domingo, 5 de fevereiro de 2023

Lar é onde o coração está - Capitulo 60

 

Mais cedo naquele dia, Mayara aproveitou a folga para adiantar as coisas da festa de bodas das mães. Ela ligou para o buffet e agendou o horário com a juíza de paz e então chamou um uber para levar as duas até a costureira, onde fariam vestidos de festa.



Durante o trajeto, Joana reclamou dizendo que achava um absurdo gastar dinheiro com uma roupa que só usaria uma vez na vida, ao que Lola rebateu com “Só se casa uma vez na vida também, mulher!” ao que a outra retrucou com “Mentira, a Lurdes lá do clube de ginástica já casou e divorciou de marido umas quatro vezes”.

— Joana, você sabe que casamento de hétero é diferente e para de ferver! — declarou Lola botando um ponto final na conversa enquanto Mayara, sentada ao lado da motorista, segurava o riso e via a moça fazer o mesmo.

Quando chegaram ao ateliê e as duas estavam descendo, ela ouviu a uber dizer enquanto dava um risinho divertido “Animadas essas duas, não?” ao que Mayara respondeu com “Você nem imagina o quanto”.

Depois da costureira, andaram alguns metros até um restaurantezinho simpático vegetariano e pararam para almoçar e foi durante esse momento que Lola perguntou de Letícia, como iam as coisas entre elas.

— Tá tudo bem, mãe. Ela é uma pessoa boa e eu gosto muito dela. — respondeu enquanto empurrava um punhado de arroz de um lado para o outro do prato com um olhar distante.

— Tem certeza disso, querida? Você parece meio aérea... — mães e seus sextos sentidos de ver as coisas, não tinha como escapar. A moça riu desconfortável e tomou um gole de suco antes de responder.

— Tá tudo indo bem, mãe, sério! É que eu tenho um pouco de receio de que ela termine comigo no futuro. — ouviu sua outra mãe, Joana, resmungar enquanto colocava sal na comida e era repreendida pela esposa, “Cuidado com o sal, quer ter outro ataque do coração?

— Mayara minha filha, se ela terminar com você, é porque não era pra ser. Daí você segue em frente e continua vivendo. Ai, Lola! — Dolores tinha dado um chute na canela da esposa por baixo da mesa, tentando repreendê-la por sua falta de tato.

— Mas é verdade, você lembra bem que namorávamos outras pessoas quando nos conhecemos, não é? Não vá mentir agora mulher! Ela namorava uma atleta de maratona e eu, uma artista plástica, a gente tinha o que? 20 e poucos anos? E nos encontramos em uma passeata pelos direitos das mulheres, lá no centro da cidade. E foi quando eu soube que ela era a pessoa certa da minha vida. — Joana segurou a mão de dedos enrugados e nodosos da outra com seus próprios os dedos enrugados e nodosos e sorriu enquanto sentia um beijo suave ser dado pro Lola em sua bochecha.

— Eu queria ter isso que vocês tem. — murmurou Mayara em um tom chateado enquanto empurrava o prato, tinha perdido o apetite.

— E vai ter, meu bem. Só não tente apressar as coisas. Tudo ao seu tempo. — Lola respondeu enquanto sorria de forma terna para a filha e pensava que, pelo pouco que havia visto da namorada da moça, talvez aquele fosse o momento que Mayara tanto esperava.

— É filha, não fique tão preocupada com isso, como dizia minha mãe... “O que será, será”. — e a frase de Joana fez aquela musiquinha chiclete* começar a tocar em loop na cabeça de Mayara, que lá pelo fim do dia, quando estavam voltando para casa, só queria colocar qualquer outra coisa para ouvir e se livrar daquela melodia enjoativa. Apesar de que, sua mãe estava certa.

***

Mais tarde naquele dia, quando o alarme do celular soou, Marcelo acordou alguns segundos antes de Diego, que estendeu a mão para o aparelho em cima da mesinha de cabeceira, dando um tapa e derrubando-o no chão – com o alarme ainda soando.

— É, parece que preguiçoso faz as coisas duas vezes mesmo. — Diego murmurou enquanto pescava o aparelho do chão e o desligava, sentando-se na cama e suspirando. Espreguiçou-se e ouviu algumas juntas estalarem, fazendo-o pensar que estava envelhecendo.

— Bom, eu tou indo pra aquela visita que eu falei, se der tudo certo, a família vai comprar o imóvel e a gente vai poder comemorar, e eu vou poder dar aquele bônus que falei pra Mayara. — trocou de roupa enquanto sentia o olhar de Marcelo nas suas costas e sorriu.

— Você pega o Paulo na escola pra mim? — perguntou enquanto se inclinava sobre a cama para beijar o marido nos lábios.

— Claro.  Vá tranquilo. — mas antes que Diego se afastasse, Marcelo o segurou pela nuca para mais um beijo apaixonado e então ele viu o marido sair do quarto, gritando um “até a noite” já na porta.

Teve tempo de tomar um banho rápido antes de sair para buscar o menino. Pelas fotos que a professora mandou no grupo do whats app, o dia de Paulo parecia ter sido bem divertido e Marcelo já esperava encontrar um garoto eufórico para contar tudo o que viu.

Estacionou atrás de outro carro que com certeza também tinha vindo buscar uma criança e então viu os dois ônibus de viagem virar a esquina e estacionarem meio metro da frente da calçada da escola. As crianças desceram e seguiram para dentro do prédio, onde a mulher que Paulo chamava de “tia do portão”, as contava e chamava conforme os pais ou responsáveis apareciam para pegá-las.

Marcelo enfim desceu do carro e quando se aproximou da entrada da escola, viu Paulo sair correndo lá de dentro em sua direção, sendo barrado pela mulher sentada do lado de dentro do portão.

— Aonde pensa que vai, rapazinho? Aquela moça que sempre vem te buscar ainda não chegou. — viu o menino fazer uma careta irritada antes de responder que aquele ali no portão era o Marcelo.

 — Hum, certo. O senhor seria o que dele? — a mulher perguntou, ao mesmo tempo que ele via uma moça trajando jeans e camiseta e rabo de cavalo se aproximar dos dois.

— Eu sou Marcelo, marido do Diego, irmão dele. Acho que meu nome está na ficha dos que podem buscá-lo. — a mulher, que ainda impedia Paulo de sair com o braço estendido na frente do menino pensou por uns segundos e respondeu.

— Ah sim, está certo. Você é o companheiro do irmão dele, certo? — Marcelo esboçou um sorriso desconfortável ao ouvir aquela palavra, mas sim, respondeu, era. Enfim, Neusa liberou Paulo para sair e o menino correu para abraçá-lo com um largo sorriso no rosto.

Estavam começando a rumar para o carro, quando Marcelo sentiu um toque suave ser dado em seu ombro esquerdo e ao olhar para trás, encontrou a tal moça de rabo de cavalo, que se apresentou como Marta, professora do menino.

— Oi, eu só queria me apresentar. Vi vocês na quermesse da escola no começo do mês, mas aquele dia a gente tava tão atarefado que nem consegui conversar com os responsáveis. — ela sorriu simpática e Marcelo correspondeu, enquanto sentia sua mão ser puxada pelo menino, que queria ir embora.

— Paulo, espera só um pouquinho, eu estou conversando com a sua professora. A  gente já vai pra casa, tá? — ouviu a moça cobrir o menino de elogios e acabou se sentindo orgulhoso por isso. Mesmo Paulo não sendo seu parente direto, sentia como se o menino fosse.

— Dá um alô pro seu marido, ele veio na última reunião de pais e mestres. — disse que assim faria, apertou a mão da moça e complementou informando que foi um prazer conhecê-la e então, se deixou ser puxado em direção ao carro pelo garoto.

Quando entraram, Marcelo quis dar uma bronca nele pela falta de educação, mas achou que uma conversa surtiria mais efeito, então explicou que quando alguém está conversando, ele tem de esperar.

— Ou você quer que eu ou o Diego simplesmente levemos você embora quando ainda está brincando com a Agatha e o Luís? A gente sempre avisa um pouco antes, pra vocês terem tempo de terminar o que estão fazendo. — ouviu o menino murmurar “desculpa” e em resposta bagunçou os cabelos dele com um agrado e sorriu.

— Tá tudo bem, rapaz. Eu sei que você tá querendo me contar como foi a visita no museu e eu quero ouvir tudo, mas não precisava ter tanta pressa. — ligou o carro e esterçou para a esquerda, saindo para a rua.

— Agora me conta, como foi o passeio? — e como num passe de mágica viu o menino mudar da expressão envergonhada e triste para uma de animação completa.

— Foi muito legal! A gente viu tanta coisa, eu escalei uma parede e... — os poucos minutos do trajeto entre a escola e a casa foram o bastante para ouvir sobre todas as maravilhas que a classe do menino tinha visto naquele dia. E quando chegaram em casa, disse para ele ir tomar banho enquanto preparava o jantar, com a promessa de que poderia contar mais à Diego quando ele chegasse em casa.

***

Quando viu o carro de Francisco se aproximando da lojinha de sabonetes, Joaquim suspirou aliviado. Não que o outro estivesse atrasado, mas sim porque o dia foi muito maçante. Ninguém entrou na loja e por conta de um imprevisto no trabalho, o namorado não pode ir almoçar com ele.

Entrou no carro e suspirou fundo, chamando a atenção do outro, que lhe fez um agrado no rosto, perguntando se havia acontecido algo.

— Até gostaria que tivesse, daí seria alguma coisa. Hoje eu fiquei que nem aqueles manequins de loja, parado atrás do balcão e não apareceu ninguém! Nem mesmo aquelas pessoas que dizem que “só estão olhando”, mas no fim acabam comprando alguma coisa. Hoje foi um dia tão chato! — Francisco olhou pro loiro com o canto do olho e sorriu, pois Joaquim estava fazendo um biquinho fofo e irritado com os lábios. Essa era uma mania do loiro que ele achava bonitinha.

— Mas pensa assim, hoje é sexta-feira, temos o final de semana inteiro livre. A gente pode ir em algum lugar ou só ficar em casa e maratonar uma série, o que você quiser fazer. — sorriu ao ouvir aquilo e pensou que o namorado estava certo, nem todo dia tinha de ser movimentando. E eles tinham o fim de semana.

— Como foi aquela reunião no almoço? — indagou de forma casual, vendo Francisco soltar um silvo de ar pelos lábios em resposta, indicando que havia sido exaustiva.

— Tá complicado com esse energúmeno no governo, sabe? O cara não libera verba para compra de livros escolares e pior, ficamos sabendo que perdemos outra concessão para uma editora ai que... Bom, é famosa por fazer livros com muitos erros ortográficos. Livros didático! —gostava do comprometimento de Francisco com a integridade dos livros que a editora dele produzia, ficava orgulhoso de ver que alguém ainda se preocupava com o conteúdo que era oferecido aos alunos.  

— Você comeu? — a pergunta veio de repente e o pegou meio de surpresa. Respondeu que sim, o que era uma meia verdade. Tinha comprado um suco numa lanchonete perto da loja, mas não teve vontade de pegar nenhum alimento sólido para acompanhar.

— “Mais ou menos” o que? — Joaquim suspirou vencido e contou a verdade. O fato era que, quando se conheceram, há pouco mais de três anos, ele tinha começado a ter tendências anoréxicas, elas nunca chegaram realmente a se desenvolver no distúrbio alimentar, mas ele na época tinha alguns indicativos e Francisco percebeu isso.

— Eu só não me senti muito animado de comer sozinho, só isso. Quando a gente chegar em casa eu vou jantar, tá bom? — respondeu meio arisco, o que não passou despercebido pelo namorado.

— Você sabe que eu não perguntei pra te irritar, né? Pelo contrário... — se calou quando o sinaleiro fechou e para sua surpresa, sentiu a mão morna do loiro segurando a sua, em cima da alavanca do câmbio.

— Sei que você faz essas coisas porque quer cuidar de mim, eu só fiquei meio ansioso com a falta de clientes e ficar o dia inteiro ali sozinho... Daí acho que perdi o apetite. Acontece. — o sinal abriu e Joaquim retirou a mão, deixando um fantasma da quentura de sua palma em cima da de Francisco.

— Você quer comer algo diferente? A gente pode passar num restaurante e pedir pra levar... — ouviu o outro rir baixinho e suspirar enquanto se recostava no banco do passageiro e respondia.

— Eu queria mesmo era que você cozinhasse... O que quiser! Sabe que eu adoro a sua comida. — mais uma vez o sinal fechou e então Francisco encarou o namorado, se perdendo na profundidade daqueles grandes olhos claros.

***

Quando chegou em casa, quase 19h00 sentia-se exausto e irritado. Pegou um enorme engarrafamento no caminho e o trajeto que deveria durar meia hora, levou mais de uma hora e meia. Diego estava querendo apenas um banho, comer e desmaiar na cama.

Mas, assim que abriu a porta, foi recebido por Paulo que veio correndo e o abraçou pela cintura, os cabelos molhados do banho exalando o aroma do shampoo infantil. E com aquele abraço, seu cansaço deu uma grande diminuída, enquanto abaixava-se para falar com o menino e em seguida, sentia sua mão ser puxada em direção a mesa da pequena cozinha. Paulo tinha muitas coisas para lhe contar.

Beijou o marido rapidamente e em seguida forçou interesse no que o garoto contava, apesar de suas costas estarem gritando de dor e ele querer desesperadamente um banho.

  ...E daí teve um lugar que tinha um monte de borboleta! E a moça lá disse que elas ficam soltas lá dentro e a gente viu uma que tava no casulo e então a Agatha falou que sabia que... — o menino jorrava palavras numa velocidade que Diego não conseguia sequer absorver, mas para não chateá-lo, continuou balançando a cabeça de modo afirmativo enquanto mantinha um pequeno sorriso fixo no rosto.

— E quando eu voltei pra cá, o Marcelo foi me buscar e daí a Profê Marta quis falar com ele e falou de você... — Diego lançou um olhar de duvida para o marido que sorriu e fez um gesto com a mão de “não precisa se preocupar”.

— É, parece que hoje foi um dia muito legal. Eu vi o que vocês fizeram porque a sua professora mandou fotos no grupo dos pais. Que bom que foi divertido, agora acho que você devia ir dormir, pra recarregar essas baterias. — Paulo aceitou a sugestão sem reclamar, pois estava estampado no rosto do menino, a pura exaustão de um dia muito divertido.

Diego o colocou na cama, cobrindo-o com o lençol e um cobertor, tudo com a estampa do herói aracnídeo. O menino ainda gostava muito daquele personagem, mas desde que tinha feito amigos, o interesse havia dado uma leve diminuída.

— Então boa noite, dorme bem e qualquer coisa já sabe né? Só bater aqui na porta do nosso quarto. — beijou o garoto na testa e fez um afago leve nos cabelos dele, que ainda estavam úmidos. Quase pensou em dizer que devia passar um secador antes de dormir, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, o garoto apagou no sono.

Voltou para a sala-cozinha onde Marcelo estava sentado no sofá, lendo outro daqueles grandes livros pesados, que Diego ironicamente chamava de “Calhamaço”* e então sentou-se ao lado dele, tinha esquecido do banho e do jantar e até do sono. Deitou a cabeça no ombro do marido e suspirou exausto, sentindo em resposta um agrado desajeitado em seu rosto.

Ao abrir os olhos para conferir porque o toque estava tão estranho, viu que Marcelo usava a mão esquerda, enquanto que a direita ainda mantinha o livro aberto na frente de seu rosto.

— Eu sei que você quer ser multitarefa, mas acho que não tá funcionando muito bem, sabe? — comentou rindo e vendo em resposta o marido marcar e fechar o livro e então, abraçá-lo por completo.

— Ele dormiu? — Marcelo perguntou ao que Diego respondeu “Apagou como uma vela, assim que deitou na cama”.

Eles permaneceram daquele jeito por alguns minutos, apenas apreciando a companhia um do outro, até que Diego declarou que realmente precisava de um banho e se levantou rumando em direção ao corredor do banheiro, mas então sentiu seu pulso ser seguro e ao olhar para trás, teve os lábios tomados com gentileza por Marcelo.

E durante aquele beijo, que não durou mais do que alguns segundos, Diego pensou em como estava feliz de seu casamento estar dando certo, o quanto se sentia orgulhoso de conseguir cuidar do irmãozinho e o mais importante, como era feliz de ter Marcelo ao seu lado.

Continua...

 

Notas da autora:

Oi gente, se você está lendo isso por volta dos dias 05/02/2023 então, acabei de voltar das férias que tirei em 2022. Ainda tem muita coisa para acontecer nos próximos capítulos e eu quero agradecer a cada pessoa que tem dado apoio para essa história – que era para ser só uma oneshot de dia dos pais e acabou virando, bom, essa enorme narrativa aqui.

Tivemos um pouco de Mayara, que ainda está receosa do relacionamento com Letícia, o que é compreensível, uma pessoa quando é magoada costuma ficar meio arisca quando entra em um novo relacionamento. Também tivemos algumas novas informações sobre as mães da moça, Lola e Joana, elas se conheceram em uma marcha pelos direitos das mulheres.

Em seguida vimos mais um pouco de Francisco e Joaquim, e mais informações novas, como o fato de o Joaquim quase ter sucumbido a anorexia, que é um problema de saúde bem complicado e que aflige muitas pessoas. Mas, como eu disse na história, ele começou a desenvolver sinais, mas não chegou a entrar de vez neste distúrbio alimentar.

Dei minha chutadinha básica no governo do Bozo (porque lembre-se, essa história se passa no Brasil em 2019) e talvez no próximo capítulo a gente veja o Francisco cozinhando algo pro namorado.

Por fim, teve o Paulo, eufórico com o passeio e o Diego, tadinho, exausto do trabalho e ainda assim fazendo força pra dar atenção pro menino. Meus pais eram assim também, meu pai trabalhava o dia inteiro e quando chegava em casa, mesmo exausto, tirava um tempo pra assistir “Contos de fadas” na TV Cultura comigo.

No futuro teremos uma lemon do Francisco com o Joaquim, na verdade a cena era para estar neste capítulo aqui, mas eu preferi dar um respiro – já que no capt anterior tivemos Marcelo X Diego.

Enfim gente, muito obrigada por acompanharem esta história por mais este ano, eu sou muito grata a vocês pelo apoio e feedback (deixe um comentário, você não imagina o bem que ele faz!) e é isso,

Até o próximo capítulo, pessoal!

Perséfone Tenou

Nenhum comentário:

Lar é onde o coração está

Sinopse: A vida de Diego mudou completamente quando ele recebeu uma ligação num Domingo de manhã, informando que sua mãe, com quem ele n...