Ele sabia que ainda faltava
mais um dia de suspensão.
Tinha repetido aquela
palavra várias vezes dentro da cabeça, para não falar errado depois. Naquele
dia Diego ia para a imobiliária e Mayara só viria depois do almoço. Ele
passaria a manhã com Marcelo e isso deixava Paulo animado.
Acordou cedo o suficiente
para se despedir do irmão que ia trabalhar. Paulo ouviu os conselhos de Diego
se esforçando para não fazer careta, apesar de ele já estar cansado do outro
repetir as mesmas coisas todos os dias.
– Vai tomar café, rapaz?
– Marcelo perguntou ao mesmo tempo em que se apoiava na bancada da cozinha,
olhando para o menino, que ainda estava de pijamas e exibia o cabelo de quem
tinha acabado de acordar.
– Vou sim! Posso comer
pão com presunto e queijo prensado? – se acomodou na cadeira que passou a ser
sua à mesa e coçou o nariz enquanto exibia um sorriso sincero.
– É pra já monsieur! – riu
ao ouvir aquela palavra, que Mayara lhe disse que significava “senhor” em
francês. Apoiou o rosto nas mãozinhas e ficou observando Marcelo preparar o
lanche enquanto lhe servia um copo de suco de laranja.
– Grandes planos pra
hoje? – Paulo piscou algumas vezes sem entender e deu de ombros e fazia um
“hmm-hm” com os lábios fechados.
– Que acha de depois do
café, a gente ir lá fora e você anda de bicicleta? Você ganhou ela há quase
dois meses, mas ainda nem tentou andar nela. Não se preocupe que eu vou ficar
lá com você o tempo todo. – Lembrou-se da bicicleta que estava guardada no
quintalzinho dos fundos e suspirou meio receoso.
Quando a ganhou ficou
muito feliz e animado, mas após a primeira tentativa de andar nela, auxiliado
por Mayara, pois queria fazer uma surpresa para os dois, Paulo levou um tombo e
ralou o joelho e daí, desanimou.
– E aqui está
misto-quente a moda da casa. – agradeceu e deu uma enorme mordida no sanduíche,
apreciando o sabor e em seguida tomando um bom gole de suco. A sua frente,
Marcelo o observava com um olhar quase paternal.
Ele sabia da tentativa de
Paulo em aprender a andar de bicicleta, Mayara não escondia dele ou do marido,
nada que se passasse com o menino, mas achou melhor fingir que não sabia, para
daí tentar dar mais encorajamento ao garoto nas futuras tentativas.
Depois de tomarem café e
lavarem a louça, foram até o quintal dos fundos e pegaram a tal bicicleta,
junto do capacete, cotoveleiras e joelheiras. Diego era muito preocupado com
possíveis acidentes e inclusive, foi contra a compra da bicicleta no começo.
Agora do lado de fora,
Marcelo afivelava as peças de segurança no menino e comemorava por terem um dia
bonito e claro, mas sem sol forte.
– Muito bem, aqui vão
algumas dicas. Quando subir na bicicleta, olhe pra frente. Não olhe pra baixo
ou você vai cair. Eu vou segurar a traseira e empurrar por alguns metros, mas
você também tem de pedalar, porque em algum momento eu vou soltar e vai ser com
você. Certo? – viu a expressão assustada do menino e tentou tranquilizá-lo
dizendo que se ele caísse estava tudo bem.
– Você só bate a poeira e
levanta de novo. Não vai acontecer nada sério, eu prometo. – E com isso, Paulo
subiu na bicicleta, olhando para frente como Marcelo lhe disse, e após
posicionar os pés nos pedais, começou a pedalar, vendo pelo canto do olho o
rapaz as suas costas, segurando a traseira do veiculo.
Empurrou sem muita força
por talvez três casas do quarteirão e então, sem avisar o garoto, soltou a
bicicleta e o viu ir embora confiante. Tudo ia bem, até que Paulo olhou para
trás e viu que estava sozinho e isso fez com que baixasse a visão para o
asfalto, desequilibrar e cair, calando as palmas das mãos.
Marcelo esperou que o
menino se levantasse e voltasse empurrando a bicicleta de volta, mas Paulo
apenas permaneceu ali sentado encarando as palmas das mãos com olhos fixos e
assustados.
– Tudo bem ai rapaz? –
perguntou assim que chegou perto o bastante do menino e então viu que ele
estava fazendo um esforço enorme para não chorar. Abaixou-se e pegando-o por
debaixo dos braços, ergue-o e lhe deu um abraço.
– Não tem problema chorar
um pouquinho. Você se assustou, mas olha só o quanto você andou sozinho antes
disso! É pra ficar orgulhoso. – viu o menino deixar escorrer algumas lágrimas
silenciosas e após retirar o capacete dele, Marcelo lhe fez um agrado nos
cabelos e o abraçou pelos ombros, enquanto que com a outra mão, guiava a bicicleta
de volta.
– Vamos lá em casa passar
um desinfetante nesses machucados. Acho que chega de treino por hoje... – estava
dizendo, quando ouviu o garoto gritar “Não!
Não chega!” e encará-lo com aqueles olhos chorosos.
– Certo então. Mas vamos
limpar esses arranhados antes, daí você volta, tá bom? – Paulo aceitou a
sugestão e caminhou com passos decididos ao lado de Marcelo de volta para casa.
Quando tinha caído seu
primeiro instinto foi chorar, mas logo ouviu dentro da cabeça a voz enérgica do
pai dizendo que “homem de verdade não
chora!” e acabou suprimindo as lágrimas. Mas quando Marcelo disse que
estava tudo bem chorar, Paulo sentiu como se um peso tivesse sido tirado de
cima dele. Ele podia chorar de dor e tristeza e continuar sendo um homem, foi
isso que a frase de Marcelo lhe transmitiu.
Após passarem o
desinfetante, Paulo voltou à rua e recolocou o capacete e daquela vez,
conseguiu ir quase até o final do quarteirão sem cair, nem mesmo quando olhou
para trás e não viu Marcelo.
Até a hora de Mayara
chegar, o menino não só havia aprendido a andar na bicicleta, mas também como
fazer a volta sem precisar descer.
***
Quando chegou para cuidar
de Paulo, Mayara foi recebida pelo menino que veio pedalando de volta para a
casa e Marcelo que estava em pé na entrada sorrindo orgulhoso.
Ela quase tinha perdido a
hora aquele dia, chegou tarde do passeio com Letícia e acabou se esquecendo de
programar o despertador. Se não fosse sua mãe Joana bater na porta e dizer que
já eram dez da manhã, talvez tivesse se atrasado.
– May, olha, olha, eu sei
andar sozinho! – a moça sorriu e elogiou o menino que estufou o peito, como um
pombo arrulhando de orgulho.
– Vamos entrar, eu ainda
tenho uma meia hora antes de ter de ir pra clínica. Paulo, vem pra dentro, você
pode continuar depois se a Mayara quiser ficar aqui fora. – o menino resmungou
e tentou fazer algum tipo de acordo para ficar mais tempo na rua com a
bicicleta, mas no fim acabou sendo conquistado com a promessa de um bolo de
chocolate, que Mayara prometeu fazer caso ele entrasse.
Estavam sentados à mesa
da cozinha, enquanto Paulo desenhava sobre a mesinha da sala e assistia
desenhos. Marcelo serviu café para os dois e pescou um pacote de biscoitos do
armário para acompanhar.
– E então, você e a
Letícia se divertiram ontem? – ouviu a moça contar sobre os shows, sobre o
tempo que elas passaram juntas e sobre como estava se sentindo mais conectada a
outra e sorriu.
– Fico muito feliz de
ouvir isso May, de verdade. – conversaram mais um pouco sobre amenidades, até
que deu o horário e Marcelo saiu correndo para a clinica, mas não sem antes
ganhar um beijo de Paulo, no rosto e bagunçar o cabelo do menino.
– Seja bonzinho pra
Mayara viu? E guarda um pedaço daquele bolo de chocolate pra mim, tá? – ao que
ouviu o menino dizer rindo “não vai dar,
eu vou comer tudinho!”.
Marcelo foi pro trabalho
se sentindo feliz.
***
Francisco estava em uma
reunião de editoração. Estava chato e ele queria ir embora, apesar de saber que
não podia. Olhou no relógio e se desanimou de ver que ainda faltavam quatro
horas para acabar o expediente.
Pinçou o celular do bolso
traseiro da calça e, escondido pela mesa ampla da sala de reuniões, enviou um
whats para Joaquim no trabalho, sem muitas expectativas de resposta rápida, mas
para sua surpresa, recebeu uma mensagem do outro alguns segundos depois.
“Como estão às coisas ai
na loja?” – tinha perguntado, ao que recebeu em resposta um emoji chateado e as
palavras “totalmente mortas”.
“Quer algo diferente pra
jantar hoje?”
“Não sei, que acha de a
gente ir num restaurante japonês, faz tanto tempo que a gente não sai, né?”
O celular de Francisco
estava sem volume, mas o de Joaquim não, e a cada nova mensagem, o aparelhinho
vibrava e tocava sobre o balcão de vidro da loja. Era horário morto, das 12h às
14h. Naquele dia Francisco não tinha ido lhe levar o almoço, na verdade ele
tinha avisado que não poderia ir por causa de uma reunião grande na editora.
“Verdade, quer ir direto
ai do trabalho? Eu passo te buscar.” – fazia algum tempo que não saiam, desde
aquele dia que foram beber com Diego, Marcelo, Mayara e Letícia e ele sentia
falta de mudar de ambiente, ver outros lugares, sair daquela rotina que estava
começando a ficar enjoativa.
Falando em rotina,
Joaquim se deu conta que ele e Francisco não transavam já fazia um tempo.
Claro, ambos chegavam cansados do trabalho e no final de semana preferiam
apenas aproveitar a companhia um do outro enquanto viam filmes na tevê.
Mas ele sentia falta de
ser tocado e de sentir o corpo do outro. No entanto, não se sentia confiante o
suficiente para perguntar de forma direta ou expressar seu desejo por um
contato mais íntimo.
Só que para sua própria
surpresa, uma pequena parte de sua mente o instigou a ser mais agressivo
naquela noite. Depois do jantar, Joaquim tentaria demonstrar seu desejo ao
namorado. Esperava apenas não fazer um papel ridículo.
“Claro. Eu tenho uma muda
de roupa aqui na loja, então me troco e a gente vai. A reunião ai tá assim tão
chata que você teve de mandar mensagem pra mim?” acrescentou um emoji rindo
para demonstrar que estava brincando.
O telefone apitou, mas
antes que pudesse pegar o aparelho, finalmente entrou uma cliente na loja e
Joaquim saiu de trás do balcão para atendê-la. Enquanto ajudava a mulher a
escolher alguns produtos, ouviu o aparelhinho apitar mais algumas vezes, mas só
pode conferir quando a mulher saiu da loja.
“Certo então, eu passo te
buscar as 18h30”.
“Não, eu mandei mensagem
porque achei que você poderia estar solitário”
“Eu te amo muito, já te
falei isso hoje?”
“Você deve estar
atendendo algum freguês, né? Sem problema, a gente se vê mais tarde, bjo.”
Estava exibindo um
sorriso bobo no rosto enquanto olhava para o visor do aparelho. Apesar do que a
sua ansiedade gostava de buzinar no seu ouvido, que ele não era bom o bastante
e que Francisco logo se enjoaria de tê-lo como namorado, ali naquela meia dúzia
de mensagens eletrônicas estava a afirmação contrária.
“Também te amo.” –
respondeu, tirando em fim o som do aparelho, pois mais clientes tinham começado
a entrar na loja.
***
– Então, esta casa aqui é
muito boa, tem três quartos, dois banheiros e uma garagem para até dois carros.
A localização aqui é ótima também, tem escola e UPA perto, tem mercearia e
ponto de ônibus. – estava apresentando um imóvel pra alugar para um casal com
duas crianças que corriam pela casa gritando e se estapeando.
Diego pensou que Paulo
não era assim, mas então se lembrou que o menino vinha de um lar abusivo e
sufocante e claro, era filho único. A esposa olhou os cômodos e deu um grito
com as crianças que por alguns minutos ficaram quietas, mas logo recomeçaram a
correria e os ataques entre si.
– Marisa, Luan, querem
parar com isso! Eu tou ficando com dor de cabeça com toda essa gritaria! – a
mãe ralhou e enfim as crianças, que tinham por volta de sete anos, pararam.
– O senhor tem filhos? –
ela perguntou enquanto o marido observava a garagem.
– Não, mas tenho um irmão
caçula que estou criando. Ele é um menino incrível. – acrescentou orgulhoso.
Ouviu a moça então dizer que “crianças são
uma benção, mas às vezes parecem uma benção reversa”. Forçou um riso
educado e comemorou internamente ao ouvir o casal dizer que alugariam o imóvel.
Estava se despedindo da
família quando o celular vibrou no bolso da camisa. Pegou o aparelho e logo viu
que tinha uma mensagem do marido, em que ele dizia “você vai ter uma surpresa hoje quando voltar pra casa”.
– Espero que seja algo
bom. – murmurou enquanto recolocava o aparelho no bolso e entrava no carro. O
dia estava se arrastando, mas a semana estava quase no fim e isso servia como
meta para aguentar mais um pouco.
Continua...
Nota da autora:
Oi pessoal,
Como prometi, estou
atualizando a história semanalmente ou pelo menos tentando, vamos torcer pra eu
não ter mais nenhum mal estar no futuro.
Enfim, Paulo aprendeu a
andar de bicicleta e agora vai ser difícil colocar o menino pra dentro de casa.
Tivemos um pouquinho da interação dele com o Marcelo também, que meio que se
tornou um paizão pro menino e o dia seguinte da farra da Mayara.
Também tivemos um
pouquinho de Francisco e Joaquim (e se tudo der certo, no próximo capt vamos
ter uma lemon deles - aguardem) e ainda teve um pouquinho do Diego todo bobo
falando do irmãozinho.
Não sei se essa história
está sendo do agrado de vocês, porque ninguém comenta o que está achando, então
eu deduzo que está indo tudo bem. Lembrando que ela é uma slice of life
(história de cotidiano), então não haverá muito mais plot twists no futuro.
Minha meta é cobrir pelo
menos o primeiro ano dos três juntos. Não decidi o que vou fazer depois disso,
então se você tiver sugestões, fale!
Obrigada por ler este
capítulo e até o próximo!
Perséfone Tenou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário