A suspensão de Paulo
tinha chegado ao fim e o garoto acabava de descer do carro de Diego para entrar
na escola, quando foi surpreendido por um abraço apertado de Agatha, que se
comportava como se não o visse há anos, ao invés de só dois dias.
– Paulo, que saudades de
você! – às costas do menino, a mãe da garota, Vanessa dava uma risadinha
divertida e se aproximava do carro para conversar com Diego.
– Ela ficou muito
preocupada com o Paulo. – A moça disse ao irmão do menino, que sorriu em
resposta enquanto observava as duas crianças entrarem na escola.
– É, ele também ficou bem
chateado de não poder vir pra escola e brincar com a Agatha e o Luís. – as
vozes foram se distanciando e logo Paulo não ouviu mais a conversa, tendo sua
atenção atraída pelos comentários da garota ao seu lado.
– O Emmanuel já chegou,
sabe? Ele tava com uma cara de quem chupou limão, acho que levou um castigo do
pai. E você? Seu irmão te deixou de castigo por causa da briga também? – Paulo
então contou que não. Claro que Diego e Marcelo conversaram com ele sobre não
usar a violência como forma de resolver as coisas, mas, não o castigaram,
afinal, ele fez aquilo para proteger a amiguinha.
– Uau, seu irmão e o
marido dele são muito legais! – estavam entrando na sala de aula quando deu um
encontrão em alguém e ao erguer os olhos, sentiu um embrulho no estomago. Era
Emmanuel.
– Sai da minha frente,
nanico. – ouviu o outro menino rosnar e se afastou por instinto, mas Emmanuel
não lhe disse mais nada ofensivo, como costumava fazer. Era como se ele tivesse
perdido a fama de valentão ou algo do tipo.
Quando entraram na sala e
se sentaram, a Profê Marta informou que após o intervalo eles iriam até a
quadra ensaiar a quadrilha e que assim que todos tivessem entrado, ela faria o
sorteio para ver quem seriam os noivos.
– A quadrilha é uma
atração aqui da nossa escola, junto da quermesse que fazemos no sábado. Vai ter
pescaria, barracas de comidas típicas, jogo de argolas e muito mais. E eu
espero que vocês convidem seus pais ou responsáveis para vir visitar. – Luís
sentou-se ao lado de Agatha, que estava entre ele e Paulo e cumprimentou o
amigo, apontando para o curativo no rosto e murmurando “tá doendo ainda?” ao que o outro menino respondeu com um gesto de
mão dizendo “nadinha”.
Emmanuel foi o ultimo a
entrar na sala, alguns segundos após o sinal soar. Ele cruzou o espaço com a
cabeça baixa e se sentou no fundo da sala sem dizer qualquer tipo de comentário
“engraçadinho” como costumava fazer.
Marta sorteou os papéis
da quadrilha e para felicidade dos três amigos, todos ganharam papéis
importantes. Agatha seria a noivinha, Paulo, o noivo e Luís o padre. A
professora explicou que ocorreram algumas modificações na quadrilha e agora não
tinha mais a cena do noivo fugindo do casamento.
O dia seguiu tranquilo.
***
Do lado de fora da
escola, algumas horas antes, Diego e Vanessa ainda conversavam e o rapaz
perguntou se ela queria uma carona até em casa, já que era caminho para a
imobiliária e a moça aceitou.
– E ai, planos para o dia
dos namorados? É daqui algumas semanas. – ouviu a mãe de Agatha perguntar e
acabou deixando escapar um suspiro chateado.
– Bem que eu queria, 12
de Junho é aniversário do Marcelo, mas com o Paulo em casa não consigo pensar
em uma forma de comemorar como eu gostaria. Imagina se eu tenho coragem de
pedir pra Mayara deixar de sair com a namorada pra tomar conta do meu
irmãozinho? Acho que vamos ter de passar a data em casa mesmo. – ao se dar
conta de como a frase soou, fez uma emenda rápida.
– Não que eu não goste de
cuidar do Paulo, ele é um bom menino, mas é que, depois que ele chegou, a gente
tá tendo de reorganizar muitas coisas... – pensou em complementar perguntando
se Vanessa tinha planos para a data, mas logo se lembrou do divorcio recente e
engoliu o resto da frase.
– Por que vocês não
deixam ele pousar lá em casa de novo? – Diego ouviu a frase, mas levou alguns
segundos para compreender.
– Ah não Vanessa, é muito
abuso deixar ele na sua casa de novo! – estavam quase chegando na casa da moça.
– Imagina, abuso nenhum.
A Agatha adorou quando ele dormiu lá, eles se divertiram tanto e também, seria
bom pra tirar aquele gosto traumático que a ultima vez deixou em todo mundo. –
um flashback da avó paterna de Paulo aparecendo com o conselheiro tutelar e
levando o menino embora veio como um raio na mente de Diego, que enquanto
estacionava ao lado da casa de Vanessa, concordou com um gesto de cabeça.
– É, tem razão. Mas você
tem certeza de que não tem problema? Eu não falei isso esperando que você... –
sentiu a mão suave de Vanessa sobre seu ombro e encarou aquelas íris negras e
brilhantes que o observavam.
– Fui eu quem ofereceu
Diego. Desde que me divorciei do Silas, estou curtindo um momento pra mim e
aproveitando mais o tempo com a Agatha. Mas eu também sei como é tentar manter
um relacionamento vivo quando se tem filhos, então saiba que não é nenhum
abuso, eu estou oferecendo, entenda isso como um presente imaterial pra vocês.
– ela abriu a porta e desceu, mas antes de entrar, confirmou data e horário no
celular.
– O dia dos namorados cai
numa quarta, então que tal vocês deixarem ele aqui no dia 14, sexta à noite e
vir buscar no domingo a tarde, dia 16? –
Diego concordou e agradeceu novamente, ouvindo em resposta que “A Agatha vai ficar feliz”.
***
No intervalo, Agatha fez
Paulo tirar o curativo porque ela queria “ver
como ficou o estrago”. A menina e Luís estavam olhando perplexos para o
ralado que já começava a cicatrizar na bochecha do outro menino, quando foram
empurrados para os lados por um movimento brusco.
– O que é isso? O neném
não aguentou uma briguinha? – era Emmanuel, que parecia ter recuperado sua
postura de brigão. Em resposta, Paulo se levantou num pulo, enquanto recolocava
o curativo e encarava o outro menino, alguns centímetros abaixo.
– Quer levar outra surra,
Emmanuel? – não tinha mais medo do outro garoto, talvez só tivesse um pouco medo
de acabar ganhando outra suspensão, mas não deixaria que aquele grandalhão
percebesse isso.
– Não, meu pai disse que
se eu sentar o braço em um pirralho magricela como você de novo, eu vou ser um
covarde. – não tinha sido bem isso que o pai falou. Mas a ameaça foi clara “Se eu souber que você se meteu em briga de
novo, te dou uma surra que vai te fazer ficar sem sentar por um mês!”.
– O Marcelo me disse que
só covardes é que usam a violência pra resolver os problemas. – Também não
tinha sido bem isso, foi mais algo como “A
Violência é a saída dos covardes”.
– Marcelo? É o viado que
mora com seu irmão viado? – tinha ouvido a mãe fofocar sobre os responsáveis de
Paulo no portão da escola outro dia e a ouviu usar uma palavra menos “agressiva”
para se referir a eles, mas, a ideia era a mesma.
– O que você falou do meu
irmão e do Marcelo? – Paulo estava apertando as mãos em punhos e quase pronto
para dar um soco de baixo para cima no outro menino, quando o sinal soou,
informando o fim do intervalo.
– Melhor ir pra sala,
noivinho-idiota ou eu posso acabar quebrando a promessa que fiz pro meu pai e
te arrebentar na porrada aqui mesmo. – Emmanuel disse tentando se fazer de
confiante, mas por um segundo sua voz tremeu, pois lá no fundo sabia que Paulo
era um adversário a altura.
– Fica longe da gente
Emmanuel ou da próxima vez, sou eu que vou te dar uns cascudos. – Paulo
murmurou por entre dentes enquanto volta com os dois amigos para a sala de
aula.
Por fora estava calmo,
mas por dentro sentia que ia explodir de raiva.
***
Estava atendendo um
paciente na clinica de acupuntura e quando foi acompanhá-lo até a porta, viu
que o homem tinha trazido o filho. Um menino da idade de Paulo e que exibia uma
arte interessante feita no cabelo. Um Homem-Aranha desenhado com tinturas e uma
extensão de teia.
– Que legal esse cabelo,
rapaz! – o menino sorriu envergonhado e o pai disse para que agradecesse, ao
que o garoto murmurou um “obrigado”.
– Desculpa se eu vou ser
inconveniente, mas, onde ele fez? É que o irmãozinho do meu marido é muito fã
de Homem-Aranha também. – não, ele não falava de Diego para todo mundo, mas
aquele paciente o conhecia há anos e sabia do relacionamento deles. Afinal,
infelizmente, quando se lida com o publico há certas informações que você deve
manter particulares.
– Rapaz, mas fui eu que
fiz. Não te falei né? Eu sou barbeiro e com especialidade em arte em cabelo, o
Ronaldo aqui gosta tanto desse “homiranha” ai que eu resolvi tentar fazer um
agrado pro menino e... Ficou assim. A tintura é temporária, ela dura uma média
de 15 dias e vai desbotando de vagar. Daí fica só o corte normal. – Ronaldo em
resposta, sorriu orgulhoso ao ver o pai falando da arte no seu cabelo.
– Aqui o cartão do meu
salão. Passa lá uma hora dessas, eu faço um desconto pra você. Não, claro que
eu tenho de fazer! Você arrumou minhas costas! Trabalhar tanto tempo em pé
ferra com a coluna da gente. – Marcelo pegou o cartão e perguntou se poderia
tirar uma foto só do cabelo do menino, para mostrar a Paulo.
– Ele adora o personagem,
a gente até fez a festa de aniversário dele esse ano com esse tema. –
conversaram por mais alguns minutos e então o homem foi embora, levando junto o
filho com o cabelo desenhado.
Marcelo enviou a foto
pelo whatsapp para Diego com uma mensagem “Olha
só esse cabelo, é do filho de um paciente, que disse que se eu levar o Paulo no
salão pode fazer uma arte igual no cabelo dele. O que acha?”
***
Tinham começado a ensaiar
a quadrilha e foi uma grande confusão para o primeiro dia. Marta tentava
ensinar a coreografia, mas sempre havia uma criança que virava para o lado
oposto ou pisava no pé do coleguinha da frente. No fim, deram aquele dia de
treino por encerrado.
E já estava quase na hora
de ir embora, quando a Profê Marta passou nas carteiras entregando um pedaço de
papel impresso onde se lia em letras maiúsculas “REUNIÃO DE PAIS E MESTRES” e
embaixo o dia e o horário. Paulo sentiu orgulho de conseguir ler todas as
informações e ao ouvir que deveriam entregar aos pais ou responsáveis, guardou
sua copia dentro do caderno com cuidado.
– Profê Marta! – Luís
ergueu a mão, chamando atenção dos demais alunos, já que ele quase nunca se
manifestava em voz alta na classe.
– Sim? – ela se aproximou
da mesa do menino e parou ao lado, observando.
– Meus pais estão
cuidando da minha avó que está doente, bom, é a minha mãe que tá cuidando dela,
porque meu pai trabalha, eu queria saber se... A minha irmã Miriam pode vir na
reunião no lugar da minha mãe? – a avó de Luís ainda estava se recuperando da
pneumonia que contraiu e o menino via como a mãe se dedicava à velhinha e
quando enfim tirava um tempo para relaxar, estava sempre muito cansada. Ele
tinha dó da mãe e queria ajudar.
– Claro que pode. A
reunião será para conversar sobre o progresso de vocês neste primeiro semestre
antes das férias. O importante é que alguém da sua família ou responsável venha
para que eu possa conversar com eles sobre vocês. – Luís suspirou aliviado, pensando
se Miriam iria poder vir. Mas era mais fácil pedir para a irmã do que para sua
mãe.
O sinal soou estridente,
informando que era hora de irem embora e todos saíram correndo porta a fora, as
mochilinhas balançando e os sapatos batendo contra o piso até estarem fora da
escola.
Mayara conversava com a
irmã de Luís e a mãe de Agatha, quando foi abraçada por Paulo que em seguida
ergueu o rosto sorrindo. Ao mesmo tempo, as outras duas crianças desataram a
falar sobre a quadrilha e a reunião de pais e mestres para as duas mulheres e
logo as três se despediram, levando seus pequenos cada um para um lado.
– E ai, como foi voltar
pra escola depois de dois dias longe? – Paulo franziu o cenho numa expressão
muito concentrada e em seguida soltou um “foi
legal!”, o que fez Mayara rir.
– Mas... – segurava a
mãozinha do menino enquanto atravessavam uma rua e percebeu um quê de incomodo
naquela voz.
– “Mas” o que? Aconteceu
alguma coisa ruim? – viu o garoto negar com um gesto forte e negativo de
cabeça, no entanto, em seguida ele suspirou cansado e baixou a voz ao dizer.
– É o Emmanuel. – aquele
menino de novo? Até quando aquele moleque ia infernizar a vida de Paulo?
– O que ele fez? – ouviu
o menino conta da pequena discussão que tiveram no intervalo e pensou em vários
conselhos para dar a Paulo, mas no fim, viu que não era necessário, quando o
ouviu dizer, confiante.
– Eu não vou cair mais
nessa dele me provocar e então eu bato nele e levo suspensão. Nunca mais mesmo!
– o menino exibia uma expressão concentrada e séria, mas de um segundo para o
outro mudou para um sorriso amplo e iluminado quando perguntou se poderia andar
de bicicleta quando chegassem em casa.
E era isso que Mayara
admirava nas crianças, a capacidade de deixar um assunto incômodo de lado e pensar
em algo bom e divertido com a mesma rapidez.
Continua...
Nota da autora:
Oi gente,
Para quem acompanha
semanalmente, sim, voltei das férias (se você está lendo isso muito tempo
depois de postado, é só ignorar).
Pois bem, neste capítulo
tivemos muito de Paulo, um pouquinho de Diego e Marcelo. Os planos pro dia dos
Namorados já estão prontos e teremos quadrilha! Yey! E claro, futuramente, a
reunião de pais e professores da turma do Paulo.
Como vocês devem ter notado,
o Emmanuel é um valentão só na escola, em casa ele reprime seu ódio e tem pavor
do pai que bate nele e nos irmãos. Claro, isso não justifica o garoto ser um
valentão, mas, é parte da raiz do problema.
Quero agradecer cada
pessoa que deixou um comentário nesta história, que pasmem, eu estou escrevendo
desde 2020! E era pra ser uma oneshot de dia dos pais e bom, estamos no
capitulo 41!
Mas enfim é isso, muito obrigada por ler até aqui e até o próximo capítulo. E se tiver interesse, leia minhas outras histórias completas aqui na conta.
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