Estavam levando as
crianças de volta para casa.
Marcelo dirigia
enquanto Diego tirava um cochilo com o rosto encostado na janela da porta do
carro. Eles tiveram um dia bem movimentado. Depois de visitarem a exposição,
pararam na praça de alimentação para comer e então compraram um sorvete para cada
um dos três garotos e finalmente voltaram para pegar o carro.
Enquanto parava em
um sinal fechado, o rapaz lançou um olhar rápido para o marido adormecido. As
semanas vinham sendo estafantes para Diego na imobiliária e com os cuidados com
Paulo, mesmo com ele o ajudando e isso o fez pensar que talvez o marido estivesse
precisando de uma folga.
Quando parou para
deixar Agatha, Vanessa veio buscar a filha, que saiu do carro, meio sonolenta,
mas ainda conseguiu dar um abraço nos dois amiguinhos antes de ir para dentro, onde
foi recebida pela cachorrinha, Laika, que pulava animada ao redor da menina.
— Mais uma vez,
muito obrigada por terem vindo levar ela para passear. Diga pro Diego que
depois eu ligo pra ele, pra gente se falar um pouco. — Marcelo confirmou que
informaria o marido e ao deixar Luís, a conversa meio que se repetiu, com
Miriam contando em um tom sussurrado que os pais haviam chegado há poucas horas
e ainda estavam resolvendo os preparativos do funeral da avó.
— Ele ta parecendo
mais alegrinho agora... Obrigada de coração. — Miriam deu um empurrãozinho leve
no irmão, instigando a entrar em casa e vendo o menino passar pelo portão sem
reclamar, cansado demais para reclamar.
— Imagina Miriam,
foi muito divertido. Depois eu peço pro Di mandar as fotos que tiramos dos três
pelo whats. — e baixando a voz enquanto via a moça asiática se aproximar da
janela, Marcelo sussurrou. — E eu sinto muito pela perda de vocês.
Quando enfim
chegaram em casa, o acupunturista teve certo trabalho para levar os dois
adormecidos para dentro. Primeiro, carregou Paulo e após tirar os tênis do
menino, o colocou na cama e viu o garoto suspirar exausto e relaxado e em
resposta, Marcelo sorriu, para em seguida retornar até o carro e só então
acordar o marido e mesmo sendo cuidadoso, Diego levou um susto e demorou alguns
segundos para se situar.
— Eu dormi a
viagem toda até aqui? — perguntou enquanto abria a porta do carro e bocejava,
para em seguida sentir o marido abraçá-lo pelos ombros enquanto ria e o guiava
para dentro da casa.
Depois de checar o
irmãozinho e trocar de roupa, Diego voltou até a cozinha para beber um copo de
água e encontrou o Marcelo sentado ao sofá, lendo. Tal visão o fez dar um
risinho sufocado, que não passou despercebido pelo outro.
— Que foi? — ouviu
o marido perguntar e após colocar o copo vazio na pia, Diego aproximou-se do
sofá, sentando ao lado dele e soltou um suspiro cansado.
— Nada, é só
que... Você é tão mais cheio de energia do que eu... Olha pra mim! Dormi na
volta do passeio e estou doido pra ir pra cama dormir um pouco mais, enquanto
que você não só dirigiu de volta, deixou as crianças, carregou o Paulo e agora
ta aqui, lendo! Eu meio que invejo essa sua disposição. — Em resposta, Marcelo fechou
o livro que estava lendo e abraçou o marido sentindo ele apoiar a cabeça no seu
ombro e suspirar cansado mais uma vez.
— Na verdade, eu acho que você tem se
sobrecarregado um pouco, sabe? Claro que o meu trabalho lá no consultório é
cansativo, mas você tem acumulado funções no trabalho e em casa, incluindo
cuidar do Paulo. Para falar a verdade, eu estive pensando nisso hoje... — Diego
encarou o marido de forma silenciosa, esperando pelo resto da frase.
— Por que você não
chama o Joaquim, a Mayara e a Letícia e sai uma noite dessas pra espairecer. Eu
cuido do Paulo, afinal, a gente combinou que ia criar ele juntos, certo? — Diego
piscou lentamente algumas vezes, processando a informação. Desde que o irmão
veio morar com eles, sempre assumiu que a responsabilidade de cuidar do menino
era apenas sua e de mais ninguém, inclusive, quase nunca delegava qualquer tipo
de tarefa relacionada ao menino para Marcelo.
Mas ouvir ele
dizer com todas as letras que o estavam criando juntos, fez com que Diego se
desse conta de duas coisas: que estava sendo um pouco egoísta e meio burro ao
não dividir a carga da criação do garoto e que realmente não estava sozinho no
mundo.
— Você acha mesmo?
— após formular um monte de possíveis respostas, saiu com aquela frase que mais
parecia questionar se o marido estava mesmo sendo sincero sobre aquela oferta.
— Com certeza.
Você precisa de uma folga e a gente ta nisso juntos, lembra? — em resposta, Marcelo
recebeu um beijo apaixonado e as coisas poderiam ter avançado para algo mais
tórrido se Diego não tivesse precisado partir o contato para bocejar.
— Vamos pra cama?
— Marcelo sentiu o olhar indagador do parceiro e acabou rindo enquanto o
abraçava, depositava um beijo na têmpora esquerda dele e complementava a frase.
— Pra dormir. Nem que eu quisesse muito, hoje também não conseguiria fazer
nada.
***
O dia seguinte era
uma Segunda-feira e Joaquim estava sentado atrás do balcão da loja de
sabonetes, entediado, quando seu celular informou que havia recebido uma
mensagem. Pensou que era Francisco, o qual havia saído da loja há menos de meia
hora, e que podia ter esquecido alguma coisa, mas se surpreendeu ao ver que o
nome no contato era Diego.
“Oi Joaquim, tudo bem? Faz um tempo que a
gente não se fala, mas eu queria perguntar se você teria interesse de sair
comigo, Mayara e Letícia para beber alguma coisa no sábado.” O rapaz leu a
primeira parte da mensagem com uma expressão surpresa no rosto, não falava com
Diego desde a parada em Junho, mas no fundo ficou feliz do outro ter enviado
aquele convite.
“Se não quiser ou não puder, está tudo bem.
Mas se tiver interesse, vamos nos encontrar por volta das 18h00 lá na Augusta,
naquele barzinho que a gente foi na outra vez” — continuava a mensagem,
fazendo com que o loiro exibisse um sorriso de felicidade sincera no rosto
enquanto respondia.
“Oi Diego, claro que quero! Vai ser muito bom
sair com vocês no final de semana, obrigado pelo convite. Nós nos vemos as
18h00 na frente daquele barzinho”.
Em seguida ele se
espreguiçou, enquanto soltava um suspiro baixo, pensando que agora tinha um
motivo para esperar pelo final de semana.
O resto do dia se
passou sem problemas e quando o namorado veio buscá-lo, o loiro contou sobre o
convite, mas para sua surpresa, viu o rosto de Francisco exibir uma expressão
desanimada.
— O que foi? Eu
achei que você ia gostar de sair com eles...
— não conseguiu evitar de criar mil cenários ruins na cabeça após
aqueles poucos segundos em que viu o rosto do namorado.
— Eu gosto! É que a
partir de amanhã eu vou ter de ficar mais umas horas além do experiente na
editora essa semana toda... Inclusive no sábado. Eu sinto muito mesmo. — estavam
tendo tantos recalls de edições dos livros didáticos distribuídos para escolas
públicas e como um dos responsáveis pelo projeto, cabia a Francisco resolver
esse problema. Claro que as pessoas que faziam a revisão dos exemplares já
haviam sido substituídas, mas mesmo assim, ele ainda tinha de lidar com aquela
situação...
— Eu até ia te
contar que a partir de amanhã, você vai ter de voltar de metrô pra casa... É só
até eu resolver esse recall da editora... — Francisco sentia-se meio incomodado
por não poder ir buscar o namorado, mas teve sua atenção atraída pelo toque
suave da mão do loiro sobre a sua, quando pararam em um sinal vermelho.
— Não se preocupe
com isso, eu volto de metrô, não tem problema. Eu só fico triste de a gente não
poder sair sábado... — olhou de soslaio
para o loiro e esboçou um sorriso meio chateado, enquanto seguia com o carro e
respondia.
— Mas eu quero que
vá, Quim, você precisa se distrair um pouco também. — Joaquim tentou
argumentar, mas foi impedido pelo namorado que se manteve irredutível.
— Sábado você
chama um uber e vai e eu quero que se divirta. — Joaquim pensou que talvez se
sentisse meio deslocado, mas tinha de concordar que sim, precisava sair um
pouco e espairecer a cabeça. Ainda mais com o curso técnico que vinha ocupando
boa parte do seu tempo.
***
Naquela sexta-feira,
Paulo voltou meio amuado da escola. Não queria brincar e nem comer, apesar das
tentativas gentis de Mayara, que assim que chegou em casa com o menino, cismou
de medir a temperatura dele e comprovar que o garoto estava meio febril.
— Algum coleguinha
seu estava tossindo ou espirrando na escola hoje? — ela perguntou após fazer o
menino tomar um banho morno e colocá-lo no sofá, embrulhado em um cobertor.
— A Iara, que
senta atrás de mim. Ela espirrou um monte nas minhas costas a semana toda... Até
que hoje a profê Marta levou ela pra enfermaria... E daí a mãe dela veio
buscar. — o menino tossiu e puxou o cobertor mais para si enquanto encarava um
desenho na tevê com um olhar cansado.
— Ai querido, eu acho
que você pegou uma virose... — a moça se sentou ao lado do garoto no sofá, e
sentiu o peso macio da cabeça dele encostando no seu ombro. Em resposta,
começou a fazer um cafuné nos cabelos do menino, que suspirou cansado.
— Agora dorme um
pouco, meu bem. — quando viu que Paulo havia cochilado, ela pescou o celular no
bolso da calça e enviou uma mensagem para Diego, falando do estado gripal do
menino.
Em resposta
recebeu a mensagem: “Ele precisa de algum
remédio? Eu posso passar na farmácia na volta pra casa”.
Ao ver a resposta,
Mayara esboçou um pequeno sorriso, por notar como Diego não pensou duas vezes
antes de se preocupar com o bem estar de Paulo.
***
Enquanto voltava
do trabalho, no entanto, Diego não conseguiu deixar de ser um pouco egoísta e
pensar em como sua noite de “folga”
havia ido para o ralo, para logo em seguida se repreender por pensar assim,
quando tinha uma criança que estava doente em casa.
— Que maravilha de
responsável eu sou, pensando em mim quando Paulo está resfriado! — mas lá no
fundo estava meio incomodado de ter de abrir mão do seu pouco tempo livre como
adulto, apesar de saber que isso fazia parte de criar uma criança.
Mas ao chegar em
casa, a primeira coisa que fez foi ir até o sofá e medir a temperatura do
irmãozinho, colocando as costas da mão na testa do menino e confirmando que
Mayara estava certa, o garoto estava pelando de febre.
— Ele bebeu água?
Comeu? — perguntou enquanto juntava o menino no colo e o levava para o quarto,
vendo o menino abrir os olhos de forma parcial, para em seguida fechar as
pálpebras de novo.
— Sim e sim. Mas
não muito, o estômago dele não tá muito bom pra segurar comida sólida, então eu
dei um pouquinho de sopa. — voltou para a cozinha com a amiga e enquanto servia
um pouco de café para ambos, Diego não conseguia deixar de se culpar por não
ter notado os sinais no menino, mas ao comunicar esse sentimento para a moça,
escutou ela dizer.
— Diego, quantas
vezes eu já te disse, você não precisa saber tudo sobre criar uma criança. Como
diz a minha mãe Lola, muita coisa a gente aprende na prática. O importante é
que você está aqui para ele. — o rapaz se sentou em uma das cadeiras e suspirou
cansado e bem quando ia comentar sobre aquele pensamento egoísta que vinha
tendo desde que ficou sabendo da condição do menino, ele ouviu o motor do carro
de Marcelo entrando na garagem.
Assim que entrou
em casa, o acupunturista cumprimentou a amiga com um beijo no rosto e o marido
com um beijo rápido nos lábios e em seguida perguntou por Paulo, já que o
menino não veio recebê-lo com toda aquela animação costumeira.
— Ah, ele ta
dormindo. Pegou um resfriado na escola. — informou Diego com um tom desanimado
de voz para em seguida tomar um gole de café.
Marcelo se
ofereceu para levar a moça em casa, enquanto Diego foi dar mais uma olhada no
irmãozinho. Levou um copo de água, para ver se o menino beberia e após alguma
recusa, conseguiu que ele tomasse alguns golinhos e então, voltasse a dormir.
Sentado em uma
cadeira ao lado da cama, Diego fez um agrado no cabelo do irmãozinho, enquanto
se lembrava de como sua mãe, Beatriz, fazia quando ele ficava doente, isto é,
até antes de ela se casar com aquele traste. Ela nunca saia do seu lado e fazia
mingau de maisena, além de deixá-lo assistir desenhos na tevê o dia todo. E ele
pretendia fazer algo parecido por Paulo.
Ainda fazia um
agrado no cabelo do menino quando o viu suspirar fundo e expirar de forma
pesada e em resposta murmurou por impulso “Tá
tudo bem, eu tou aqui com você.” e para a sua surpresa, a frase pareceu
causar algum efeito tranquilizador no menino, que pareceu relaxar no sono.
Quando Marcelo
voltou, também foi dar uma espiada no menino e encontrou o marido cochilando
sentado na cadeira. Com muito cuidado, acordou Diego e o convenceu a ir tomar
um banho morno, enquanto ele esquentava uma janta.
Após sair do
banho, enquanto comiam, Diego enfim expressou o que ele vinha chamando de
“pensamento egoísta” para o marido, que o ouviu em silencio, apenas concordando
de tempo em tempo com a cabeça e por fim, quando terminou, o rapaz ergueu os
olhos para o outro a sua frente, esperando algum tipo de comentário, mesmo que
fosse para repreendê-lo.
— Eu não vejo isso
como algo egoísta. Você precisa de um tempo para distrair a cabeça e estava
tudo combinado e eu acho que você deveria ir mesmo assim. Já falei que tomava
conta do Paulo e posso cuidar desse resfriado dele também. — em resposta, Diego
negou com um movimento meio brusco de cabeça enquanto complementava.
— E você acha que
eu vou conseguir sair pra barzinho sabendo que o Paulo está doente em casa? Eu
não iria ficar dois minutos sem me preocupar com ele. Agradeço pela oferta Ma,
mas eu não posso. Eu sei que você disse que nós o criaríamos junto, mas agora,
o Paulo é minha responsabilidade. — em seguida soltou um suspiro cansado
enquanto ouvia a porta do quarto de Paulo se abrir com certa violência e o som
dos pés descalços do menino correndo para o banheiro.
Em resposta, Diego
correu até o cômodo, encontrando o menino ajoelhado na frente da privada,
lançando para fora pela boca o pouco que havia comido. Não havia muito que
pudesse fazer, além de alisar as costas do menino.
— Diego... Eu não
me sinto bem... — ouviu o garoto choramingar e em resposta, o abraçou e pegou
no colo, levando-o de volta para o quarto onde ofereceu um pouco de água, a
qual o menino não recusou.
— Não beba muito
ou vai fazer mal pro seu estomago. Agora, se você precisar de alguma coisa durante
a noite é só bater na porta do nosso quarto, ta bom? A Mayara me disse que é
uma virose, então não vai demorar muito para passar. — deu um beijo suave na
testa do menino e ficou ali até ele adormecer de novo, para só então retornar a
cozinha.
Marcelo estava
sentado no sofá, assistindo um filme estrangeiro com legendas na tevê. Ele se
sentou ao lado do marido, que o abraçou pelos ombros e o puxou com delicadeza
para deitar em seu peito e os dois permaneceram assim por alguns minutos, até
que Diego quebrou o silencio dizendo.
— Você acha que eu
ia conseguir sair, sabendo que ele está assim? Passando mal aqui em casa? — em
resposta ouviu Marcelo murmurar “Você
cuida muito bem dele, Di. E sabe, vamos
ter outras chances de sair ainda este ano, até lá, eu estou aqui pra ajudar a
cuidar do nosso menino.” — Ouvir o marido se referir a Paulo como “nosso
menino” fez o coração de Diego se sentir feliz.
Continua...
Nota da autora:
Bom, já me
disseram que ninguém lê notas de fim de capítulo, mas eu quero escrever porque
acredito que os leitores merecem uma explicação.
(Os próximos
parágrafos valem apenas para quem ler a história na data de 02/11/2024)
O motivo de eu só
estar publicando o capítulo agora é por culpa da depressão. Eu venho tendo de
enfrentar essa joça há tanto tempo que nem consigo mais me lembrar de como era
a minha vida antes disso.
Pois bem, nos
últimos dois meses eu tive uma crise brava de depressão que me impediu de fazer
qualquer coisa artística/produtiva, o que fez com que muita coisa se
acumulasse, inclusive os capítulos da história. Por isso eu peço desculpas a
quem ainda lê esta história aqui.
Também quero pedir
desculpas se este capítulo pareceu um grande tapa buraco, não é a intenção, mas
acho que pra muita gente, irá parecer isso. – mas tem um motivo, mais pra
frente eu vou explicar.
Enfim, obrigada
por ler até aqui e até o próximo capítulo, que eu espero, será mais rápido.
Perséfone Tenou
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