Mayara se despediu de Marcelo e entrou em casa, dando um beijo rápido na testa de Joana, que estava na sala assistindo o jornal com um copo de café na mão e passou pelo quarto das mães para dar outro beijo, agora em Dolores e então correr para o banheiro onde tomou um banho rápido.
Enquanto o cabelo longo e
macio estava enrolado dentro da toalha, a moça escolhia qual roupa usar e no
fim acabou optando pelo vestido com estampas de morango que Diego tinha lhe
dado há alguns meses. Calçou uma sandália sem salto e passou uma maquiagem
leve, dando atenção extra para os lábios, os quais ela recobriu com um batom
vermelho vivo cremoso. Depois de terminar de se aprontar e confirmar pelo
reflexo do espelho que sim, estava bonita, Mayara desceu as escadas com velocidade
e para sua surpresa encontrou Letícia sendo recebida pelas suas duas mães.
– Querida, a Letícia
disse que veio te buscar para vocês irem a um show, é isso meu bem? – perguntou Dolores enquanto entregava um
copo de suco para a outra moça que agradeceu e informou que elas iriam à virada
cultural.
Na verdade, Letícia
demorou alguns segundos para responder a idosa, pois ao ver Mayara ao pé da
escada, ela sentiu que o mundo ao seu redor havia parado. A outra estava tão
linda naquele vestido e com os cabelos longos e sedosos presos numa trança
jogada por sobre o ombro esquerdo. E Mayara sentiu aquele olhar fixo e
experimentou a sensação de seu rosto esquentando e o coração batendo forte no
peito.
– Então, que horas você
volta para casa Mayara? – Joana perguntou ao mesmo tempo em que mudava de canal
de forma frenética.
– Não sei mãe, acho que
lá pela meia-noite talvez. Mas pode deixar que eu ligo pra vocês ainda hoje e a
gente não vai beber, então não tem risco de acidente. – beijou a mãe que estava
sentada numa poltrona no canto da sala e sentiu a mão morna da mulher acariciar
seu rosto com carinho e a ouviu sussurrar “Tome cuidado, minha filha”.
Em seguida deu outro
beijo rápido na bochecha da outra mãe que enfiou umas notas de reais na sua mão
e disse, enquanto lhe dava um abraço “pra
vocês comprarem alguma coisinha”.
– Até logo dona Joana,
dona Dolores. Eu prometo que trago ela de volta antes de virar abóbora. –
Letícia apertou a mão das duas idosas e apesar de sentir que Joana ainda tinha
algum receio quanto a ela, a outra mãe, Dolores, passava a sensação de que
confiava totalmente nela.
Elas entraram no carro,
Mayara estava ao seu lado, a saia do vestido tinha subido um pouco exibindo
aquelas coxas bonitas de um tom caramelo. Letícia tentou não encarar e apesar
do esforço que teve de fazer, logo estava olhando pelo retrovisor para sair da
frente da casa da moça.
– Sua mãe Joana ainda não
gosta muito de mim... – ouviu a outra moça rir divertida e suspirou aliviada,
afinal não queria passar a impressão que não gostava de uma das sogras.
– Ela é meio rabugenta,
mas acredite, ela gosta de você sim. Eu contei que quando ela teve o infarto,
foi você que me deu apoio e tudo o mais. Ela só é meio... Bom, daquele jeito. –
ouviu o tilintar das pulseiras no braço da moça sentada no banco do passageiro
e sentiu o aroma suave do perfume dela conforme o vento entrava pela janela.
– Então, pronta pra se
divertir? – perguntou Letícia enquanto virava numa esquina e ouvindo em
resposta aquela risada deliciosa que amava seguida de “E como!”
***
Marcelo tinha acabado de
entrar em casa. Conferiu no quarto de Paulo e encontrou o menino adormecido, um
pé para fora da cama, metade dos lençóis atirados no chão. Entrou com cuidado e
cobriu o menino direito, encostando a porta na saída. Pelo som que saia do
banheiro, Diego devia estar tomando banho e ele achou melhor dar ao outro algum
espaço e rumou para a cozinha, onde pegou um copo de suco e então se sentou em
frente à tevê, procurando algo para assistir.
Estava imerso num filme
antigo que achou em um dos canais, tanto que nem percebeu a presença do marido
ao seu lado, até que ele tocou seu ombro.
– Oi estranho. – Diego
murmurou enquanto se sentava ao lado do outro no sofá. Enquanto Marcelo foi
levar Mayara em casa, ele serviu um lanche leve pro irmãozinho e deixou que o
menino contasse a ele sobre seu dia e só quando começou a notar os sinais de
sono é que sugeriu que Paulo fosse dormir. Isso era por volta das 20h00.
– Ei. Como foi seu dia? –
sentiu Diego deitar a cabeça no seu ombro e suspirar cansado, encarando a tevê
por alguns segundos antes de responder que o dia tinha sido exaustivo, ele fez
varias visitas a imóveis com possíveis compradores e locadores, mas no fim só
conseguiu um contrato para aluguel.
– E você? Muitos
pacientes na clínica? – naquele dia Marcelo não teve muitos compromissos,
atendeu uma senhora com hérnia de disco e um jovem que fazia acupuntura como
tratamento complementar para ansiedade.
– Eu gosto de ficar assim
às vezes, só nós dois, assistindo um filme na tevê, sem me preocupar com nada.
Faz tempo que a gente não fica assim, né? – Marcelo abraçou o marido pelos
ombros e beijou-o na têmpora direita e o ouviu suspirar cansado. Diego tentava
se fazer de forte o tempo todo na frente de todo mundo, mas as vezes era bom
poder ver aquele outro lado dele.
***
Após guardarem o carro
num estacionamento, Letícia e Mayara caminharam até a praça onde os shows
estavam acontecendo. No caminho havia muita gente e em certo momento Letícia
ficou para trás e perdeu a outra moça de vista, ficando preocupada, mas, se
surpreendeu ao sentir uma mão macia e morna segurar a sua com firmeza e ao
olhar, encontrou Mayara que lhe sorriu de forma cativante e a puxou para perto
de si.
– Segura firme pra não se
perder. – Ela havia decidido que não ia avançar o sinal, não tocaria Mayara a
menos que ela tomasse a iniciativa, não tentaria nada físico ou intimo sem a
permissão da outra moça. Claro que aquilo a estava torturando, mas decidiu que
valia a pena se fosse por Mayara.
Elas se enfiaram no meio
da multidão e assistiram ao show que estava acontecendo naquele momento. Mayara
ainda estava segurando a mão de Letícia.
Viram mais uns dois shows
até que Letícia disse que precisava tomar uma água. Na verdade, ela teve de
gritar, mas pareceu que a outra moça não se incomodou com isso. Elas saíram do
meio da multidão ainda de mãos dadas e sorrindo e pegaram duas garrafinhas de
água de um ambulante que passava por ali.
– Eu nunca tinha vindo na
virada cultural, sabe? Está sendo muito legal! – confessou Mayara enquanto se
sentava na calçada, esticando as pernas e soltando um resmungo d e dor. Tinham
ficado horas em pé.
– Também não! Minha
ex-namorada não gostava de multidões então eu evitava ir a lugares assim. – sentou-se
ao lado da outra moça e sentiu que seus músculos estavam precisando daquele
descanso também.
– Como era sua ex? – a
pergunta soou meio surpreendente, afinal quem pergunta sobre a ex da sua
namorada? Mas, ao olhar para o rosto de Mayara, viu que a moça exibia apenas
curiosidade genuína.
– A Leila? Ela era legal,
era artista plástica, vendia quadros pra uma galeria de arte lá em
Higienópolis, a gente até que se dava bem, mas nos últimos meses estava ficando
meio difícil porque ela disse que eu não me encaixava no padrão futuro de vida
dela. Sei lá, acho que era porque as pinturas começaram a fazer sucesso no
exterior e eu... Bom, acho que eu não tinha a aparência que ela queria exibir
por ai. – tomou um gole grande de água e demorou em engolir, numa tentativa de
evitar dizer algo mais.
– Eu tive uma ex meio
assim também, digo, na verdade era diferente. Ela não era artista plástica,
trabalhava como vendedora numa loja de roupas de grife naquele shopping chique,
você sabe qual né? Meu problema com ela na verdade era por que... Bom... Ela
ficava me pressionando para fazer... Coisas mais íntimas e a gente tava junta
há nem dois meses e bom... Eu não em sentia confortável. – viu Mayara esconder
o rosto com uma das mãos enquanto sorria nervosa.
Num gesto impulsivo
Letícia segurou a outra mão da moça e beijou as costas desta com carinho,
ganhando a atenção de Mayara que a encarou com grandes olhos negros
arregalados. Olhos que a outra moça achou lindos.
– Eu sei que a gente tá
saindo há mais tempo que isso e que passamos por mais algumas coisas juntas,
mas eu queria dizer que eu nunca vou te forçar. Não vou mentir, eu quero muito
te tocar e te beijar e experimentar a sensação de poder tocar a sua pele, mas
eu não vou fazer isso até você me dar permissão, porque eu me apaixonei por
você Mayara e decidi que vou esperar o quanto for para poder me aproximar de
você. – ela ouviu aquelas palavras e sentiu como se algo estivesse para
transbordar de dentro de si e naquele momento Mayara sentiu que amava Letícia
um pouco mais, o suficiente para envolver a outra com os braços e tomar um
beijo dos lábios dela com carinho.
A surpresa do gesto pegou
Letícia de surpresa, mas a moça correspondeu com rapidez, envolvendo os ombros
da namorada com carinho enquanto sentia os lábios mornos dela pressionarem os
seus e se entreabrirem aos poucos, dando permissão para um aprofundamento do
contato.
Quando se afastaram,
ambas estavam ofegantes e coradas.
– Quer ver mais um show?
– Mayara perguntou enquanto sentia o coração pulsar forte n peito.
– Claro! – desde a hora
que elas se sentaram para descansar até aquele momento, o número de pessoas na
rua aumentou consideravelmente, o que dificultou um pouco para se enfiarem no
meio do público enquanto assistiam a outro show. E então Mayara envolveu a
cintura de Letícia com os braços, para surpresa da outra moça.
***
Joaquim estava com o
notebook no colo, olhando possíveis artes para tatuar. Queria algo pequeno, num
tamanho que cobrisse apenas aquela marcação repulsiva no seu quadril, mas não
conseguia se decidir. Ouviu então a porta do banheiro se abrir e viu Francisco
entrar no quarto, para em seguida entrar sob as cobertas na cama ao seu lado.
– Qual dessas eu faço? A
tatuadora com quem eu marquei me disse que eu podia levar uma arte de
referência. – virou o notebook para o namorado que observou as várias versões
da pesquisa do Google de “tatuagens de estrela”.
– Eu acho que é você quem
tem de escolher, afinal, a tatuagem vai ser feita no seu corpo. Faz assim,
escolhe algumas que você gostar e daí eu te dou a minha opinião com base nisso,
tá bom? – recebeu um beijo leve de Joaquim em resposta e então viu o rapaz se
animar e começar a abrir imagens em abas novas do navegador.
– Tá, eu gosto dessas
cinco aqui. Agora, qual a sua favorita? – o namorado estava bem animado com a
tatuagem e Francisco percebeu que isso estava ligado diretamente a fazer aquela
última lembrança desagradável do ex de Joaquim desaparecer.
– Estas duas aqui são bem
legais, porque são todas preenchidas, então esconderia bem a... Você sabe. – não
se sentia muito confortável em mencionar aquela cicatriz, até porque quando
eles começaram a namorar e eles transaram pela primeira vez, Joaquim fez de
tudo para não deixá-lo ver aquela marca.
– Obrigado por me apoiar.
– ouvir aquilo do namorado lhe causava sentimentos mistos, ao mesmo tempo em
que ficava comovido, Francisco também se sentia meio triste, porque apesar de
estarem juntos há alguns anos, o loiro ainda tinha comportamentos reativos da
época em que ainda namorava o ex, Marco.
Francisco nunca tinha
visto o tal cara pessoalmente, mas foi apresentado ao tipo por fotos que
Joaquim descartou assim que o relacionamento deles ficou mais sério. Ouviu as
histórias e sabia o quanto o namorado sofreu na mão do outro e claro, antes
disso, na mão do pai homofóbico.
E pensar que até o começo
do ano Joaquim ainda sentia ciúmes dele com o ex, que ia se casar dali alguns
meses e até o convidou para ser padrinho, mas Francisco ainda não tinha
decidido se aceitaria. Queria conversar com o namorado antes. Os ciúmes do
loiro era tão irracional, mas, ao mesmo tempo, compreensível, afinal ele tinha
medo de ser trocado.
– Finalmente eu vou me
livrar de vez da memória do Marco e deixar pra trás esse capitulo horrível da
minha vida. – viu o loiro desligar o notebook e colocar o aparelho na mesinha
de cabeceira.
– Será que você podia
só... Me abraçar hoje? Prometo que depois eu te compenso sobre... – teve a
frase cortada por um beijo apaixonado e sentiu a mão firme de Francisco
acariciando seus cabelos, para em seguida, após partir o contato, sussurrar em
seu ouvido.
– Você não precisa me
compensar por nada. Eu já te falei antes, mas vou repetir quantas vezes você
precisar ouvir: quando fizermos amor, tem de ser bom pra nós dois; eu não quero
que você pense que tem alguma obrigação comigo. E eu vou te abraçar até você dormir, quando você quiser. Vem cá. – sentiu
os braços firmes do namorado envolverem seu corpo e um beijo ser depositado no
topo da sua cabeça.
Joaquim suspirou um misto
de alivio e felicidade e com o rosto próximo ao tórax morno do namorado,
adormeceu. Ainda não conseguia acreditar que o outro o amava e respeitava como
igual.
***
Já passava das duas da
manhã quando Letícia e Mayara resolveram ir embora. Ambas estavam suadas e
exaustas, mas felizes. Tinham comido bobagens numa barraquinha próxima, bebido
mais água, voltado pro show, trocado mais alguns beijos e então Mayara disse
que precisava voltar.
– Desculpa cortar a
diversão assim, mas amanhã eu tenho de tomar conta do Paulo e não queria dormir
muito tarde. – estavam entrando no estacionamento e Letícia entregava o ticket
ao responsável.
– Tudo bem, a gente se
divertiu bastante, foi ótimo! – entraram no carro e durante o trajeto, Mayara
cochilou com a cabeça encostada no vidro.
– May... A gente
chegou... – cutucou a moça com a ponta do dedo, em seguida tentou balançá-la de
leve e finalmente conseguiu acordá-la. Viu a moça olhar na sua direção e
sorrir, enquanto esfregava os olhos com as mãos.
– Obrigada por ter me
convidado, eu adorei sair com você e... – viu Mayara se aproximar e sentiu pela
segunda vez naquela noite a maciez suave dos lábios dela contra os seus e
correspondeu ao gesto.
– Letícia, eu estive
pensando... O que você acha de... A gente levar esse relacionamento para um
nível acima? – Mayara pedia mentalmente para que a outra não lhe pedisse para
explicar, pois ela se sentiria muito deslocada de fazer isso, mas, não
precisou. Sentiu o carinho ser feito em seus cabelos que começava a escapar da
trança e ouviu em resposta.
– Seria incrível. Se for
o que você realmente quer fazer. – sorriu ao ouvir a resposta da outra moça e
após dar um beijo suave na bochecha dela, desceu do carro, mas não sem antes
dizer que podiam ir combinando pelo whats.
– Claro! Durma bem e diga
pra suas mães que eu pedi desculpas por te trazer pra casa tão tarde. – Mayara
riu e em seguida entrou em casa. Letícia ficou mais alguns segundos ali,
digerindo a proposta que a outra moça fez a ela.
Continua...
Notas do capítulo:
(Se você está lendo este
capítulo muito tempo após a publicação, apenas ignore o começo desta nota).
Primeiro, eu quero pedir
desculpas por demorar mais de um mês para atualizar essa história. Entre
doenças físicas, crises depressivas e claro, a falta de ânimo, eu acabei me
atrapalhando e não sabia como retomar a história. Para falar a verdade, não sei
se consegui nesse capítulo que você acabou de ler (deixe um comentário pra eu
saber que não perdi o ritmo!).
Enfim, desculpa a demora,
prometo que vou tentar retomar o ritmo de antes.
Agora sobre o capítulo!
Tivemos um pouco de tudo!
Principalmente Letícia e Mayara, como eu prometi que teríamos. E também um
pouquinho de Diego e Marcelo e um pouco mais de Francisco e Joaquim.
A Mayara, como eu já
falei antes é demissexual, ou seja, ela demora um pouco mais para desenvolver
laços afetivos com outra pessoa e então se sentir sexualmente atraída. Eu não
sei se seis meses de convivência é o bastante, afinal pelo que conversei com
algumas pessoas Demi, o tempo para desenvolver atração sexual varia entre cada
pessoa demissexual, mas acredito que, levando em conta tudo que as duas
passaram juntas, incluindo os passeios com as crianças e o ocorrido com a
Joana, uma das mães da Mayara, tudo isso acrescenta no desenvolvimento
emocional.
Talvez eu fale mais do
ex-namorado do Francisco, que vai casar no futuro e claro, ainda teremos a
tatuagem do Joaquim e várias outras coisas acontecendo. Aguardem os próximos
capítulos.
Enfim é isso, obrigada
por ler e por favor, deixe um comentário, eles são muito importantes para eu
saber que o que estou escrevendo vale a pena.
Até o próximo capítulo!
Perséfone Tenou.
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