domingo, 14 de novembro de 2021

Lar é onde o coração está - Capítulo 39

 

Ele sabia que ainda faltava mais um dia de suspensão.

Tinha repetido aquela palavra várias vezes dentro da cabeça, para não falar errado depois. Naquele dia Diego ia para a imobiliária e Mayara só viria depois do almoço. Ele passaria a manhã com Marcelo e isso deixava Paulo animado.


Acordou cedo o suficiente para se despedir do irmão que ia trabalhar. Paulo ouviu os conselhos de Diego se esforçando para não fazer careta, apesar de ele já estar cansado do outro repetir as mesmas coisas todos os dias.

– Vai tomar café, rapaz? – Marcelo perguntou ao mesmo tempo em que se apoiava na bancada da cozinha, olhando para o menino, que ainda estava de pijamas e exibia o cabelo de quem tinha acabado de acordar.

– Vou sim! Posso comer pão com presunto e queijo prensado? – se acomodou na cadeira que passou a ser sua à mesa e coçou o nariz enquanto exibia um sorriso sincero.

– É pra já monsieur! – riu ao ouvir aquela palavra, que Mayara lhe disse que significava “senhor” em francês. Apoiou o rosto nas mãozinhas e ficou observando Marcelo preparar o lanche enquanto lhe servia um copo de suco de laranja.

– Grandes planos pra hoje? – Paulo piscou algumas vezes sem entender e deu de ombros e fazia um “hmm-hm” com os lábios fechados.

– Que acha de depois do café, a gente ir lá fora e você anda de bicicleta? Você ganhou ela há quase dois meses, mas ainda nem tentou andar nela. Não se preocupe que eu vou ficar lá com você o tempo todo. – Lembrou-se da bicicleta que estava guardada no quintalzinho dos fundos e suspirou meio receoso.

Quando a ganhou ficou muito feliz e animado, mas após a primeira tentativa de andar nela, auxiliado por Mayara, pois queria fazer uma surpresa para os dois, Paulo levou um tombo e ralou o joelho e daí, desanimou.

– E aqui está misto-quente a moda da casa. – agradeceu e deu uma enorme mordida no sanduíche, apreciando o sabor e em seguida tomando um bom gole de suco. A sua frente, Marcelo o observava com um olhar quase paternal.

Ele sabia da tentativa de Paulo em aprender a andar de bicicleta, Mayara não escondia dele ou do marido, nada que se passasse com o menino, mas achou melhor fingir que não sabia, para daí tentar dar mais encorajamento ao garoto nas futuras tentativas.

Depois de tomarem café e lavarem a louça, foram até o quintal dos fundos e pegaram a tal bicicleta, junto do capacete, cotoveleiras e joelheiras. Diego era muito preocupado com possíveis acidentes e inclusive, foi contra a compra da bicicleta no começo.     

Agora do lado de fora, Marcelo afivelava as peças de segurança no menino e comemorava por terem um dia bonito e claro, mas sem sol forte.

– Muito bem, aqui vão algumas dicas. Quando subir na bicicleta, olhe pra frente. Não olhe pra baixo ou você vai cair. Eu vou segurar a traseira e empurrar por alguns metros, mas você também tem de pedalar, porque em algum momento eu vou soltar e vai ser com você. Certo? – viu a expressão assustada do menino e tentou tranquilizá-lo dizendo que se ele caísse estava tudo bem.

– Você só bate a poeira e levanta de novo. Não vai acontecer nada sério, eu prometo. – E com isso, Paulo subiu na bicicleta, olhando para frente como Marcelo lhe disse, e após posicionar os pés nos pedais, começou a pedalar, vendo pelo canto do olho o rapaz as suas costas, segurando a traseira do veiculo.

Empurrou sem muita força por talvez três casas do quarteirão e então, sem avisar o garoto, soltou a bicicleta e o viu ir embora confiante. Tudo ia bem, até que Paulo olhou para trás e viu que estava sozinho e isso fez com que baixasse a visão para o asfalto, desequilibrar e cair, calando as palmas das mãos.

Marcelo esperou que o menino se levantasse e voltasse empurrando a bicicleta de volta, mas Paulo apenas permaneceu ali sentado encarando as palmas das mãos com olhos fixos e assustados.

– Tudo bem ai rapaz? – perguntou assim que chegou perto o bastante do menino e então viu que ele estava fazendo um esforço enorme para não chorar. Abaixou-se e pegando-o por debaixo dos braços, ergue-o e lhe deu um abraço.

– Não tem problema chorar um pouquinho. Você se assustou, mas olha só o quanto você andou sozinho antes disso! É pra ficar orgulhoso. – viu o menino deixar escorrer algumas lágrimas silenciosas e após retirar o capacete dele, Marcelo lhe fez um agrado nos cabelos e o abraçou pelos ombros, enquanto que com a outra mão, guiava a bicicleta de volta.

– Vamos lá em casa passar um desinfetante nesses machucados. Acho que chega de treino por hoje... – estava dizendo, quando ouviu o garoto gritar “Não! Não chega!” e encará-lo com aqueles olhos chorosos.

– Certo então. Mas vamos limpar esses arranhados antes, daí você volta, tá bom? – Paulo aceitou a sugestão e caminhou com passos decididos ao lado de Marcelo de volta para casa.  

Quando tinha caído seu primeiro instinto foi chorar, mas logo ouviu dentro da cabeça a voz enérgica do pai dizendo que “homem de verdade não chora!” e acabou suprimindo as lágrimas. Mas quando Marcelo disse que estava tudo bem chorar, Paulo sentiu como se um peso tivesse sido tirado de cima dele. Ele podia chorar de dor e tristeza e continuar sendo um homem, foi isso que a frase de Marcelo lhe transmitiu.

Após passarem o desinfetante, Paulo voltou à rua e recolocou o capacete e daquela vez, conseguiu ir quase até o final do quarteirão sem cair, nem mesmo quando olhou para trás e não viu Marcelo.

Até a hora de Mayara chegar, o menino não só havia aprendido a andar na bicicleta, mas também como fazer a volta sem precisar descer.

***

Quando chegou para cuidar de Paulo, Mayara foi recebida pelo menino que veio pedalando de volta para a casa e Marcelo que estava em pé na entrada sorrindo orgulhoso.

Ela quase tinha perdido a hora aquele dia, chegou tarde do passeio com Letícia e acabou se esquecendo de programar o despertador. Se não fosse sua mãe Joana bater na porta e dizer que já eram dez da manhã, talvez tivesse se atrasado.

– May, olha, olha, eu sei andar sozinho! – a moça sorriu e elogiou o menino que estufou o peito, como um pombo arrulhando de orgulho.

– Vamos entrar, eu ainda tenho uma meia hora antes de ter de ir pra clínica. Paulo, vem pra dentro, você pode continuar depois se a Mayara quiser ficar aqui fora. – o menino resmungou e tentou fazer algum tipo de acordo para ficar mais tempo na rua com a bicicleta, mas no fim acabou sendo conquistado com a promessa de um bolo de chocolate, que Mayara prometeu fazer caso ele entrasse.

Estavam sentados à mesa da cozinha, enquanto Paulo desenhava sobre a mesinha da sala e assistia desenhos. Marcelo serviu café para os dois e pescou um pacote de biscoitos do armário para acompanhar.

– E então, você e a Letícia se divertiram ontem? – ouviu a moça contar sobre os shows, sobre o tempo que elas passaram juntas e sobre como estava se sentindo mais conectada a outra e sorriu.  

– Fico muito feliz de ouvir isso May, de verdade. – conversaram mais um pouco sobre amenidades, até que deu o horário e Marcelo saiu correndo para a clinica, mas não sem antes ganhar um beijo de Paulo, no rosto e bagunçar o cabelo do menino.

– Seja bonzinho pra Mayara viu? E guarda um pedaço daquele bolo de chocolate pra mim, tá? – ao que ouviu o menino dizer rindo “não vai dar, eu vou comer tudinho!”.

Marcelo foi pro trabalho se sentindo feliz.

***

Francisco estava em uma reunião de editoração. Estava chato e ele queria ir embora, apesar de saber que não podia. Olhou no relógio e se desanimou de ver que ainda faltavam quatro horas para acabar o expediente.

Pinçou o celular do bolso traseiro da calça e, escondido pela mesa ampla da sala de reuniões, enviou um whats para Joaquim no trabalho, sem muitas expectativas de resposta rápida, mas para sua surpresa, recebeu uma mensagem do outro alguns segundos depois.

“Como estão às coisas ai na loja?” – tinha perguntado, ao que recebeu em resposta um emoji chateado e as palavras “totalmente mortas”.

“Quer algo diferente pra jantar hoje?”

“Não sei, que acha de a gente ir num restaurante japonês, faz tanto tempo que a gente não sai, né?”

O celular de Francisco estava sem volume, mas o de Joaquim não, e a cada nova mensagem, o aparelhinho vibrava e tocava sobre o balcão de vidro da loja. Era horário morto, das 12h às 14h. Naquele dia Francisco não tinha ido lhe levar o almoço, na verdade ele tinha avisado que não poderia ir por causa de uma reunião grande na editora.

“Verdade, quer ir direto ai do trabalho? Eu passo te buscar.” – fazia algum tempo que não saiam, desde aquele dia que foram beber com Diego, Marcelo, Mayara e Letícia e ele sentia falta de mudar de ambiente, ver outros lugares, sair daquela rotina que estava começando a ficar enjoativa.

Falando em rotina, Joaquim se deu conta que ele e Francisco não transavam já fazia um tempo. Claro, ambos chegavam cansados do trabalho e no final de semana preferiam apenas aproveitar a companhia um do outro enquanto viam filmes na tevê.

Mas ele sentia falta de ser tocado e de sentir o corpo do outro. No entanto, não se sentia confiante o suficiente para perguntar de forma direta ou expressar seu desejo por um contato mais íntimo.

Só que para sua própria surpresa, uma pequena parte de sua mente o instigou a ser mais agressivo naquela noite. Depois do jantar, Joaquim tentaria demonstrar seu desejo ao namorado. Esperava apenas não fazer um papel ridículo.

“Claro. Eu tenho uma muda de roupa aqui na loja, então me troco e a gente vai. A reunião ai tá assim tão chata que você teve de mandar mensagem pra mim?” acrescentou um emoji rindo para demonstrar que estava brincando.

O telefone apitou, mas antes que pudesse pegar o aparelho, finalmente entrou uma cliente na loja e Joaquim saiu de trás do balcão para atendê-la. Enquanto ajudava a mulher a escolher alguns produtos, ouviu o aparelhinho apitar mais algumas vezes, mas só pode conferir quando a mulher saiu da loja.

“Certo então, eu passo te buscar as 18h30”.

“Não, eu mandei mensagem porque achei que você poderia estar solitário”

“Eu te amo muito, já te falei isso hoje?”

“Você deve estar atendendo algum freguês, né? Sem problema, a gente se vê mais tarde, bjo.”

Estava exibindo um sorriso bobo no rosto enquanto olhava para o visor do aparelho. Apesar do que a sua ansiedade gostava de buzinar no seu ouvido, que ele não era bom o bastante e que Francisco logo se enjoaria de tê-lo como namorado, ali naquela meia dúzia de mensagens eletrônicas estava a afirmação contrária.

“Também te amo.” – respondeu, tirando em fim o som do aparelho, pois mais clientes tinham começado a entrar na loja.

***

– Então, esta casa aqui é muito boa, tem três quartos, dois banheiros e uma garagem para até dois carros. A localização aqui é ótima também, tem escola e UPA perto, tem mercearia e ponto de ônibus. – estava apresentando um imóvel pra alugar para um casal com duas crianças que corriam pela casa gritando e se estapeando.

Diego pensou que Paulo não era assim, mas então se lembrou que o menino vinha de um lar abusivo e sufocante e claro, era filho único. A esposa olhou os cômodos e deu um grito com as crianças que por alguns minutos ficaram quietas, mas logo recomeçaram a correria e os ataques entre si.

– Marisa, Luan, querem parar com isso! Eu tou ficando com dor de cabeça com toda essa gritaria! – a mãe ralhou e enfim as crianças, que tinham por volta de sete anos, pararam.

– O senhor tem filhos? – ela perguntou enquanto o marido observava a garagem.

– Não, mas tenho um irmão caçula que estou criando. Ele é um menino incrível. – acrescentou orgulhoso. Ouviu a moça então dizer que “crianças são uma benção, mas às vezes parecem uma benção reversa”. Forçou um riso educado e comemorou internamente ao ouvir o casal dizer que alugariam o imóvel.

Estava se despedindo da família quando o celular vibrou no bolso da camisa. Pegou o aparelho e logo viu que tinha uma mensagem do marido, em que ele dizia “você vai ter uma surpresa hoje quando voltar pra casa”.

– Espero que seja algo bom. – murmurou enquanto recolocava o aparelho no bolso e entrava no carro. O dia estava se arrastando, mas a semana estava quase no fim e isso servia como meta para aguentar mais um pouco.

Continua... 

 

Nota da autora:

Oi pessoal,

Como prometi, estou atualizando a história semanalmente ou pelo menos tentando, vamos torcer pra eu não ter mais nenhum mal estar no futuro.

Enfim, Paulo aprendeu a andar de bicicleta e agora vai ser difícil colocar o menino pra dentro de casa. Tivemos um pouquinho da interação dele com o Marcelo também, que meio que se tornou um paizão pro menino e o dia seguinte da farra da Mayara.

Também tivemos um pouquinho de Francisco e Joaquim (e se tudo der certo, no próximo capt vamos ter uma lemon deles - aguardem) e ainda teve um pouquinho do Diego todo bobo falando do irmãozinho.

Não sei se essa história está sendo do agrado de vocês, porque ninguém comenta o que está achando, então eu deduzo que está indo tudo bem. Lembrando que ela é uma slice of life (história de cotidiano), então não haverá muito mais plot twists no futuro.

Minha meta é cobrir pelo menos o primeiro ano dos três juntos. Não decidi o que vou fazer depois disso, então se você tiver sugestões, fale!

Obrigada por ler este capítulo e até o próximo!

Perséfone Tenou.

 


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