Quando Paulo
chegou na escola Segunda-feira, Luís e Agatha perceberam que ele estava
chateado e antes do sinal para entrarem na sala de aula soar, o menino contou o
que havia acontecido quando entraram em casa no dia anterior.
— Alguém pulou o
muro da casa do lado e roubou minha bicicleta. Eu tou tão triste com isso! Nem
tive tempo de andar muito nela. — o menino estava cabisbaixo e exibindo uma
expressão tristonha e quando Emmanuel lhe deu um empurrão, ao invés de
ignorá-lo, como vinha fazendo nos últimos meses, Paulo foi atrás dele e lhe deu
uma rasteira.
O outro garoto
caiu de bunda no chão encarando-o com um misto de surpresa e raiva e enquanto
se levantava, preparando-se para dar um soco no menino mais baixo, o ouviu
dizer, com um tom de voz sem emoções.
— Eu não tenho
mais medo de você. Na verdade não aguento mais você perseguindo a gente! Isso
acaba hoje. — em resposta levou um soco na bochecha que fez com que
escorregasse pelo pátio e quando ainda tentava se levantar, ele viu Emmanuel
vindo em sua direção, sentando-se sobre sua barriga, pronto para lhe dar mais
socos.
— Vocês dois parem
com isso, agora! —Neusa, a responsável pela entrada e saída das crianças gritou
enquanto corria até o pátio separá-los, auxiliada pelos professores. Paulo
estava apanhando, mas também revidava da melhor forma que podia e tinha
acertado o joelho no meio das pernas do outro menino, fazendo-o cair de lado,
as mãos envolvendo o lugar golpeado.
— Mas o que
aconteceu aqui? — Neusa perguntou enquanto segurava o braço de cada menino em
uma das mãos, impedindo de se atacarem de novo.
— Ele que começou!
— gritou Paulo com lágrimas de raiva brotando nos cantos dos olhos. Odiava o
outro garoto e queria socá-lo até deixar a cara dele toda roxa. Nunca em sua
curta vida tinha sentido tanta vontade de descarregar sua frustração e raiva em
outra pessoa, como queria fazer agora com o outro garoto.
— Mentira! Ele me
deu uma rasteira! — gritou Emmanuel enquanto tentava se livrar do aperto da mão
de Neusa ao redor de seu pulso.
— Não quero saber quem começou, mas vocês vão
parar com isso agora! A diretora ainda não chegou, então talvez, se os
professores concordarem, podemos deixar isso sem terminar com uma suspensão,
até porque eu conheço seus pais, Emmanuel, e a ultima coisa que quero é que
você leve outra surra por brigar na escola. — Neusa olhava para o garoto com
uma expressão severa, mas ao mesmo tempo um pouco maternal.
— E quanto a você,
mocinho, seu responsável com certeza não ficaria feliz de saber que você se
meteu em uma briga de novo. E nem aquela moça simpática que vem te buscar no
portão. — Paulo abaixou o olhar, sentindo o rosto esquentar de vergonha
enquanto fungava baixinho.
— Estamos
combinados aqui? — Neusa olhou para os outros dois professores que a ajudaram a
separar os garotos, Marta era uma delas e o outro era do terceiro ano,
Fabrício, ambos concordaram com um gesto de cabeça.
— Agora vão para a aula e lembre-se que se
fizerem isso de novo, eu não vou poder protegê-los, porque daí a diretora já
terá chegado na escola. — rumaram para a sala de aula, sentando-se em locais
opostos, de onde trocavam olhares de ódio entre si.
Paulo estava
frustrado com várias coisas que aconteceram com ele recentemente: a morte da
mãe, ter tido de mudar da sua casa antiga, ser constantemente infernizado por
Emmanuel, mas o que mais o estava irritando no momento era sua bicicleta ter
sido roubada.
Na madrugada de
Domingo para Segunda ele não dormiu direito com medo de que os ladrões
voltassem, mas naquela manhã seu medo foi substituído pela raiva transbordante
de que levaram embora uma das poucas coisas boas que tinha ganhado na vida.
No recreio mal
conseguiu comer o almoço e conversou pouco com os amiguinhos, que o observavam
com cuidado, como se ele fosse explodir a qualquer momento.
— Paulo... Você tá
legal? — Agatha deu uma mordida no sanduíche enquanto olhava para o menino que
brincava com o canudo que vinha na embalagem do suco de caixinha, ao invés de usá-lo
para beber.
— Não sei. Eu tou
com raiva, muita raiva mesmo. Parece que não posso ter nada bom que vem alguma
coisa e leva tudo embora. — finalmente espetou o canudo na caixinha de suco e tomou
um pouco, mas sentia-se desanimado.
— O Marcelo disse
que eles vão me dar outra, mas não sabem quando, porque agora a gente tem de
proteger a casa, pra não entrar mais nenhum ladrão... — quando resolveu comer o
sanduíche que tinha trazido, o sinal anunciando o fim do recreio soou.
— Dá só umas
mordidas rapidinho ai no lanche. Minha mãe sempre diz que a gente precisa comer
no intervalo da escola. — Luís comentou enquanto dava um tapinha no ombro do
amigo que era incentivado por Agatha a comer nem que fosse só um pouco.
Antes de entrarem
de novo na sala, Paulo conseguiu comer metade do sanduíche e beber quase a
caixinha de suco toda.
***
Marcelo tinha
ligado para a clínica de acupuntura e falado com a secretária, Claudia, para
perguntar como estava a agenda. Naquela segunda-feira ele só tinha um paciente
agendado para o fim do dia. Pediu para a moça que ligasse para a pessoa e
perguntasse se podia remarcar para o dia seguinte, no mesmo horário.
— Tive um
imprevisto aqui em casa e vai levar o dia todo para resolver. Não, não é nada
sério. Obrigado Claudia. A gente se vê amanhã. — desligou enquanto entrava na
loja de materiais para construção. Tinha conversado com Diego antes de ele ir
trabalhar e falou que compraria as serpentinas de aço para colocar no muro.
“Tome cuidado. E se precisar contratar alguém
para instalar, contrate. Depois a gente conversa sobre o valor do serviço. Eu
não quero você subindo no muro e se machucando quando podíamos contratar alguém
pra fazer isso.” — foi o que Diego lhe disse enquanto saia com o carro, mas
Marcelo tinha um pequeno defeito, acreditava que não precisava que pessoas “de fora” para ajudá-lo a fazer as coisas.
Comprou dois rolos
de serpentina de aço, um saco de cimento e um par de luvas de couro cru,
daquelas usadas por pedreiros. Quando era mais jovem tinha ajudado um tio na
construção da casa, então sabia preparar a massa e acreditava que com as instruções
básicas da embalagem, conseguiria instalar aquele negocio do muro.
A coisa toda levou
a manhã inteira e quando estava chegando em casa, viu de longe Mayara andando
pela calçada acompanhada de Paulo, que ainda exibia aquela expressão magoada do
dia anterior. Ver o menino chateado daquele jeito cortava seu coração, mas não
havia muito que pudessem fazer no momento. Talvez conseguissem comprar outra
bicicleta para ele no Natal, e começaria a guardá-la dentro de casa então,
mesmo com a proteção do muro.
— Ei vocês ai! —
cumprimentou enquanto descia para abrir o portão da casa. Em resposta, Paulo
correu em sua direção, lhe dando um abraço apertado de boas-vindas. Marcelo
cumprimentou a moça com um beijinho no rosto e enquanto dava para o menino a
chave para abrir a porta da casa, ele a atualizou sobre a situação do dia
anterior.
— É, o Paulo meio
que me contou o que houve, mas eu não estava entendendo direito. O ladrão
entrou na casa? — disse que não, só no quintal, mas que tinham levado além da
bicicleta do menino, outras coisas de valor.
— O Diego teve uma
crise de pânico e o Paulo, uma crise de choro, e eu fiquei no meio tentando
segurar tudo no lugar. Foi bem complicado. — Marcelo disse, para em seguida
guardar o carro na garagem e então após fechar o portão, acompanhar Mayara para
dentro da casa.
— Eu comprei umas
coisas pra proteger o muro, mas preciso pedir a você que não deixe ele ir lá
fora até eu terminar. As serpentinas são cortantes e eu não quero que o Paulo
se machuque. — viu a moça concordar com um meneio de cabeça enquanto observava
o garoto ir até o quarto trocar de roupa.
— Você já almoçou
Marcelo? — respondeu que não, mas para que ela não se preocupasse com isso, ao
que a moça rebateu com “O Paulo vai
almoçar, você podia comer com a gente, ele ia adorar.”
— Tá certo, você
tem razão. Vou só pegar as coisas no carro e colocar ali fora e já volto. — em
questão de minutos Paulo já havia trocado o uniforme por um conjunto de shorts
e camiseta do Homem-Aranha e um par de chinelos de borracha. O menino estava
com uma expressão vazia e Mayara pensou no que poderia fazer para alegrá-lo.
***
Apesar de ter dito
que não pegaria um resfriado, Joaquim acordou aquela manhã com o nariz entupido,
os olhos lacrimosos e ardendo e a cabeça estourando de dor. Tentou disfarçar
para Francisco não perceber, mas não teve muito sucesso, afinal, dividam a cama
e logo que o outro acordou, a primeira coisa que fez foi medir sua temperatura
com as costas da mão.
— É oficial, você
pegou um resfriado. Agora temos duas opções. Eu ligo para Joana e falo que você
está doente e não vai poder trabalhar hoje... — ao que Joaquim respondeu com um
“não...” choroso. — ou eu te dou uma
carona até a loja e levo almoço e um remédio para resfriado pra você e passo te
buscar e você usa uma máscara cirúrgica durante o dia.
— Não é meio
exagerado? Digo, máscara cirúrgica? — Joaquim riu enquanto se sentava na cama,
cobrindo o nariz com os dedos para sufocar um espirro, mesmo sob a repreensão
do outro de que fazer aquilo era ruim.
— Você trabalha
com gente e imagina se passa esse resfriado para sei lá, uma criança que vai na
loja com a mãe ou uma grávida ou uma velhinha e... — ergueu uma das mãos em um
gesto para que Francisco parasse.
— Entendi seu
ponto de vista. Tudo bem. Acho que ainda tenho algumas guardadas da época que
eu trabalhava para a Ellen. Eu só não quero gastar minhas faltas por doença por
causa de um resfriado idiota, sabe? Mas fico feliz que você se preocupe comigo.
— beijou o namorado no rosto e levantou-se rumando até o banheiro.
Isso tinha sido há
umas três horas atrás. Naquele momento estava atendendo uma grávida que
informou que o bebê nasceria dali dois meses e que queria um kit banho
infantil. Estava usando a tal mascara cirúrgica e após a surpresa inicial da
moça ao vê-lo daquele jeito – e a explicação que deu e que a tranquilizou – o
atendimento ia muito bem.
E então ouviu o
sino da porta informando que alguém havia entrado. Ergueu o olhar rapidamente e
encontrou Francisco carregando a costumeira sacola com a marmitex e outra menor
com o logo de uma farmácia. “Eu já vou lá.” Disse apenas movimentando os lábios
enquanto via o namorado cruzar a loja e sumir na porta que dava para a pequena
copa nos fundos.
— Certo então meu
bem, vou levar este quite e mais algumas esponjas daquelas ali em formato de
bichinhos e um vidro deste shampoo de camomila. — a grávida pagou com cartão e
Joaquim deu um sabonete em forma de patinho como brinde, desejando que
ocorresse tudo bem no dia do nascimento do bebê.
— Obrigada,
querido. Melhoras pro seu resfriado. — e ela saiu bamboleante pela porta,
caminhando até o outro lado da rua onde com certeza estava chamando um uber
pelo celular. Joaquim foi até a porta da loja e trancou-a, virando a plaquinha
de “aberto” para “fechado”.
Assim que entrou
na copa, retirou a máscara cirúrgica e suspirou cansado, encostando-se contra
as costas de Francisco que abria as marmitex sobre a mesinha de acrílico.
— Eu tou tão
cansado! Nunca me senti tão cansado em toda a minha vida. Não entendo como que
fui pegar essa porcaria de resfriado... Mas eu odeio isso! — sentou-se numa das
cadeiras e cutucou o conteúdo da marmitex com o garfo. O resfriado o tinha
deixado sem apetite.
— Não tou com
fome. — mas se arrependeu de ter dito aquilo assim que viu a expressão
repreensiva de Francisco que parecia dizer “eu
vim até aqui te trazer o almoço e você fala isso?”. Mas ao invés de uma
bronca, sentiu um agrado ser feito em seus cabelos e suspirou.
— Come só um pouquinho.
Você precisa de forças pra enfrentar o resto do dia. E eu trouxe um remédio pra
resfriado, a farmacêutica disse que era pra tomar depois de comer, então... —
comeu algumas garfadas da refeição e assim que sentiu o sal na língua, sentiu
um pouco do seu apetite voltar.
Francisco mediu
sua temperatura com as costas da mão e então pegou um copo de água no filtro e
colocou sobre a mesa junto dos dois comprimidos. No fim Joaquim acabou
conseguindo comer a marmitex toda.
— Não sabia que eu
tava assim com tanta fome. Mas sabe, eu tou me sentindo um pouco melhor. —
descartou as embalagens e tomou o remédio, recebendo um beijo na têmpora por
parte de Francisco.
— Eu fico feliz de
ouvir isso. Queria poder ficar mais um pouco, mas só sai pro horário de almoço
mesmo, então, tenho de voltar pra editora. Mas você sabe né, qualquer coisa me
manda uma mensagem que eu dou um jeito de vir. — trocaram um beijo apaixonado,
mesmo sob os protestos de Joaquim de que o outro ia pegar seu resfriado.
— Se eu pegar, daí
você cuida de mim, né? — ouviu o namorado responder rindo, “Claro, né, seu bobo”, enquanto lhe dava
um tapa leve no braço. Beijou-o na testa e disse que voltaria por volta das 18h
para buscá-lo.
Saiu da loja meio
preocupado com Joaquim e ao mesmo tempo se repreendendo por fazer isso. Sabia o
quanto o loiro ficava incomodado quando ele o tratava daquela forma super
protetora, estava tentando controlar aquele impulso de protegê-lo de tudo, mas
ainda acaba fazendo aquilo de vez em quando. E não era por mal, só queria
cuidar para que Joaquim se sentisse amado e bem cuidado, afinal depois de tudo
que o outro passou no relacionamento anterior, Francisco queria que ele fosse
feliz.
***
Almoçaram os três
juntos, Mayara conversou com Paulo, na frente de Marcelo, sobre a briga que ele
teve mais cedo com Emmanuel. Neusa havia contado para ela, apesar de não ter
feito a mesma coisa com a mãe do outro menino. A mulher disse a ela. “Só estou te contando porque sei que o
guardião dele não vai dar uma surra no menino. Eu já vi como ele cuida bem do
Paulo. Ele e o companheiro dele”.
— Paulo, você não
pode resolver as coisas com os punhos. —
Marcelo declarou enquanto via o menino empurrar a comida de um lado para o
outro do prato, sem ter comido nenhum bocado.
— Quando o Diego
chegar, eu vou ter de contar para ele. — ele então conseguiu a atenção do
menino que o encarou com grandes olhos estáticos e assustados. Mayara observava
a cena em silencio.
— Você sabe que
ele não vai ficar bravo e muito menos te bater ou colocar de castigo. A gente
entende que você está chateado por causa da bicicleta, mas não é assim que vai
decidir as coisas. Batendo em outro garoto. Eu sei, ele vem te incomodando e
perseguindo e isso não está certo, mas você não deve descer no nível dele...
Caramba parece que a gente já teve essa conversa há pouco tempo. — declarou
Marcelo suspirando cansado e vendo a expressão fixa do menino se manter
estática.
— Não precisa
ficar preocupado. Eu vou falar com o Diego e ele não vai ficar bravo com você,
tá bom? Agora come que tá muito bom. A Mayara fez especialmente pra gente. —
viu o menino enfiar uma garfada de comida na boca e relaxar e pensou que os
traumas da criação causados pelo pai do menino ainda estavam enraizados nele.
Enquanto Mayara
ficava na sala com Paulo assistindo desenho e colorindo algumas ilustrações,
Marcelo armou a escada ao lado do muro e começou a espalhar a massa que fez com
o cimento para em seguida começar a desenrolar a serpentina, fixando-a na pasta
úmida sobre o muro.
Estava indo tudo
bem, até que uma das pontas afiadas da serpentina prendeu em sua luva,
arrancando-a parcialmente e então cortando um pedaço da pele descoberta,
fazendo-o gritar de dor e soltar um palavrão.
— Caralho de asa,
mas que porra! — o que ele não notou é que Paulo estava atrás dele, parado do
lado da porta que dava para o pequeno quintal, observando-o no começo com
admiração, mas agora com uma expressão de horror chocada. Marcelo tinha dito um
palavrão! O menino entrou novamente e voltou a colorir, mas guardou aquelas
palavras que tinha ouvido em sua mente.
***
Quando chegou em
casa a tarde, foi recebido pelo irmãozinho que o abraçou apertado e contou
sobre o dia que tinha tido na escola e em casa. O menino não parava de falar e
Diego achou isso um tanto suspeito e ao trocar um olhar com Mayara, ela fez uma
expressão meio desconfortável que fez Diego questionar o que havia acontecido.
Marcelo veio do
quintal, exibindo um curativo improvisado na altura do fim do polegar e coberto
de pó de cimento e exibindo uma expressão cansada, mas satisfeita que dizia “não precisei da ajuda dos outros. Fiz tudo
sozinho”.
— Aconteceu um
bocado de coisa enquanto eu estive fora, né? — Diego comentou com um quê de
ironia, enquanto puxava o marido para o quarto e pedia que Mayara esperasse só
alguns minutos, que ele a levaria para casa.
Dentro do quarto,
ele não sabia se inquiria sobre o ferimento na mão de Marcelo ou o
comportamento extremamente animado de Paulo. No fim sentou-se na beira da cama
e deixou que o marido falasse. Ouviu sobe a briga do menino na escola e
suspirou cansado, aquilo estava virando uma constante e ele teria de conversar
com Paulo sobre isso.
— E isso ai na sua
mão? Como que você se machucou assim? — ouviu a explicação de Marcelo e
suspirou pensando que se o outro tivesse contratado alguém para instalar a tal
serpentina, nada daquilo teria acontecido.
— Mas a coisa boa
é que tá tudo instalado e agora ninguém mais entra no nosso quintal. —
aproximou-se para beijar Diego, mas foi afastado enquanto o outro dizia para
que ele fosse tomar um banho. “Você tá
todo coberto de cimento. Tome um banho antes que fique com alguma assadura.”
Queria discutir, mas Diego tinha razão.
— Eu vou levar a
May embora e volto logo, daí a gente janta e talvez nós podemos ver um filme
depois que o Paulo for dormir. Hoje foi bem cansativo lá na imobiliária e eu ia
adorar um tempo só nós dois. — declarou enquanto saia do quarto e voltava para
a sala de entrada, de onde Marcelo o ouviu dizer para Paulo guardar os
brinquedos enquanto ele ia levar a moça embora.
— Preciso mesmo? —
o menino estava começando a fazer birra e ficar teimoso, sinais de que se
sentia confortável com eles.
— Se quiser
brincar com eles de novo amanhã, sim, precisa. Guarda tudo lá no baú do seu
quarto e então fica aqui bonzinho vendo desenho, o Marcelo vai tomar um banho e
logo ele vem ficar com você. — Paulo ainda choramingou um pouco tentando evitar
a tarefa, mas sob a lembrança de que se não guardasse os brinquedos, poderia
acabar tropeçando num deles quando levantasse e talvez até se machucasse,
obedeceu resmungando.
No quarto, Marcelo
riu.
***
Diego dirigia até a
casa de Joana e Lola para levar Mayara, enquanto conversava com a moça que não
sabia mais o que fazer com Paulo, o menino estava ficando teimoso e agora vivia
se metendo em brigas com aquele outro garoto da sala dele.
— Ele tá
crescendo, Diego. O outro menino vive provocando-o então é compreensível que
ele queira revidar. Eu entendo o seu lado, você não quer que ele vire alguém
violento, mas ele tá lidando com um bocado de coisas, o roubo da bicicleta foi
a gota que faltava pro copinho mental dele transbordar. Lembre que o Paulo tem
só sete anos de idade. Ele ainda é criança e já passou por tantas perdas... —
Ouvia a amiga e concordava mentalmente, o garoto tinha sofrido um bocado nos
últimos seis meses e apesar de todas as coisas boas que ele e Marcelo fizeram, ainda
havia coisas que ele não tinha conseguido digerir.
— Eu vou conversar com ele amanhã,
antes de levá-lo pra escola. Mas vou te falar uma coisa May, esse negócio todo
de criar uma criança é bem cansativo. Ainda mais quando eu nem tinha planos de
ter filhos – adotar – o que seja! — disse enquanto entrava na rua da casa da
moça.
— Imagino que esteja sendo difícil,
mas saiba que você fez um bem enorme aceitando se tornar guardião dele. — ela
declarou ao que Diego concordou com um gesto de cabeça enquanto dizia “eu gosto
do Paulo. Ele é um bom menino, é só que essa coisa toda de paternidade, de
criar uma criança, de ter responsabilidades por uma vidinha que vai depender de
mim por um bom tempo, isso tudo ainda me assusta pra caramba! — parou na frente
da casa e sentiu-se ser abraçado pela moça. Um abraço apertado de uma amiga
querida.
— Vai dar tudo certo, Diego. Já está
dando na verdade, é como as minhas mães dizem “A gente só aprende como é criar uma criança na prática”. Ah, e
traga ele aqui um dia desses, elas estão com saudades do “netinho favorito”.
— Ele é meu irmão, não meu filho, mas
sim, eu entendi. Diga que eu vou trazer no final de semana, se estiver tudo
bem. Tchau Mayara, obrigado por cuidar dele hoje também. — beijou a moça no
rosto e a viu descer em direção a casa. A porta se abriu e Lola saiu acenando
para ele. a pele negra brilhando contra a iluminação que vinha de dentro da
casa.
***
Francisco foi
buscá-lo no trabalho, como sempre. Mas fez questão de tirar sua temperatura com
as costas da mão mais uma vez e após constatar que a febre havia baixado um
pouco, exibiu uma expressão satisfeita.
— Eu estou me
sentindo bem melhor. Chegando em casa, a gente janta, daí eu tomo outra dose
daquele remédio e então vou dormir abraçando meu namorado gostoso e bonitão. — Joaquim
declarou sorrindo, recebendo um toque suave em sua mão por parte de Francisco.
Após comerem,
Joaquim tomou um banho morno e dois comprimidos do remédio para resfriado,
quando saiu do banheiro, trajando um pijama quentinho, foi recebido por
Francisco que já estava embaixo das cobertas e com a tevê ligada no catalogo de
um dos streamings que eles assinavam.
— Vem cá. — obedeceu e se aninhou no
abraço do namorado, escolhendo uma série de ficção cientifica, na qual com
certeza ele iria adormecer antes de terminar de ver o primeiro episódio, mas
estava tudo bem.
— Sabe? É bom ter alguém pra cuidar
de mim. — declarou envergonhado enquanto sentia o calor morno do corpo do
namorado contra o seu. Até conhecer Francisco, ninguém nunca o tratou bem. O
pai lhe dava surras diárias e a mãe não o impedia, na verdade, ela fingia que
não via nada. O namorado abusava dele de formas psicológicas e às vezes
físicas, ele não tinha amigos para quem correr ou na casa de quem pudesse
passar alguns dias. Se não tivesse sido apresentado a Francisco por aquela
colega de curso, que alguns meses depois se tornou uma amiga querida, talvez
ainda estivesse preso num relacionamento abusivo, frustrado e autodestrutivo.
— Quim, tá tudo bem? — ergueu o rosto
e viu Francisco observando-o e em resposta sorriu, respondendo que sim, estava
tudo ótimo. Em muito tempo ele podia dizer que as coisas não podiam estar
melhores.
Encostou a cabeça no ombro de
Francisco e então pescou um lenço de papel da caixinha e assuou o nariz,
adormecendo em poucos minutos.
Continua...
Nota da autora:
Olá pessoal!
Então, neste
capítulo aqui aconteceu um bocado de coisa. Paulo está lidando com vários
problemas acumulados e é preciso lembrar que ele só tem sete anos, ou seja, não
tem o emocional totalmente desenvolvido para lidar com os vários tipos de perda
que acontecem na vida.
Marcelo instalou a
serpentina sozinho – e Paulo “aprendeu” um palavrão. Okay, não foi O palavrão
mais feio do mundo – até porque eu não conheço muitos, mas a ideia de uma
criança dizer algo considerado obsceno já é incomodo por si só.
Joaquim pegou o
resfriado mesmo, mas Francisco cuidou dele. E talvez algumas pessoas achem que
o relacionamento deles é meio sufocante, mas é preciso lembrar que Joaquim vem
de vários relacionamentos abusivos, familiares e românticos, então Francisco só
quer lhe dar apoio emocional e cuidar dele – mas aos poucos ele vai perceber
que está sendo um pouco exagerado – no futuro.
Espero que tenham
gostado deste capítulo e até o próximo!
Perséfone Tenou
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