam ser fotografias.

Ela pensou em dar uma ré e voltar com as crianças para casa, mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, Paulo que até alguns minutos estava entretido conversando cm Agatha, viu a cena e entrou em pânico, gritando que eles iam machucar Diego. Isso obrigou Vanessa a dirigir até a frente da casa e destravar a porta para o menino descer.

Assim que a porta se abriu, Vanessa ouviu a mulher gritar “O neto é meu e eu tenho o direito da guarda! Além de que ele tem sofrido maus tratos e eu tenho provas!”, rebatida por Diego que berrava e exibia sinais de aumento de pressão.

Agora eu entendo porque a minha mãe deixou o Paulo sob a minha guarda! Você é igualzinha ao seu filho! E ele é muito bem cuidado e amado aqui!

Paulo correu em direção ao irmão, a pequena mochila balançando nas costas conforme ele se movimentava e ao alcançá-lo, abraçou Diego pela cintura com força, enquanto lançava um olhar de puro ódio para a mulher estranha.

Você vai continuar dizendo que eu não posso levar o meu neto deste... antro de perdição onde ele foi jogado? Eu chamei a polícia, como você me sugeriu hoje cedo e aquele senhor ali é do conselho tutelar, está tudo certo e se você continuar me negando o direito de levá-lo, estes senhores aqui atrás vão te prender.” A mulher fez um gesto com o polegar para os dois policiais a suas costas, que começavam a se aproximar.

“Venha garoto, deixe de frescura” a mulher disse enquanto tentava segurar o pulso de Paulo, que puxou o braço e gritou enquanto escondia o rosto na cintura do irmão.

– Eu não quero ir com essa mulher, Diego, não deixa ela me levar! – ao ver os dois policiais se aproximando, Paulo apertou ainda mais o abraço em volta de Diego, que por sua vez lançou um olhar desesperado para Marcelo, o qual tenta se aproximar, mas é impedido pelo homenzinho pressão-alta, também conhecido como conselheiro tutelar Eugenio.

Na rua, várias pessoas estavam paradas nas portas das casas observando e Vanessa sentiu vontade de xingá-las, afinal, nenhum daqueles ditos “vizinhos” tentaram sequer interferir naquele absurdo. Para eles, tudo não passava de um grande circo a céu aberto.

Diego sabia que o aquela mulher, Zulmira, estava fazendo era ilegal, afinal Beatriz havia deixado explicito em seu testamento que a guarda de Paulo seria de sua responsabilidade e ao conhecer a mulher, ele entendeu o motivo.

– Eu posso pelo menos conversar com ele, fazer uma mala com algumas roupas e as coisas da escola? – Diego pergunta para Eugênio em um tom de voz derrotado e exausto, enquanto sentia um nó doloroso subir pela sua garganta.

– Pode, mas eu vou junto. E você... – falou Eugênio apontando para Marcelo com um gesto de repulsa – fica aqui fora.

Dentro do quarto de Paulo, Diego tentou explicar o que estava acontecendo. Que aquela mulher era a mãe do pai do garoto e por isso, sua avó materna e que resolveu exigir a guarda dele, e se caso não conseguisse, ela faria ele ser preso.

– Eu não quero que você vá, Paulo, mas neste momento não tem nada que eu possa fazer, mas eu te prometo que não vai demorar muito, a gente vai te buscar de volta, tá bom?

– Você promete? – o menino estava com os olhos cheios de água, ainda usando a pequena mochila nas costas e sentindo um medo grande demais para por em palavras. Diego o abraçou forte e murmurou em seu ouvido “Eu prometo, vai dar tudo certo e você vai voltar logo, logo aqui pra casa.”.

– Muito bem, já deu tempo de juntar as coisas dele, então vamos. – Eugênio declarou enquanto pegava o menino pelo pulso com uma das mãos e tomava a bolsa e a mochila de Diego com a outra.

Diego os seguiu de perto e antes que a mulher colocasse aquela mão esquelética sobre o ombro do menino, ele tentou correr e puxá-lo de volta, mas foi impedido pelos dois policiais que o seguraram pelos ombros, “Você não vai querer fazer isso”, um deles disse alto.

 E ele ficou ali em pé, estático e impotente observando aquela mulher enfiar seu irmãozinho no carro e sumir pela rua. Assim que os policiais foram embora, todos os vizinhos entraram em casa.

Antes de a porta do carro ser fechada, o menino tinha olhado para trás com lágrimas nos olhos em uma pergunta silenciosa de “Você promete?”, ao que Diego respondeu em voz alta, sem se importar com nada ao redor.

– Eu prometo, Paulo!

 

Nota da autora:

Ufá, achei que esse capítulo nunca ia sair!

E o motivo é obvio, eu não encontrei em lugar algum nenhuma informação se parentes próximos vivos podem ou não contestar a guarda de uma criança deixada em testamento. Então, até segunda ordem, a Zulmira está cometendo um crime ao arrancar o Paulo do lar designado pela mãe e aprovado pela juíza. Mas, se alguém ai entende de direito familiar e quiser me dar uma luz, eu agradeço.

Agora a coisa vai ferver.

Eu espero que esse capítulo tenha sido interessante e que vocês estejam gostando da história até aqui. Também quero deixar uma pergunta, vocês querem que eu continue narrando a infância, adolescência e idade adulta do Paulo? Ou vocês preferem que eu termine a história toda só na infância dele (até porque, se eu continuar, vamos entrar em 2020 – ano de Covid).

Enfim, quero agradecer as pessoas que lêem o que eu escrevo e pedir que deixem comentários, para eu saber o que estão achando.

Até o próximo capítulo

Perséfone Tenou

 

 

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