As três crianças estavam sentadas no banco de trás e com os cintos de segurança, conversavam sobre os desenhos animados que assistiam e as coisas que aconteciam na escola, mas por mais que Paulo e Agatha parecessem animados, Luís não conseguia compartilhar do sentimento, pois estava pensando na avó, que foi internada as pressas porque “tossia muito”, ele não sabia, mas a mulher teve um inicio de pneumonia.
– Luís, você não tá
animado da gente tá indo pro zoológico? – perguntou Agatha enquanto olhava para
o amigo por cima de Paulo, que estava no meio dos dois. Ela viu o menino fazer
um gesto positivo com a cabeça, mas a expressão do rosto dele não mudou.
– O que aconteceu? – a
menina perguntou e no banco da frente, Vanessa que dirigia com suavidade lançou
um olhar para os três pelo retrovisor, preparada para caso a conversa entrasse
em algum caminho meio complicado.
– Minha vó tá no
hospital. Meu pai e minha mãe foram visitar ela, mas eu não podia ir junto,
eles disseram. Eu não quero perder a minha vó... – Luís já tinha tido contato
com a morte, seu coelhinho de estimação, Pompom, morreu no ano anterior por
conta da idade, afinal, o bichinho era na verdade da irmã dele, Miriam. Ele
ouviu ela dizer que o bichinho estava velho e por isso não aguentou.
– Ah, mas sua vó vai
ficar boa, pode acreditar! Né mãe? – Agatha pediu suporte para Vanessa que
respondeu com “claro, querida”. Ela não queria dizer nada muito esperançoso,
caso algo desse errado no hospital.
– E sabe de uma coisa
Luís? – continuou Agatha, enquanto segurava a mão do amigo e sorria de forma
cativante. – Eu acho que a sua vó ia querer que você ficasse feliz hoje, então,
vamos nos divertir no zoo, tá? – uma piscada marota e mais um sorriso e Luís
sentiu que ela tinha razão. A avó sempre gostava de ouvir as coisas boas que
ele e seus amigos faziam na escola ou passeios que ele deu com Miriam, então,
prometeu que ia tentar aproveitar o passeio, para depois poder contar tudo para
a avó.
***
Chegaram no zoológico
algumas horas depois da abertura e com o dinheirinho que tinham ganho de Diego
e Miriam, respectivamente, Paulo e Luís compraram para si balões de gás hélio,
Vanessa comprou um para Agatha e amarrou o fio de cada balão no pulso dos três,
deixando-os seguir em frente pelo caminho longo do zoológico e podendo
localizá-los a distancia pelos balões flutuantes no céu.
Eles viram bichos
interessantes e diferentes, como o enorme rinoceronte-branco, o simpático orangotango
e aquele bichinho folgado que é o bicho-preguiça. Vanessa tirou fotos das crianças
o tempo todo e foi enviando-as para Diego e Miriam, que prometeu que as
repassaria para os pais e em certo momento do dia, a moça enviou uma mensagem
de agradecimento da mãe de Luís, por ter levado ele para se distrair.
Quando deu por volta das
15h00, Vanessa chamou os três e eles tomaram um lanche em uma das mesas da área
de alimentação. As crianças trocaram o que trouxeram nas mochilas entre si e
então, depois, tomaram sorvetes e voltaram a observar os animais, especialmente
os de hábitos noturnos que estavam começando a entrar em atividade.
Após andarem e tirarem
fotos suficientes para encher um cartão SD de 8gigas (ou quase), as crianças
perguntaram se podiam ir embora. Estavam cansadas e mentalmente, Vanessa
agradeceu, pois também estava começando a ficar exausta, mas não queria
estragar a diversão dos três.
Enquanto iam para casa,
os três adormeceram no banco de trás, Agatha e Luís deitados cada um em um dos
ombros de Paulo, os balões de gás hélio lutando entre si de encontro com o teto
do carro. Luís parecia ter se desligado da preocupação com a avó, apesar de
Miriam lhe informar por whats app que a condição da mulher ainda era instável.
***
Quando chegaram em casa,
Vanessa acordou a filha e entregou a chave da porta para a menina ir adiantando,
enquanto ela chamava os outros dois. Luís acordou de sobressalto, mas ao se dar
conta de onde estava, respirou aliviado e desceu pela porta de trás ao seu
lado. Paulo ainda dormia.
– Paulo querido, acorda,
chegamos. – ele ouviu aquela voz suave e com a vista ainda semi-cerrada,
enxergou um rosto que parecia família. Ainda em meio ao sono, murmurou: “Mãe, é
você?”. Mas quando acordou e viu o rosto da mãe de Agatha, sentiu-se
envergonhado e desviou o olhar para o chão do carro.
– Tá tudo bem, não
precisa ficar envergonhado. – as mãos macias de Vanessa o puxaram com
delicadeza para fora do carro e então ela o abraçou longa e carinhosamente e
Paulo sentiu que precisava segurar as lágrimas. Era um abraço tão quentinho e
gostoso, igual aos que sua mãe lhe dava.
– Vem querido, vamos
entrar. – viu a mão bonita de dedos longos e unhas bem feitas estendida na sua
direção e após alguns segundos de hesitação, segurou-a, apreciando a quentura e
a maciez da pele dela.
A casa de Agatha era
maior que a de Diego e Marcelo, pensou o menino quando entrou, mas passava a
mesma sensação de lar, mas antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, uma
bolinha peluda e alegre pulou em seu peito. Agatha apresentou o bichinho como Laika,
a cachorrinha da casa e enquanto Paulo fazia um afago na cabeça do cachorrinho,
sentiu a menina pegá-lo e a Luís pelos pulsos e os puxou até o seu quarto,
porque eles tinham de ver! Laika foi saltitando atrás dos três.
O cômodo de tamanho médio
tinha as paredes cobertas com pinturas de fadas e borboletas, castelos,
dragões, princesas e tudo o mais de fantasia que se pudesse imaginar. Agatha
contou que sua mãe havia feito os desenhos, o que fez os dois meninos soltarem
expressões de surpresa e admiração.
– Sua mãe é muito legal,
Agatha! – comentou Luís enquanto tirava a mochila e depositava em cima de um
dos dois sacos de dormir colocados ao lado da cama da menina para eles passarem
a noite.
– É, ela é bem legal
mesmo. – a menina disse sorrindo orgulhosa.
– Agatha, vem tomar banho
filha. Vocês vão depois, tá certo meninos? – A garota pegou uma muda de roupa e
a toalha e foi pro banheiro, dizendo que eles podiam brincar com o que
quisessem no quarto.
– Dá licença, senhora mãe
da Agatha? – Luís chamou a atenção de Vanessa que se agachou para ficar na
altura do menino.
– Pode me chamar de
Vanessa, meu bem, o que foi? – ela então o ouviu perguntar se sabia alguma
coisa da avó dele.
– A Miriam mandou alguma
coisa? – a mulher sentiu o coração apertar no peito pois sabia que não devia
dizer a verdade, que a avó estava internada e em um estado delicado de saúde.
– Não querido, a Miriam
não disse nada, só que sua avó ainda está no hospital e que os médicos estão
cuidando muito bem dela. – era difícil mentir para uma criança, mas naquele
momento era necessário, pois segundo a irmã do menino, ele precisava se
divertir um pouco.
Depois dos três tomarem
banho e jantarem, Agatha escolheu um DVD na prateleira de filmes e eles
começaram a assistir enquanto dividam um enorme balde de pipoca enquanto Laika
esta aninhada na frente do sofá cochilando.
Na cozinha, Vanessa
lavava a louça da janta enquanto se lembrava da conversa que teve mais cedo com
a filha, sobre deixar as felicitações de Dia das Mães para depois que Paulo
fosse embora.
“É porque ele não tem
mais mãe, né?” – a menina perguntou com um tom de voz maduro demais para sua
idade e que surpreendeu Vanessa, a qual concordou com um murmúrio.
“Eu sei que ele fica
triste quando você vai me buscar na escola, apesar da Mayara sempre ir buscar
ele também... E agora que o papai não mora mais aqui, eu acho que entendo como
o Paulo se sente...” – ela abraçou e beijou a filha várias vezes, agradecendo
por ter uma criança tão gentil.
Duas horas depois,
enquanto lia um capítulo de um livro no quarto, Vanessa ouviu a música dos
créditos finais do desenho na televisão e foi lá para colocar os três para
dormir. Cobriu a filha e ajeitou os meninos nos sacos de dormir e deu um beijo
de boa noite na testa de cada um dos três e antes de sair do quarto, disse que
ia deixar a luz do corredor acesa e uma fresta da porta aberta. “Qualquer coisa que precisarem eu estou no
quarto aqui do lado, tá bom?”
Agatha adormeceu rápido,
o balão de hélio amarrado na cabeceira da sua cama. Luís demorou alguns minutos
a mais, sua cabeça ainda estava na avó, com quem ele ficava a maior parte do
tempo e que era muito importante na sua vida, mas no fim, o sono foi mais forte
e a ultima coisa que ele viu foi seu balão tremulando no teto do quarto. Já
Paulo não conseguia dormir. Se revirou o tempo todo e acabou levantando para
fazer xixi e beber água.
Estava voltando da
cozinha depois de ter tomado três copos de água, quando sentiu algo gelado no
seu tornozelo e quase deu um grito de susto, mas ao olhar para baixo, encontrou
Laika que batia o pequeno rabo em pura alegria de encontrá-lo acordado. Ela o
seguiu de volta ao quarto da amiga e deitou-se próxima ao seu rosto e Paulo a
agradou até pegar no sono.
***
Eram 8h00 da manhã quando
Vanessa recebeu uma mensagem de Diego no celular. O texto a deixou preocupada.
“Vanessa, será que o Paulo pode ficar ai na sua casa por mais algumas
horas? Aconteceu uma coisa aqui e eu não quero que ele saiba até... Eu
conseguir resolver”
Respondeu que sim, sem
problema algum, mas em seguida perguntou o que tinha acontecido e se podia
ajudar, no entanto, não obteve resposta do rapaz e ao tentar telefonar, caiu
direto na caixa postal.
As crianças ficaram até
quase 18h00 com ela, Miriam informou que a avó estava dando sinais de melhora,
mas que os pais só estariam em casa as 19h00 e ela só chegaria do trabalho no
shopping as 17h00, “Dia das mães sempre
tem gente querendo comprar presente de ultima hora” completou a moça, ao
que Vanessa disse para que não se preocupasse.
Era por volta das 17h30
quando ela saiu para devolver os meninos. Primeiro deixou Luís, que ao ouvir
que a avó estava melhor, teve uma mudança positiva total de humor, rindo e
contando piadinhas inocentes para os outros dois. Despediram-se do amigo com animação
e prometeram se ver na escola no dia seguinte.
Quando estavam chegando
na rua da casa de Paulo, Vanessa se assustou. Viu o brilho pulsante das luzes
de um carro de polícia e seu coração disparou. Havia uma mulher branca e de
certa idade gritando com Diego que revidava no mesmo volume, enquanto um homem
atarracado com aparência de quem tem pressão alta constante, impedia Marcelo de
se aproximar enquanto lhe apontava o dedo indicador e brandia um bocado de
papéis que pareciam ser fotografias.
Ela pensou em dar uma ré
e voltar com as crianças para casa, mas, antes que pudesse fazer qualquer
coisa, Paulo que até alguns minutos estava entretido conversando cm Agatha, viu
a cena e entrou em pânico, gritando que eles iam machucar Diego. Isso obrigou
Vanessa a dirigir até a frente da casa e destravar a porta para o menino
descer.
Assim que a porta se
abriu, Vanessa ouviu a mulher gritar “O
neto é meu e eu tenho o direito da guarda! Além de que ele tem sofrido maus
tratos e eu tenho provas!”, rebatida por Diego que berrava e exibia sinais
de aumento de pressão.
“Agora eu entendo porque a minha mãe deixou o Paulo sob a minha guarda!
Você é igualzinha ao seu filho! E ele é muito bem cuidado e amado aqui!”
Paulo correu em direção
ao irmão, a pequena mochila balançando nas costas conforme ele se movimentava e
ao alcançá-lo, abraçou Diego pela cintura com força, enquanto lançava um olhar
de puro ódio para a mulher estranha.
“Você vai continuar dizendo que eu não posso levar o meu neto deste...
antro de perdição onde ele foi jogado? Eu chamei a polícia, como você me
sugeriu hoje cedo e aquele senhor ali é do conselho tutelar, está tudo certo e
se você continuar me negando o direito de levá-lo, estes senhores aqui atrás
vão te prender.” A mulher fez um gesto com o polegar para os dois policiais
a suas costas, que começavam a se aproximar.
“Venha garoto, deixe de
frescura” a mulher disse enquanto tentava segurar o pulso de Paulo, que puxou o
braço e gritou enquanto escondia o rosto na cintura do irmão.
– Eu não quero ir com
essa mulher, Diego, não deixa ela me levar! – ao ver os dois policiais se
aproximando, Paulo apertou ainda mais o abraço em volta de Diego, que por sua
vez lançou um olhar desesperado para Marcelo, o qual tenta se aproximar, mas é
impedido pelo homenzinho pressão-alta, também conhecido como conselheiro
tutelar Eugenio.
Na rua, várias pessoas
estavam paradas nas portas das casas observando e Vanessa sentiu vontade de
xingá-las, afinal, nenhum daqueles ditos “vizinhos” tentaram sequer interferir
naquele absurdo. Para eles, tudo não passava de um grande circo a céu aberto.
Diego sabia que o aquela
mulher, Zulmira, estava fazendo era ilegal, afinal Beatriz havia deixado
explicito em seu testamento que a guarda de Paulo seria de sua responsabilidade
e ao conhecer a mulher, ele entendeu o motivo.
– Eu posso pelo menos
conversar com ele, fazer uma mala com algumas roupas e as coisas da escola? –
Diego pergunta para Eugênio em um tom de voz derrotado e exausto, enquanto
sentia um nó doloroso subir pela sua garganta.
– Pode, mas eu vou junto.
E você... – falou Eugênio apontando para Marcelo com um gesto de repulsa – fica
aqui fora.
Dentro do quarto de
Paulo, Diego tentou explicar o que estava acontecendo. Que aquela mulher era a
mãe do pai do garoto e por isso, sua avó materna e que resolveu exigir a guarda
dele, e se caso não conseguisse, ela faria ele ser preso.
– Eu não quero que você
vá, Paulo, mas neste momento não tem nada que eu possa fazer, mas eu te prometo
que não vai demorar muito, a gente vai te buscar de volta, tá bom?
– Você promete? – o
menino estava com os olhos cheios de água, ainda usando a pequena mochila nas
costas e sentindo um medo grande demais para por em palavras. Diego o abraçou
forte e murmurou em seu ouvido “Eu
prometo, vai dar tudo certo e você vai voltar logo, logo aqui pra casa.”.
– Muito bem, já deu tempo
de juntar as coisas dele, então vamos. – Eugênio declarou enquanto pegava o
menino pelo pulso com uma das mãos e tomava a bolsa e a mochila de Diego com a
outra.
Diego os seguiu de perto
e antes que a mulher colocasse aquela mão esquelética sobre o ombro do menino,
ele tentou correr e puxá-lo de volta, mas foi impedido pelos dois policiais que
o seguraram pelos ombros, “Você não vai
querer fazer isso”, um deles disse alto.
E ele ficou ali em pé, estático e impotente
observando aquela mulher enfiar seu irmãozinho no carro e sumir pela rua. Assim
que os policiais foram embora, todos os vizinhos entraram em casa.
Antes de a porta do carro
ser fechada, o menino tinha olhado para trás com lágrimas nos olhos em uma
pergunta silenciosa de “Você promete?”, ao que Diego respondeu em voz alta, sem
se importar com nada ao redor.
– Eu prometo, Paulo!
Nota da autora:
Ufá, achei que esse
capítulo nunca ia sair!
E o motivo é obvio, eu
não encontrei em lugar algum nenhuma informação se parentes próximos vivos
podem ou não contestar a guarda de uma criança deixada em testamento. Então,
até segunda ordem, a Zulmira está cometendo um crime ao arrancar o Paulo do lar
designado pela mãe e aprovado pela juíza. Mas, se alguém ai entende de direito
familiar e quiser me dar uma luz, eu agradeço.
Agora a coisa vai ferver.
Eu espero que esse
capítulo tenha sido interessante e que vocês estejam gostando da história até
aqui. Também quero deixar uma pergunta, vocês querem que eu continue narrando a
infância, adolescência e idade adulta do Paulo? Ou vocês preferem que eu
termine a história toda só na infância dele (até porque, se eu continuar, vamos
entrar em 2020 – ano de Covid).
Enfim, quero agradecer as
pessoas que lêem o que eu escrevo e pedir que deixem comentários, para eu saber
o que estão achando.
Até o próximo capítulo
Perséfone Tenou
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