sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Lar é onde o coração está - capítulo 57

Capítulo 57

 

Naquela tarde, quando Paulo chegou com Mayara da escola, o menino ficou animado ao encontrar Marcelo lá e mais ainda ao ver que ele tinha feito o almoço para os três.



— E como foi na escola hoje, rapaz? — Marcelo perguntou enquanto servia o almoço para eles e ao ouvir o menino contar que o valentão apareceu com um braço engessado, ele trocou um olhar com Mayara, que respondeu com um gesto de cabeça que parecia dizer “Pois é”.

— Você foi no hospital? — o menino perguntou enquanto levava uma garfada de comida à boca e olhava para a mão enfaixada de Marcelo com atenção e certo choque.

— Ah eu fui e deu tudo certo. Eles deram uns pontos, mas eu tenho de ficar em casa essa semana pra cicatrizar. — o rapaz viu o rosto de Paulo se iluminar de alivio e sorriu em resposta, fazendo um agrado rápido nos cabelos do garoto e em seguida olhando para a amiga, informou que se ela quisesse tirar aquela semana de folga, não tinha problema.

A moça sorriu e pensou que apesar de ter alguns dias livre seria ótimo, iria perder o salário da semana de tomar conta de Paulo, e esse dinheiro, apesar de não ser muito, estava fazendo a diferença em casa.

— Obrigada pela sugestão, Marcelo, mas... Como eu posso dizer isso sem soar mal agradecida...? — ela olhou para o prato de macarrão a sua frente, a fumaça cheirosa que subia da massa e suspirou, pensando que talvez acabasse estragando aquela amizade caso dissesse algo errado.

— O pagamento iria fazer falta, né? Eu que peço desculpas por ter sugerido algo assim, é que como eu vou ter de ficar em casa a semana inteira, só pensei que... Bom... Então... — ele se sentiu meio desconfortável, pois a coisa toda da moça tomar conta do garoto foi um acordo mutuo para ajudar tanto ele e Diego, quando ela mesma.

— Eu posso arrumar umas atividades pra fazer com o Paulo fora de casa esta semana, se você quiser... Ou a gente pode reduzir o valor desta semana e eu só vou buscar ele na escola. — ela sentiu sua mão ser segura pela do amigo e viu Marcelo sorrir de forma calmante e então dizer.

— May, tudo fica como a gente tinha combinado no começo do ano. Se eu não tivesse sido tão descuidado ontem, estaria lá no consultório há essa hora. Me desculpa ter sugerido algo assim... — Paulo que estava acompanhando a conversa, sentiu que o clima estava ficando ruim e pensou em algo para tentar deixar os dois felizes e então se levantou e correu buscar sua mochila.

Enquanto o menino foi até o quarto, Marcelo e Mayara trocaram um olhar envergonhado, mas ao mesmo tempo solidário. Quando o garoto voltou, ouviu Marcelo perguntar à moça sobre a namorada, Letícia. O clima estava mais leve.

— O que você foi buscar no quarto? — Marcelo perguntou e viu o garoto pegar uma folha de dentro do caderno e entregá-la com orgulho. Era uma prova de matemática que ele tinha feito na semana anterior. Exibia um grande “B+” em vermelho na caligrafia delicada da professora.

— Mas olha só! Um B+! Parabéns rapaz! — fez um agrado no cabelo do menino enquanto devolvia a prova e olhava para Mayara que sorria orgulhosa e falava que Paulo lhe disse que tinha uma surpresa, mas só ia contar quando chegassem em casa.

Sentiu-se cheio de orgulho com os elogios que recebeu dos dois adultos e após pegar o papel de volta, foi até o quarto guardá-lo novamente. Pretendia mostrar para Diego quando ele chegasse de tarde.

***

Pela primeira vez desde que começou a trabalhar na loja de sabonetes, Joaquim se viu na presença de uma das donas, Dolores, que passou lá para fazer um inventário do estoque. A mulher lembrava muito Mayara, no jeito simpático de falar, apesar de que na aparência, a moça ser mais parecida com a outra mãe, Joana.

— Estes kits de banho estão vendendo bem, não é mesmo, querido? — ela perguntou enquanto se aproximava do balcão e olhava para ele com aquelas grandes íris negras cativantes e sorria.

— Sim senhora. Os sais de banho também têm vendido bem, na verdade eu ia até avisar para fazermos uma encomenda de outra leva. — olhou rapidamente para o relógio no celular que estava em cima do balcão e então para a porta da loja, dali alguns minutos com certeza Francisco chegaria para almoçar com ele, e preferia que a dona da loja não visse.

— Sabe meu jovem, na verdade eu não precisava vir aqui hoje, podia ter resolvido tudo por telefone ou pedido para Mayara passar e conversar com você, mas a verdade é que Joana está me enlouquecendo. Ela está em casa por conta do infarto, sabe? E fica resmungando o dia todo que está entediada e é claro, isso me estressa. — viu a senhora suspirar cansada e apertar a ponte do nariz com os dedos e sentiu pena dela.

— Vocês estão casadas há um bom tempo, não é? — perguntou, mais para preencher o silencio e ouviu a mulher dar um risinho cacarejado enquanto a via circular o balcão, sentando-se num dos bancos atrás.

— 35 anos mês que vem. Sabe, como em qualquer relacionamento longo, temos momentos em que não suportamos ficar perto uma da outra, esse aqui foi um deles. Eu amo a Joana, mas às vezes... Ela me cansa. Mas mesmo assim, sou muito feliz de tê-la ao meu lado. — Lola suspirou sonhadora e então o encarou e sorriu.

— Mayara me disse que você tem um namorado. Espero não estar sendo inconveniente, mas, estão juntos há muito tempo? — Joaquim sorriu com a forma delicada com que Dolores perguntou e respondeu que fazia uns três anos que moravam juntos. Mal acabou de responder, quando a sineta em cima da porta soou, informando que alguém tinha entrado. Era Francisco.

— Oi, eu trouxe o almoço. — foi encontrá-lo e segurando-o pela mão, trouxe-o até perto do balcão, onde o apresentou para a dona da loja.

— Francisco, esta aqui é a dona Dolores, uma das proprietárias da loja. E este aqui é o meu namorado. — viu ele apertar com cuidado a mão da mulher negra idosa e a forma como ela sorriu para ele enquanto dizia que podiam chamá-la de “Lola”.

— Todo mundo me chama assim, a única que me chama de Dolores é Joana e só quando estamos brigando. — ela riu e se levantou, dizendo que precisava ir, mas não sem antes convidá-los para a festa de bodas que fariam no mês seguinte. “Faço questão que venham”. E dizer que tinha adorado conhecê-los.

— Senhorinha simpática ela. — disse Francisco enquanto via o namorado virar a placa de “aberto” para “fechado” e trancar a porta da loja.

Enquanto estavam almoçando, ouviu o loiro comentar que a mulher estava com a esposa há 35 anos com um quê de surpresa na voz e sorriu pensando se um dia poderia chegar a essa marca de tempo com ele. Mas sabia que Joaquim tinha certas ressalvar com esse tipo de comprometimento e decidiu que esperaria mais um tempo antes de propor algo.

***

Estava fazendo companhia para Paulo enquanto Marcelo foi ao mercado, quando seu celular apitou informando que ela tinha mensagem. Ao ler, um sorriso iluminou o rosto de Mayara.

Era Letícia.

Oi, como vão as coisas ai? Tudo bem? Estou com saudades.

Tá tudo bem. O Marcelo se machucou ontem então está em casa essa semana. Mas eu vou continuar vindo aqui tomar conta do Paulo. E o trabalho ai, como está? Também tou com saudades.

Você vai estar muito cansada hoje a noite? Pensei de a gente ir no cinema juntas e depois, se estiver tudo bem, você podia passar a noite lá em casa. Eu te trago pra buscar o Paulo na escola a tempo

Adoraria. Mas só se eu puder pagar o meu ingresso. E vai ser bom demais passar um tempo com você. Vou avisar minhas mães que não vou dormir em casa hoje. Que horas você vem?

Posso passar ai lá pelas 17h? você já vai estar livre? 

Claro. Não vejo a hora. Bjus.” — do outro lado da cidade, Letícia olhava para a tela do celular e sorria apaixonada.

***

Quando chegou em casa, Diego foi recebido por Paulo que veio correndo balançando um pedaço de papel na mão, todo orgulhoso. Após ver o que o menino estava trazendo, o rapaz sorriu e deu os parabéns ao irmãozinho, bagunçando seu cabelo e lhe dando um abraço.

Em seguida, viu o marido que dobrava as roupas em cima do sofá e Mayara, que passava um café na cafeteira e por um segundo teve a impressão de que estava sobrando naquele quadro, pois os três ali pareciam uma “perfeita família heteronormativa feliz”, com a exceção de que Marcelo era gay e seu marido e Mayara, demissexual e tinha uma namorada.

— Tá tudo bem, Di? — sentiu seu braço ser pego com carinho por Marcelo e então foi trazido de volta a realidade, forçando um sorriso enquanto depositava as chaves na tigela em cima do móvel ao lado da porta. Se odiava por ter aquele tipo de pensamento intrusivo e absurdo, mas não conseguia controlar. Às vezes acontecia e era tão perturbador.

— Então May, eu vou só trocar de roupa e já te levo pra casa e... — mas antes que terminasse a frase, viu a moça negar com um gesto de mão enquanto colocava o café na garrafa térmica.

— Ah não precisa, hoje a Letícia vem me buscar. A gente vai no cinema e depois... Eu vou posar na casa dela. — Mayara sussurrou a segunda parte da frase enquanto lançava um olhar para Paulo que estava absorto nos desenhos da tevê.

— Que beleza. Divirtam-se bastante então. — aproximou-se da moça e sorriu, agradecendo-a por ter feito o café, ao que a ouviu responder “não foi nada”.

— Na verdade foi sim, porque a gente contratou você só pra cuidar do Paulo, mas daí você sempre faz alguma coisa a mais. Vou te prometer uma coisa, May, tem essa casa grande que eu estou quase conseguindo vender, se eu conseguir nos próximos dias, mês que vem te dou um bônus no pagamento. Faço questão! — viu a amiga sorrir e sentiu-se meio desconfortável, pois enquanto eles estavam financeiramente bem, a moça dependia daquele valor para se manter.

O celular de Mayara tocou e quando ela atendeu, disse para Diego sem fazer som, que Letícia estava ali na frente a esperando.

— Bom, então eu vou indo. Boa noite rapazes, Paulo, dá um abraço aqui. — o menino largou o que estava fazendo em cima da mesinha de café e correu até a moça, abraçando-a com força e lhe dando um beijo estalado no rosto.

***

Quando viu Mayara sair pelo portão da casa, Letícia sorriu e no momento em que ela entrou no carro e a cumprimentou com um selinho nos lábios, a outra moça sentiu o coração bater mais rápido no peito e durante o trajeto até o cinema, ela ouviu a namorada falar do dia que teve enquanto tomava conta do garoto e ficou encantada com a forma como Mayara falava do menino, com tanto carinho.

 — Desculpa, eu fiquei falando o caminho todo e nem perguntei como foi o seu dia? — parou o carro no estacionamento do shopping e assim que desligou o motor, Letícia segurou a mão da namorada e a encarou sorrindo.

— O meu dia foi bem chato, na verdade, só fiquei ajudando a decidir estratégias de marketing pra uma empresa que contratou o escritório essa semana. Mas sabe o que eu gosto? É de te ouvir falar do seu dia. É muito gostoso te escutar contando sobre as coisas que acontecem enquanto você toma conta do Paulo, a forma como você fala dele, com tanto carinho. — em seguida beijou as costas da mão de Mayara com carinho, vendo a moça sorrir em resposta.

— Agora vamos lá, se a gente quiser pegar a sessão das 18h00. — o filme foi bom, mas melhor ainda foi o fato de que Letícia segurou sua mão e deitou a cabeça no seu ombro. Aqueles pequenos contatos eram mais íntimos para Mayara do que qualquer coisa sexual que poderiam fazer. Ela se sentia confortável ao lado da outra e querida.

Ao saírem da sala de cinema, jantaram na praça de alimentação e então voltaram para o apartamento de Letícia e na sua cabeça, Mayara ponderava se acabariam ou não fazendo amor, pois não achava que não conseguiria fazer algo assim, sem se preparar antes psicologicamente.

Quando entraram no apartamento, sentiu sua cintura ser abraçada por Letícia e um beijo morno ser depositado na curva do seu pescoço e suspirou num misto de satisfação e receio que não passou despercebido pela outra moça.

  — Tá tudo bem? — virou-se no abraço e olhou para Letícia, os olhos claros e o cabelo fofinho e curto emoldurando o rosto dela e então por reflexo, mordeu o lábio inferior com um pouco de força, pensando em como responder aquela pergunta.

— Tá... É só que... Você me convidou pra vir aqui, mas hoje eu... — se surpreendeu com o toque delicado dos dedos da outra contra sua bochecha e o sorriso cálido que ela exibiu.

— Eu não te convidei pra vir aqui pra gente ir pra cama. Claro que aquele dia foi muito bom, foi incrível na verdade, mas nosso relacionamento não precisa se resumir a isso. Gosto de ficar do seu lado e da sua companhia e isso é tão importante quanto o fato de eu gostar de fazer amor com você. Na verdade hoje, o que eu queria mesmo era só... — viu o rosto de Letícia começar a corar e a achou fofa por isso e em um gesto impulsivo lhe deu um beijo apaixonado nos lábios.

— O que você quer? Quem sabe eu consigo realizar esse desejo. — os poucos centímetros de diferença na altura delas agora pareciam metros e Letícia olhava para a namorada com uma expressão maravilhada.

— Eu queria poder dormir abraçando você. Foi tão bom acordar no outro dia com meus braços em volta da sua cintura e o perfume dos seus cabelos perto do meu rosto, o calor da sua pele contra a minha... Foi tão... Íntimo. — Mayara sorriu e fez um agrado nos cabelos da outra enquanto pensava que elas realmente dariam certo porque tinham a mesma linha de pensamento em vários pontos.

Para ela também tinha sido maravilhoso acordar aquele dia ao lado de Letícia, sentindo a textura sedosa da pele dela contra a sua, o som baixinho dela dormindo e suspirando e a proximidade entre elas.

— Seu desejo será concedido. — sussurrou contra o ouvido da namorada enquanto a abraçava, sentindo-a estremecer e suspirar deliciada.

Elas se beijaram mais uma vez naquela noite e para Mayara, a vida nunca tinha parecido tão mágica, quanto naquele momento.

Continua...

 

Nota da autora:

Bom gente,

Acho que nem adianta pedir desculpas, porque essa coisa de atrasar os capítulos está virando uma constante – mas eu tenho justificativa! – lembram daquele problema de saúde que eu disse que tive há algumas semanas? Pois é, não foi embora, na verdade piorou bastante e daí eu tive de me afastar de vários projetos. (inclusive, enquanto escrevo este capítulo, ainda estou doente e com dor, mas não queria deixar atrasar mais um mês).

Bom, sobre este capítulo.

Vimos um pouco do cotidiano do Marcelo na sua semana de “castigo”, Paulo tirou nota boa na prova de matemática e claro, o Diego sendo torturado por pensamentos intrusivos causados pela ansiedade (como eu sofro de ansiedade crônica e depressão, todos os comportamentos do Diego são meio que inspirados nas minhas crises).

Daí tivemos aquela cena fofinha da Lola com o Joaquim, eu gosto muito de escrever sobre as mães da Mayara, elas são umas fofas (sim, até a Joana meio rabugenta, ainda é fofa) e claro, já cantei a bola dos planos futuros do Francisco. Será que o loirinho aceitaria?

E por fim, tivemos Letícia e Mayara, outro casal fofo que eu adoro escrever. O relacionamento delas é um pouco mais complexo do que dos outros dois casais, até porque pelo fato da Mayara ser demissexual, a atração sexual dela pela Letícia funciona de uma forma bem diferente, mas como vocês viram, a Letícia quer mais do que só um relacionamento físico.

Enfim gente, nos próximos capítulos eu vou dar adiantamento aos eventos principais da história, incluindo o passeio das crianças ao Museu Cata-vento, a Parada LGBT+ e a festa de bodas das mães da Mayara (e tem mais coisas, mas serão mais pra frente).

Quero agradecer as pessoas que deixaram comentários, ElianeSouza852 e KamillyFerrariZoti, foi muito bom saber que vocês estão acompanhando e que gostam desta história. Obrigada de coração.

Espero estar melhor do meu problema de saúde até semana que vem e atualizar a história até o fim de 2022 (porque em Janeiro eu entro de férias, mas não se preocupe, teremos outro projeto pra preencher a lacuna) e a história retornará em Fevereiro/2023.

Obrigada por ler até aqui e se puder, deixa um comentário, eles fazem muita diferença pra mim. (na verdade, são eles que me dão ânimo para continuar escrevendo).

Perséfone Tenou 2022

   


Nenhum comentário:

Lar é onde o coração está

Sinopse: A vida de Diego mudou completamente quando ele recebeu uma ligação num Domingo de manhã, informando que sua mãe, com quem ele n...