sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Lar é onde o coração está - capítulo 54

 

Quando Paulo chegou na escola Segunda-feira, Luís e Agatha perceberam que ele estava chateado e antes do sinal para entrarem na sala de aula soar, o menino contou o que havia acontecido quando entraram em casa no dia anterior.



— Alguém pulou o muro da casa do lado e roubou minha bicicleta. Eu tou tão triste com isso! Nem tive tempo de andar muito nela. — o menino estava cabisbaixo e exibindo uma expressão tristonha e quando Emmanuel lhe deu um empurrão, ao invés de ignorá-lo, como vinha fazendo nos últimos meses, Paulo foi atrás dele e lhe deu uma rasteira.

O outro garoto caiu de bunda no chão encarando-o com um misto de surpresa e raiva e enquanto se levantava, preparando-se para dar um soco no menino mais baixo, o ouviu dizer, com um tom de voz sem emoções.

— Eu não tenho mais medo de você. Na verdade não aguento mais você perseguindo a gente! Isso acaba hoje. — em resposta levou um soco na bochecha que fez com que escorregasse pelo pátio e quando ainda tentava se levantar, ele viu Emmanuel vindo em sua direção, sentando-se sobre sua barriga, pronto para lhe dar mais socos.

— Vocês dois parem com isso, agora! —Neusa, a responsável pela entrada e saída das crianças gritou enquanto corria até o pátio separá-los, auxiliada pelos professores. Paulo estava apanhando, mas também revidava da melhor forma que podia e tinha acertado o joelho no meio das pernas do outro menino, fazendo-o cair de lado, as mãos envolvendo o lugar golpeado.

— Mas o que aconteceu aqui? — Neusa perguntou enquanto segurava o braço de cada menino em uma das mãos, impedindo de se atacarem de novo.

— Ele que começou! — gritou Paulo com lágrimas de raiva brotando nos cantos dos olhos. Odiava o outro garoto e queria socá-lo até deixar a cara dele toda roxa. Nunca em sua curta vida tinha sentido tanta vontade de descarregar sua frustração e raiva em outra pessoa, como queria fazer agora com o outro garoto.

— Mentira! Ele me deu uma rasteira! — gritou Emmanuel enquanto tentava se livrar do aperto da mão de Neusa ao redor de seu pulso.

 — Não quero saber quem começou, mas vocês vão parar com isso agora! A diretora ainda não chegou, então talvez, se os professores concordarem, podemos deixar isso sem terminar com uma suspensão, até porque eu conheço seus pais, Emmanuel, e a ultima coisa que quero é que você leve outra surra por brigar na escola. — Neusa olhava para o garoto com uma expressão severa, mas ao mesmo tempo um pouco maternal.

— E quanto a você, mocinho, seu responsável com certeza não ficaria feliz de saber que você se meteu em uma briga de novo. E nem aquela moça simpática que vem te buscar no portão. — Paulo abaixou o olhar, sentindo o rosto esquentar de vergonha enquanto fungava baixinho.

— Estamos combinados aqui? — Neusa olhou para os outros dois professores que a ajudaram a separar os garotos, Marta era uma delas e o outro era do terceiro ano, Fabrício, ambos concordaram com um gesto de cabeça.

 — Agora vão para a aula e lembre-se que se fizerem isso de novo, eu não vou poder protegê-los, porque daí a diretora já terá chegado na escola. — rumaram para a sala de aula, sentando-se em locais opostos, de onde trocavam olhares de ódio entre si.

Paulo estava frustrado com várias coisas que aconteceram com ele recentemente: a morte da mãe, ter tido de mudar da sua casa antiga, ser constantemente infernizado por Emmanuel, mas o que mais o estava irritando no momento era sua bicicleta ter sido roubada.

Na madrugada de Domingo para Segunda ele não dormiu direito com medo de que os ladrões voltassem, mas naquela manhã seu medo foi substituído pela raiva transbordante de que levaram embora uma das poucas coisas boas que tinha ganhado na vida.

No recreio mal conseguiu comer o almoço e conversou pouco com os amiguinhos, que o observavam com cuidado, como se ele fosse explodir a qualquer momento.

— Paulo... Você tá legal? — Agatha deu uma mordida no sanduíche enquanto olhava para o menino que brincava com o canudo que vinha na embalagem do suco de caixinha, ao invés de usá-lo para beber.

— Não sei. Eu tou com raiva, muita raiva mesmo. Parece que não posso ter nada bom que vem alguma coisa e leva tudo embora. — finalmente espetou o canudo na caixinha de suco e tomou um pouco, mas sentia-se desanimado.

— O Marcelo disse que eles vão me dar outra, mas não sabem quando, porque agora a gente tem de proteger a casa, pra não entrar mais nenhum ladrão... — quando resolveu comer o sanduíche que tinha trazido, o sinal anunciando o fim do recreio soou.

— Dá só umas mordidas rapidinho ai no lanche. Minha mãe sempre diz que a gente precisa comer no intervalo da escola. — Luís comentou enquanto dava um tapinha no ombro do amigo que era incentivado por Agatha a comer nem que fosse só um pouco.

Antes de entrarem de novo na sala, Paulo conseguiu comer metade do sanduíche e beber quase a caixinha de suco toda.

***

Marcelo tinha ligado para a clínica de acupuntura e falado com a secretária, Claudia, para perguntar como estava a agenda. Naquela segunda-feira ele só tinha um paciente agendado para o fim do dia. Pediu para a moça que ligasse para a pessoa e perguntasse se podia remarcar para o dia seguinte, no mesmo horário.

— Tive um imprevisto aqui em casa e vai levar o dia todo para resolver. Não, não é nada sério. Obrigado Claudia. A gente se vê amanhã. — desligou enquanto entrava na loja de materiais para construção. Tinha conversado com Diego antes de ele ir trabalhar e falou que compraria as serpentinas de aço para colocar no muro.

Tome cuidado. E se precisar contratar alguém para instalar, contrate. Depois a gente conversa sobre o valor do serviço. Eu não quero você subindo no muro e se machucando quando podíamos contratar alguém pra fazer isso.” — foi o que Diego lhe disse enquanto saia com o carro, mas Marcelo tinha um pequeno defeito, acreditava que não precisava que pessoas “de fora” para ajudá-lo a fazer as coisas.

Comprou dois rolos de serpentina de aço, um saco de cimento e um par de luvas de couro cru, daquelas usadas por pedreiros. Quando era mais jovem tinha ajudado um tio na construção da casa, então sabia preparar a massa e acreditava que com as instruções básicas da embalagem, conseguiria instalar aquele negocio do muro.

A coisa toda levou a manhã inteira e quando estava chegando em casa, viu de longe Mayara andando pela calçada acompanhada de Paulo, que ainda exibia aquela expressão magoada do dia anterior. Ver o menino chateado daquele jeito cortava seu coração, mas não havia muito que pudessem fazer no momento. Talvez conseguissem comprar outra bicicleta para ele no Natal, e começaria a guardá-la dentro de casa então, mesmo com a proteção do muro.

— Ei vocês ai! — cumprimentou enquanto descia para abrir o portão da casa. Em resposta, Paulo correu em sua direção, lhe dando um abraço apertado de boas-vindas. Marcelo cumprimentou a moça com um beijinho no rosto e enquanto dava para o menino a chave para abrir a porta da casa, ele a atualizou sobre a situação do dia anterior.

— É, o Paulo meio que me contou o que houve, mas eu não estava entendendo direito. O ladrão entrou na casa? — disse que não, só no quintal, mas que tinham levado além da bicicleta do menino, outras coisas de valor.

— O Diego teve uma crise de pânico e o Paulo, uma crise de choro, e eu fiquei no meio tentando segurar tudo no lugar. Foi bem complicado. — Marcelo disse, para em seguida guardar o carro na garagem e então após fechar o portão, acompanhar Mayara para dentro da casa.

— Eu comprei umas coisas pra proteger o muro, mas preciso pedir a você que não deixe ele ir lá fora até eu terminar. As serpentinas são cortantes e eu não quero que o Paulo se machuque. — viu a moça concordar com um meneio de cabeça enquanto observava o garoto ir até o quarto trocar de roupa.

— Você já almoçou Marcelo? — respondeu que não, mas para que ela não se preocupasse com isso, ao que a moça rebateu com “O Paulo vai almoçar, você podia comer com a gente, ele ia adorar.

— Tá certo, você tem razão. Vou só pegar as coisas no carro e colocar ali fora e já volto. — em questão de minutos Paulo já havia trocado o uniforme por um conjunto de shorts e camiseta do Homem-Aranha e um par de chinelos de borracha. O menino estava com uma expressão vazia e Mayara pensou no que poderia fazer para alegrá-lo.

***

Apesar de ter dito que não pegaria um resfriado, Joaquim acordou aquela manhã com o nariz entupido, os olhos lacrimosos e ardendo e a cabeça estourando de dor. Tentou disfarçar para Francisco não perceber, mas não teve muito sucesso, afinal, dividam a cama e logo que o outro acordou, a primeira coisa que fez foi medir sua temperatura com as costas da mão.

— É oficial, você pegou um resfriado. Agora temos duas opções. Eu ligo para Joana e falo que você está doente e não vai poder trabalhar hoje... — ao que Joaquim respondeu com um “não...” choroso. — ou eu te dou uma carona até a loja e levo almoço e um remédio para resfriado pra você e passo te buscar e você usa uma máscara cirúrgica durante o dia.

— Não é meio exagerado? Digo, máscara cirúrgica? — Joaquim riu enquanto se sentava na cama, cobrindo o nariz com os dedos para sufocar um espirro, mesmo sob a repreensão do outro de que fazer aquilo era ruim.

— Você trabalha com gente e imagina se passa esse resfriado para sei lá, uma criança que vai na loja com a mãe ou uma grávida ou uma velhinha e... — ergueu uma das mãos em um gesto para que Francisco parasse.

— Entendi seu ponto de vista. Tudo bem. Acho que ainda tenho algumas guardadas da época que eu trabalhava para a Ellen. Eu só não quero gastar minhas faltas por doença por causa de um resfriado idiota, sabe? Mas fico feliz que você se preocupe comigo. — beijou o namorado no rosto e levantou-se rumando até o banheiro.

Isso tinha sido há umas três horas atrás. Naquele momento estava atendendo uma grávida que informou que o bebê nasceria dali dois meses e que queria um kit banho infantil. Estava usando a tal mascara cirúrgica e após a surpresa inicial da moça ao vê-lo daquele jeito – e a explicação que deu e que a tranquilizou – o atendimento ia muito bem.

E então ouviu o sino da porta informando que alguém havia entrado. Ergueu o olhar rapidamente e encontrou Francisco carregando a costumeira sacola com a marmitex e outra menor com o logo de uma farmácia. “Eu já vou lá.” Disse apenas movimentando os lábios enquanto via o namorado cruzar a loja e sumir na porta que dava para a pequena copa nos fundos.

— Certo então meu bem, vou levar este quite e mais algumas esponjas daquelas ali em formato de bichinhos e um vidro deste shampoo de camomila. — a grávida pagou com cartão e Joaquim deu um sabonete em forma de patinho como brinde, desejando que ocorresse tudo bem no dia do nascimento do bebê.

— Obrigada, querido. Melhoras pro seu resfriado. — e ela saiu bamboleante pela porta, caminhando até o outro lado da rua onde com certeza estava chamando um uber pelo celular. Joaquim foi até a porta da loja e trancou-a, virando a plaquinha de “aberto” para “fechado”.

Assim que entrou na copa, retirou a máscara cirúrgica e suspirou cansado, encostando-se contra as costas de Francisco que abria as marmitex sobre a mesinha de acrílico.

— Eu tou tão cansado! Nunca me senti tão cansado em toda a minha vida. Não entendo como que fui pegar essa porcaria de resfriado... Mas eu odeio isso! — sentou-se numa das cadeiras e cutucou o conteúdo da marmitex com o garfo. O resfriado o tinha deixado sem apetite.

— Não tou com fome. — mas se arrependeu de ter dito aquilo assim que viu a expressão repreensiva de Francisco que parecia dizer “eu vim até aqui te trazer o almoço e você fala isso?”. Mas ao invés de uma bronca, sentiu um agrado ser feito em seus cabelos e suspirou.

— Come só um pouquinho. Você precisa de forças pra enfrentar o resto do dia. E eu trouxe um remédio pra resfriado, a farmacêutica disse que era pra tomar depois de comer, então... — comeu algumas garfadas da refeição e assim que sentiu o sal na língua, sentiu um pouco do seu apetite voltar.

Francisco mediu sua temperatura com as costas da mão e então pegou um copo de água no filtro e colocou sobre a mesa junto dos dois comprimidos. No fim Joaquim acabou conseguindo comer a marmitex toda.

— Não sabia que eu tava assim com tanta fome. Mas sabe, eu tou me sentindo um pouco melhor. — descartou as embalagens e tomou o remédio, recebendo um beijo na têmpora por parte de Francisco.

— Eu fico feliz de ouvir isso. Queria poder ficar mais um pouco, mas só sai pro horário de almoço mesmo, então, tenho de voltar pra editora. Mas você sabe né, qualquer coisa me manda uma mensagem que eu dou um jeito de vir. — trocaram um beijo apaixonado, mesmo sob os protestos de Joaquim de que o outro ia pegar seu resfriado.

— Se eu pegar, daí você cuida de mim, né? — ouviu o namorado responder rindo, “Claro, né, seu bobo”, enquanto lhe dava um tapa leve no braço. Beijou-o na testa e disse que voltaria por volta das 18h para buscá-lo.

Saiu da loja meio preocupado com Joaquim e ao mesmo tempo se repreendendo por fazer isso. Sabia o quanto o loiro ficava incomodado quando ele o tratava daquela forma super protetora, estava tentando controlar aquele impulso de protegê-lo de tudo, mas ainda acaba fazendo aquilo de vez em quando. E não era por mal, só queria cuidar para que Joaquim se sentisse amado e bem cuidado, afinal depois de tudo que o outro passou no relacionamento anterior, Francisco queria que ele fosse feliz.

***

Almoçaram os três juntos, Mayara conversou com Paulo, na frente de Marcelo, sobre a briga que ele teve mais cedo com Emmanuel. Neusa havia contado para ela, apesar de não ter feito a mesma coisa com a mãe do outro menino. A mulher disse a ela. “Só estou te contando porque sei que o guardião dele não vai dar uma surra no menino. Eu já vi como ele cuida bem do Paulo. Ele e o companheiro dele”.

— Paulo, você não pode resolver as coisas com os punhos.  — Marcelo declarou enquanto via o menino empurrar a comida de um lado para o outro do prato, sem ter comido nenhum bocado.

— Quando o Diego chegar, eu vou ter de contar para ele. — ele então conseguiu a atenção do menino que o encarou com grandes olhos estáticos e assustados. Mayara observava a cena em silencio.

— Você sabe que ele não vai ficar bravo e muito menos te bater ou colocar de castigo. A gente entende que você está chateado por causa da bicicleta, mas não é assim que vai decidir as coisas. Batendo em outro garoto. Eu sei, ele vem te incomodando e perseguindo e isso não está certo, mas você não deve descer no nível dele... Caramba parece que a gente já teve essa conversa há pouco tempo. — declarou Marcelo suspirando cansado e vendo a expressão fixa do menino se manter estática.

— Não precisa ficar preocupado. Eu vou falar com o Diego e ele não vai ficar bravo com você, tá bom? Agora come que tá muito bom. A Mayara fez especialmente pra gente. — viu o menino enfiar uma garfada de comida na boca e relaxar e pensou que os traumas da criação causados pelo pai do menino ainda estavam enraizados nele.

Enquanto Mayara ficava na sala com Paulo assistindo desenho e colorindo algumas ilustrações, Marcelo armou a escada ao lado do muro e começou a espalhar a massa que fez com o cimento para em seguida começar a desenrolar a serpentina, fixando-a na pasta úmida sobre o muro.

Estava indo tudo bem, até que uma das pontas afiadas da serpentina prendeu em sua luva, arrancando-a parcialmente e então cortando um pedaço da pele descoberta, fazendo-o gritar de dor e soltar um palavrão.

— Caralho de asa, mas que porra! — o que ele não notou é que Paulo estava atrás dele, parado do lado da porta que dava para o pequeno quintal, observando-o no começo com admiração, mas agora com uma expressão de horror chocada. Marcelo tinha dito um palavrão! O menino entrou novamente e voltou a colorir, mas guardou aquelas palavras que tinha ouvido em sua mente.

***

Quando chegou em casa a tarde, foi recebido pelo irmãozinho que o abraçou apertado e contou sobre o dia que tinha tido na escola e em casa. O menino não parava de falar e Diego achou isso um tanto suspeito e ao trocar um olhar com Mayara, ela fez uma expressão meio desconfortável que fez Diego questionar o que havia acontecido.

Marcelo veio do quintal, exibindo um curativo improvisado na altura do fim do polegar e coberto de pó de cimento e exibindo uma expressão cansada, mas satisfeita que dizia “não precisei da ajuda dos outros. Fiz tudo sozinho”.

— Aconteceu um bocado de coisa enquanto eu estive fora, né? — Diego comentou com um quê de ironia, enquanto puxava o marido para o quarto e pedia que Mayara esperasse só alguns minutos, que ele a levaria para casa.

Dentro do quarto, ele não sabia se inquiria sobre o ferimento na mão de Marcelo ou o comportamento extremamente animado de Paulo. No fim sentou-se na beira da cama e deixou que o marido falasse. Ouviu sobe a briga do menino na escola e suspirou cansado, aquilo estava virando uma constante e ele teria de conversar com Paulo sobre isso.

— E isso ai na sua mão? Como que você se machucou assim? — ouviu a explicação de Marcelo e suspirou pensando que se o outro tivesse contratado alguém para instalar a tal serpentina, nada daquilo teria acontecido. 

— Mas a coisa boa é que tá tudo instalado e agora ninguém mais entra no nosso quintal. — aproximou-se para beijar Diego, mas foi afastado enquanto o outro dizia para que ele fosse tomar um banho. “Você tá todo coberto de cimento. Tome um banho antes que fique com alguma assadura.” Queria discutir, mas Diego tinha razão.

— Eu vou levar a May embora e volto logo, daí a gente janta e talvez nós podemos ver um filme depois que o Paulo for dormir. Hoje foi bem cansativo lá na imobiliária e eu ia adorar um tempo só nós dois. — declarou enquanto saia do quarto e voltava para a sala de entrada, de onde Marcelo o ouviu dizer para Paulo guardar os brinquedos enquanto ele ia levar a moça embora.

— Preciso mesmo? — o menino estava começando a fazer birra e ficar teimoso, sinais de que se sentia confortável com eles.

— Se quiser brincar com eles de novo amanhã, sim, precisa. Guarda tudo lá no baú do seu quarto e então fica aqui bonzinho vendo desenho, o Marcelo vai tomar um banho e logo ele vem ficar com você. — Paulo ainda choramingou um pouco tentando evitar a tarefa, mas sob a lembrança de que se não guardasse os brinquedos, poderia acabar tropeçando num deles quando levantasse e talvez até se machucasse, obedeceu resmungando.

No quarto, Marcelo riu.

***

Diego dirigia até a casa de Joana e Lola para levar Mayara, enquanto conversava com a moça que não sabia mais o que fazer com Paulo, o menino estava ficando teimoso e agora vivia se metendo em brigas com aquele outro garoto da sala dele.

— Ele tá crescendo, Diego. O outro menino vive provocando-o então é compreensível que ele queira revidar. Eu entendo o seu lado, você não quer que ele vire alguém violento, mas ele tá lidando com um bocado de coisas, o roubo da bicicleta foi a gota que faltava pro copinho mental dele transbordar. Lembre que o Paulo tem só sete anos de idade. Ele ainda é criança e já passou por tantas perdas... — Ouvia a amiga e concordava mentalmente, o garoto tinha sofrido um bocado nos últimos seis meses e apesar de todas as coisas boas que ele e Marcelo fizeram, ainda havia coisas que ele não tinha conseguido digerir.

— Eu vou conversar com ele amanhã, antes de levá-lo pra escola. Mas vou te falar uma coisa May, esse negócio todo de criar uma criança é bem cansativo. Ainda mais quando eu nem tinha planos de ter filhos – adotar – o que seja! — disse enquanto entrava na rua da casa da moça.

— Imagino que esteja sendo difícil, mas saiba que você fez um bem enorme aceitando se tornar guardião dele. — ela declarou ao que Diego concordou com um gesto de cabeça enquanto dizia “eu gosto do Paulo. Ele é um bom menino, é só que essa coisa toda de paternidade, de criar uma criança, de ter responsabilidades por uma vidinha que vai depender de mim por um bom tempo, isso tudo ainda me assusta pra caramba! — parou na frente da casa e sentiu-se ser abraçado pela moça. Um abraço apertado de uma amiga querida.

— Vai dar tudo certo, Diego. Já está dando na verdade, é como as minhas mães dizem “A gente só aprende como é criar uma criança na prática”. Ah, e traga ele aqui um dia desses, elas estão com saudades do “netinho favorito”.

— Ele é meu irmão, não meu filho, mas sim, eu entendi. Diga que eu vou trazer no final de semana, se estiver tudo bem. Tchau Mayara, obrigado por cuidar dele hoje também. — beijou a moça no rosto e a viu descer em direção a casa. A porta se abriu e Lola saiu acenando para ele. a pele negra brilhando contra a iluminação que vinha de dentro da casa.

***

Francisco foi buscá-lo no trabalho, como sempre. Mas fez questão de tirar sua temperatura com as costas da mão mais uma vez e após constatar que a febre havia baixado um pouco, exibiu uma expressão satisfeita.

— Eu estou me sentindo bem melhor. Chegando em casa, a gente janta, daí eu tomo outra dose daquele remédio e então vou dormir abraçando meu namorado gostoso e bonitão. — Joaquim declarou sorrindo, recebendo um toque suave em sua mão por parte de Francisco.

Após comerem, Joaquim tomou um banho morno e dois comprimidos do remédio para resfriado, quando saiu do banheiro, trajando um pijama quentinho, foi recebido por Francisco que já estava embaixo das cobertas e com a tevê ligada no catalogo de um dos streamings que eles assinavam.

— Vem cá. — obedeceu e se aninhou no abraço do namorado, escolhendo uma série de ficção cientifica, na qual com certeza ele iria adormecer antes de terminar de ver o primeiro episódio, mas estava tudo bem.

— Sabe? É bom ter alguém pra cuidar de mim. — declarou envergonhado enquanto sentia o calor morno do corpo do namorado contra o seu. Até conhecer Francisco, ninguém nunca o tratou bem. O pai lhe dava surras diárias e a mãe não o impedia, na verdade, ela fingia que não via nada. O namorado abusava dele de formas psicológicas e às vezes físicas, ele não tinha amigos para quem correr ou na casa de quem pudesse passar alguns dias. Se não tivesse sido apresentado a Francisco por aquela colega de curso, que alguns meses depois se tornou uma amiga querida, talvez ainda estivesse preso num relacionamento abusivo, frustrado e autodestrutivo.

— Quim, tá tudo bem? — ergueu o rosto e viu Francisco observando-o e em resposta sorriu, respondendo que sim, estava tudo ótimo. Em muito tempo ele podia dizer que as coisas não podiam estar melhores.

Encostou a cabeça no ombro de Francisco e então pescou um lenço de papel da caixinha e assuou o nariz, adormecendo em poucos minutos.

Continua...

Nota da autora:

Olá pessoal!

Então, neste capítulo aqui aconteceu um bocado de coisa. Paulo está lidando com vários problemas acumulados e é preciso lembrar que ele só tem sete anos, ou seja, não tem o emocional totalmente desenvolvido para lidar com os vários tipos de perda que acontecem na vida.

Marcelo instalou a serpentina sozinho – e Paulo “aprendeu” um palavrão. Okay, não foi O palavrão mais feio do mundo – até porque eu não conheço muitos, mas a ideia de uma criança dizer algo considerado obsceno já é incomodo por si só.

Joaquim pegou o resfriado mesmo, mas Francisco cuidou dele. E talvez algumas pessoas achem que o relacionamento deles é meio sufocante, mas é preciso lembrar que Joaquim vem de vários relacionamentos abusivos, familiares e românticos, então Francisco só quer lhe dar apoio emocional e cuidar dele – mas aos poucos ele vai perceber que está sendo um pouco exagerado – no futuro.

Espero que tenham gostado deste capítulo e até o próximo!

Perséfone Tenou

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