Após Paulo ser levado,
Vanessa desceu do carro, acompanhada de perto pela filha e se aproximou de
Diego, que exibia uma Expressão de desespero. A moça murmurou um pedido de
desculpas, dizendo que se soubesse, teria deixado o menino ficar mais um pouco
na sua casa. Em resposta, Diego soltou um risinho amargurado e respondeu.
– Não foi sua culpa,
aquela mulher estava determinada a levar o Paulo embora de qualquer jeito. –
após soltar um suspiro cansado, Diego convidou Vanessa e Agatha para entrarem
com ele e Marcelo, porque precisavam ligar para Rosário, a assistente social do
caso de Paulo.
Faltavam apenas alguns
passos até a porta da casa, quando Diego sentiu que estava perdendo o
equilíbrio e seus braços tatearam o ar, desesperados. No momento seguinte Marcelo
o segurava pelos ombros, dando apoio e ajudando-o a entrar na casa.
O rapaz desabou numa das
cadeiras na pequena cozinha e começou a contar para a moça sobre aquela mulher,
Zulmira.
– Ela apareceu aqui às
oito da manhã de hoje, batendo palma e tocando a campainha ao mesmo tempo. A
gente achou que ela era, sei lá, testemunha de Jeová ou uma vendedora ambulante
desesperada, porque né, do jeito que tá difícil pra todo mundo... Mas, quando
eu abri a porta... – só de lembrar da cena, o estômago de Diego começou a doer.
Vanessa ouvia-o falar
enquanto pegava um copo de água da geladeira e entregava para o amigo, cujas
mãos apresentavam um leve tremor. Ela o viu suspirar, tomar alguns goles de
água, agradecer e então continuar o relato.
– Eu nem tive tempo de
abrir a boca e aquela mulher já começou a gritar que tinha vindo buscar o neto.
Aquele homenzinho nojento estava com ela, o tal conselheiro tutelar. Ela tava
chacoalhando um punhado de fotos, dizendo que tinha provas de que o Paulo era
mal-tratado aqui, mas quando eu tentei pegar pra ver, ela guardou no bolso do
vestido. – a expressão de pavor no rosto do menino ficava voltando a mente de
Diego e uma vozinha insuportável, a mesma que sempre sussurrava que Marcelo um
dia ia abandoná-lo e que ele não era bom o suficiente, começou a dizer que ele
nunca recuperaria o irmãozinho. Balançou a cabeça com certa violência e então
reparou em Agatha, parada em pé a apenas alguns metros da mãe. Os olhos grandes
e bonitos arregalados e os lábios trêmulos.
– Agatha, que você acha
de ir ali na sala ver um desenho na tevê? – a menina negou com um gesto de
cabeça, os cachos negros e longos balançado para todos os lados. Diego ofereceu
um doce, desenhos para colorir, qualquer coisa que fizesse a garota ficar menos
assustada, mas nada surtiu efeito.
– O Paulo não vai voltar
mais? – ela perguntou, enquanto lágrimas brotavam nos cantos dos olhos bonitos.
E em resposta, Diego teve de respirar fundo para segurar o próprio choro,
afinal, quando uma criança está assim, o adulto tem de passar segurança.
– Claro que vai, querida.
E amanhã vocês vão se ver na escola. – viu a menina abraçar a cintura da mãe e
esconder o rosto ali e pensou mais uma vez no menino, que com certeza devia
estar apavorado.
– E o que ela fez depois?
– Vanessa perguntou enquanto afagava a
cabeça da filha. Na saleta onde ficava a tevê, pode ouvir o marido ligando para
o telefone de Rosário, mas era quase certeza que ela não ia atender, afinal era
domingo!
– Ela gritou um monte de
ameaças e quando eu disse que não ia levar o Paulo, foi embora dizendo que ia
voltar com a polícia e que eu ia ver só e... Bom, aconteceu o que você viu
agora de pouco.
Realmente, caiu na caixa
postal, mas mesmo assim Marcelo deixou uma mensagem: “Rosário, é o Marcelo,
marido do Diego Souza Tavares, responsável do Paulo, o fato é que apareceu uma
mulher aqui hoje, junto de um conselheiro tutelar e dois policiais e levou o
Paulo embora sob ameaças de prender o Diego, caso ele tentasse impedir...” –
olhou de soslaio para o marido que exibia uma aparência péssima, as mãos
continuavam tremulas e o suor nas têmporas era abundante.
“Por favor, ligue de
volta assim que ouvir esta mensagem, não tivemos nem como reagir, a mulher,
Zulmira, que diz ser avó paterna do Paulo veio, como eu disse, com dois
policiais e... é isso”. Marcelo desligou e em seguida veio agradecer a ajuda de
Vanessa, sugerindo gentilmente que elas fossem para casa, sob a promessa de
deixá-las informadas de toda a situação.
Assim que as duas se
foram, Marcelo voltou para dentro, apenas para encontrar Diego dobrado sobre o
próprio corpo, tendo uma crise de falta de ar. Ele correu para acalmá-lo e ao
conseguir, ouviu o outro dizer por entre lágrimas.
– Eu devia ter lutado
mais, deixado que me prendessem, se isso significasse que aquela mulher não ia
encostar um dedo nele... Caramba Marcelo, eu sou tão inútil! Não consegui nem
impedir que levassem... – abraçou Diego com carinho e deixou que chorasse,
enquanto pensava nas possibilidades de recuperar o garoto.
– Você fez o que podia,
se tivesse se recusado a entregar o Paulo, nesse momento estaria preso e daí ia
demorar ainda mais pra gente recuperar ele. Lembre-se que como você mesmo
disse, a guarda do Paulo foi confiada a voe e existe a documentação para provar
isso. – abraçou-o com um pouco mais de força e sentiu o corpo do outro
estremecer.
***
Enquanto isso, há alguns
bairros de distancia, Paulo observava da janela do carro de Zulmira, com olhos
arregalados de pavor, uma vizinhança que não conhecia, enquanto as lágrimas secavam
nas bochechas e o seu coração batia disparado no peito.
De repente o carro parou
em frente a uma casa desconhecida e mal cuidada, com muro sem reboque e um
portão largo e enferrujado. Zulmira desceu e mandou Paulo fazer o mesmo. Ele
relutou um pouco, o que acabou resultando em um puxão violento no braço, que o
fez sair do carro.
O homenzinho estranho que
ficou observando enquanto ele fazia a mala, estacionou atrás e agora conversava
com a mulher. Paulo pode ouvir as palavras “Escola” e “obrigatório”. Viu a
mulher concordar e o homem ir embora, mas antes de ele entrar no carro,
aproximou-se do garoto e disse: “Obedeça sua avó, menino”.
Quando entraram na casa,
Paulo sente uma sensação de medo percorrer todo seu corpo ao ouvir a mulher
dizer que ele vai dormir ali no sofá da sala. Ela o manda ir deitar logo,
porque terão de acordar muito cedo para levá-lo a escola e antes de cair no
sono por pura exaustão, o menino a escuta murmurar “vou ter de pedir
transferência para uma escola daqui do bairro”.
Ele teve uma noite
agitada e assustadora, pontuada por todo tipo de pesadelo horrível.
***
Ainda naquela noite,
Diego ligou para Mayara e contou o que aconteceu, ao que ela diz que se
precisarem de testemunhas para quando forem falar com o juiz, ela irá.
– May, ela arrancou o
menino daqui como se fosse um objeto! – comentou Diego, ainda bastante abalado.
Era tarde, o relógio marcava 2 da manhã e a primeira coisa que ele disse quando
a amiga atendeu foi “desculpa ligar a essa hora”. Mas não conseguia dormir,
estava ansioso demais.
Marcelo estava sentado à
mesa da cozinha, observando-o falar com a moça ao telefone. Resolveu não falar
nada, mas ficaria ali para demonstrar apoio. Sua única preocupação era que, na
manhã seguinte, Diego tinha uma visita de imóvel agendada e como ele iria
conseguir lidar com ela sem parecer tão cansado?
A conversa varou noite
adentro. Nenhum dos três dormiu.
No dia seguinte, Diego
saiu para a visita ao imóvel e antes tentou disfarçar da melhor forma possível
as profundas olheiras que a noite anterior lhe causou. Quando estava saindo,
ouviu Marcelo dizer que ia continuar tentando falar com Rosário, já que só
tinha pacientes mais tarde. Em resposta, Diego lhe deu um beijo demorado nos
lábios, que tinha gosto de angustia.
***
Enquanto isso, Paulo era
acordado de forma brusca por Zulmira, que lhe deu um chacoalhão no ombro,
fazendo o menino despertar assustado e então, em poucos segundos, se dar conta
de onde estava e que não, tudo não havia sido um pesadelo.
Ela
o fez se trocar e tomar café correndo, meio pão com margarina e metade de um
copo de leite puro e então o pegou pelo pulso e puxou para fora pois, segundo
ela, “estava atrasado!”.
– Eu tenho de te deixar
na escola logo, pois tenho muitas tarefas para fazer na igreja! Anda logo
menino! – saiu de casa sentindo-se enjoado e muito triste. Era como quando seu
pai estava vivo. Apesar de lembrar-se pouco dele, com certeza lembrava da
violência que o homem aplicava em tudo o que dizia e fazia, incluindo com ele.
Quando enfim chegou a
escola e passou para dentro do portão, foi abraçado pro Agatha que não parava
de perguntar se ele estava bem. Ele ficou feliz de rever os amigos, pois com
eles sentia alguma segurança.
No recreio, contou aos
dois o que aconteceu e como aquela mulher, que ele não queria chamar de “avó”
era má e assustadora. Ele queria que as aulas não terminassem nunca, pois então
a mulher não poderia vir buscá-lo.
***
Finalmente Marcelo
conseguiu falar com Rosário, a moça demonstrou horror genuíno pela situação e informou,
para alivio do rapaz.
– Essa mulher não tem
direitos sobre o Paulo, mesmo sendo avó paterna, a mãe dele deixou a guarda
especificamente para o Diego e agora eu entendo o motivo. Mas fiquem
tranqüilos, eu vou entrar em contato com a juíza que foi responsável por
aprovar os documentos de guarda e marcar uma audiência. Assim que eu tiver a
data, te retorno.
Agradeceu várias vezes e
assim que desligou, discou o numero de Diego, que estava no meio da visita do
imóvel, era um casal grande, com vários filhos e que disseram ter dois
cachorros de estimação. No momento em que viu o nome no visor, o corretor de
imóveis pediu licença ao casal por alguns segundos e se afastou.
Quando ouviu Marcelo
contar o que Rosário tinha dito, sente um pouco de alivio, Desde tudo o que
aconteceu na noite anterior. Mas só estaria completamente tranquilo quando
Paulo voltasse para casa.
– Então, o que acharam da
casa? – voltou para os possíveis locatários e exibiu aquele sorriso cativante
de vendedor que guardava apenas para aquelas ocasiões. Os filhos do casal
corriam pela casa, abrindo e fechando portas de cômodos e gritando quais seriam
seus quartos.
– A gente vai alugar. –
respondeu o marido enquanto estendia a mão direita para apertar a de Diego.
***
Mais tarde, na escola,
era hora da saída, mas a responsável pelo portão, Dona Neusa, barrou Paulo
quando Zulmira se aproximou para pegá-lo. A outra mulher quis começar um
escândalo, brandindo documentos do conselho tutelar, mas Neusa se recusou e
pegando Paulo pela mão, levou-o até a secretaria, onde pediu a uma das
funcionarias que ligasse para os números na ficha do menino.
Diego atende o telefone
pela segunda vez naquele dia e ao ouvir a frase “tem uma mulher aqui que diz ser avó do Paulo querendo levá-lo embora”,
sua felicidade desaparece e seu estomago afunda uns bons centímetros.
Após respirar fundo, ele
responde que o menino, por enquanto, pode ir com ela. Mas que no futuro ele irá
entrar em contato novamente, para retirar a permissão. A moça da secretaria
pergunta, “Então hoje ele pode ir com
ela?” ao que Diego responde, sentindo a boca se encher de um gosto amargo “Sim”.
Vanessa, que tinha ido
buscar Agatha, vê a mulher do dia anterior e se aproxima, tentando puxar
conversa, mas recebe um olhar enojado que exala racismo por parte da outra e
quando Neusa retorna com Paulo, ela pode ver o pedido de socorro silencioso nos
olhos do menino e sentiu o coração apertar, pois não podia fazer nada.
Quando Zulmira estava
indo, esbarrou em Olinda, mãe de Emanuel, o menino que implicava com Paulo e
“que surpresa”, pensa Vanessa, quando vê as duas comadres confraternizando e
chamando-se uma a outra de “irmã”. Ela nota a forma como Zulmira aperta o pulso
do garoto, com força suficiente para fazê-lo expressar uma careta de dor.
“Pobre menino”. Pensa
Vanessa enquanto vai embora, segurando a filha pela mão. A menina ainda lança
alguns olhares por sobre o ombro para o amiguinho, que corresponde, até ser
enfiado dentro do carro.
Continua...
Notas da autora:
Então gente, mais um
capítulo.
Para quem lê conforme eu
vou postando, peço desculpas pelos atrasos, as coisas não estão muito bem aqui
comigo, o que acaba atrapalhando minha produção. Agora, se você está lendo essa
história bem depois, só ignore o comentário acima.
O Paulo foi levado pela
avó paterna, Zulmira e adianto que a mulher não pegou o menino porque gosta do
neto, há motivos ocultos bem mais mesquinhos. Eu gosto de escrever sobre esses
personagens, não sei se vocês gostam de ler sobre eles, mas, é gostoso
desenvolvê-los.
E aqui vai uma pergunta,
se eu começasse outro projeto em paralelo com este aqui, vocês leriam? (claro,
se for do interesse de vocês). Não sei se trago (para o wattpad) duas histórias
antigas que estou produzindo noutro site há algum tempo ou se começo algo novo
nas duas plataformas (Wattpad e Social Spirit).
Falem comigo, gente!
Espero que estejam
gostando dos capítulos.
Obrigada por ler até aqui
e até o próximo capítulo!
Perséfone Tenou
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