Diego não dormiu
direito naquela madrugada de sexta para sábado. Cada vez que Paulo levantava
para vomitar, ele também acordava e ia checar o menino. Mesmo após Marcelo se oferecer para ir em seu
lugar algumas vezes, o rapaz não conseguiu retomar o sono.
Ver o garoto
passando mal daquele jeito cortava seu coração, porque ele queria poder fazer
algo para que Paulo melhorasse, mas, segundo tinha pesquisado na internet,
naquela primeira fase da virose, tudo o que podia fazer era oferecer água e
comidas leves para o menino.
Quando foi checar
a temperatura do irmãozinho em certo momento, se assustou em como ele estava
frio de suor, sendo que até algumas horas atrás seria possível até ferver água
na testa do menino.
Depois de levantar
pela enésima vez naquela madrugada, ao voltar para o quarto e se deitar ao lado
do marido, Diego declarou categórico que, “assim
que amanhecer, eu vou ligar pra Mayara e pro Joaquim e dizer que vamos precisar
adiar nossa saída”.
— Tem certeza?
Virose de criança costuma melhorar em pouco tempo... — Marcelo não achava justo
o marido abrir mão de algumas horas de folga para cuidar de Paulo, mas
compreendia a preocupação do outro.
— Eu já disse, não
ia ter cabeça pra sair e deixar ele nesse estado. Mesmo sabendo que você ia
cuidar bem dele, eu só não conseguiria curtir a noite e... — parou a frase no
meio ao ouvir a porta do quarto na frente do deles se abrir mais uma vez e fez
menção de levantar, quando foi impedido com delicadeza por Marcelo.
— Deita e tenta
dormir um pouco. Se você ficar doente também, como vai poder cuidar dele? Eu
vou. — antes de sair do quarto, Marcelo deu um beijo gentil nos lábios do
marido e o viu suspirar cansado e aceitar a sugestão, se aninhando sob as
cobertas.
Assim que saiu do
quarto, encontrou o menino que vinha do banheiro, pálido e tremulo a ponto de
quase desmaiar em seus braços. Marcelo o amparou e ajudou o garoto a ir até a
cozinha, onde serviu meio copo de água sem gelo.
— Não quero
água... — resmungou o menino, ao que Marcelo insistiu com gentileza, dizendo
que bebesse só um pouquinho. Enquanto falava, o rapaz pensou que se o menino
não parasse de por tudo pra fora, logo teriam de correr com ele para uma UPA,
para tomar soro.
Só de pensar
naquele braço tão frágil sendo furado por uma agulha rombuda de soro, ele já
sentiu um calafrio de pavor e considerou que precisariam dar um jeito de cortar
aquele vomito em casa mesmo. Se até para ele, que era um adulto, ir na UPA era
algo traumático, imagina para uma criança?
— Marcelo... Eu
tou com fome. — acabou rindo ao ouvir o pedido do garoto, cujo estomago parecia
finalmente ter assentado. Após dar uma conferida rápida pelo celular no que se
podia comer estando com virose, viu que sopa era uma opção.
— Tem um pouco de
canja de galinha que a Mayara fez hoje cedo pra você. quer? Certo, eu vou
esquentar, vai bebendo a água por enquanto. Um golinho por vez. — enquanto
esquentava a sopa, conferiu outros pratos sugeridos e relembrou para quais
deles tinham ingredientes na geladeira.
Eram três horas da
manhã e Marcelo estava sentado à frente de Paulo, assistindo o menino tomar
colheradas de canja como se não comesse há dias. Teve de alertá-lo para
diminuir o ritmo algumas vezes e até ameaçar que se continuasse daquele jeito,
iria passar mal de novo.
— Pronto! Acabei.
— declarou o garoto enquanto empurrava o prato vazio para o meio da mesa. Marcelo
lavou as poucas peças de louça e acompanhou Paulo de volta até o quarto, para
então cobri-lo e lhe dar um beijo de boa noite na testa.
— Tá tudo bem? O
mal estar passou? — perguntou enquanto olhava para o rostinho bem menos abatido
do menino que concordou com um meneio vigoroso de cabeça.
— Certo então
rapaz. Agora, vá dormir e já sabe né? Qualquer coisa, só bater aqui na porta do
nosso quarto. Dorme bem. — acendeu o abajur de Homem-Aranha na mesinha de
cabeceira e ao sair, ainda deixou uma fresta da porta aberta. Paulo já tinha
caído no sono antes que ele estivesse fora do quarto.
Quando Marcelo
enfim deitou ao lado de Diego, sentiu o outro envolvê-lo com os braços e
perguntar meio sonolento como Paulo estava, ao que respondeu que estava bem
melhor. “Até conseguiu comer um pouco”.
— Que bom...
Obrigado por cuidar dele. — Marcelo esboçou um pequeno sorriso e abraçou o
marido pela cintura, sentindo ele se aconchegar ao seu corpo. Pensou em dizer
que não tinha do que agradecer, pois também gostava do menino como se fosse seu
filho, mas no fim, achou melhor não falar nada.
***
Joaquim acordou
animado naquele sábado, pois ia sair mais tarde. Os últimos dias foram bem
solitários para ele, já que Francisco precisou fazer hora extra na editora. O
loiro vinha saindo do trabalho, indo até o apartamento, onde tomava um banho
rápido e corria para o curso técnico. Na volta pegava o metrô cheio, como uma
lata de sardinhas e ao chegar em casa, só queria tomar outro banho e dormir. Às
vezes de madrugada acordava e encontrava Francisco dormindo ao seu lado e ele
até o abraçava, mas continuava adormecido.
Mas hoje ele ia
sair e amanhã era domingo.
Foi por volta do
meio-dia que recebeu a ligação de Diego. Apesar de todo o trabalho, Francisco
ainda fazia questão de lhe levar o almoço e comer com ele, então, também estava
ali quando o celular de Joaquim tocou.
— Diego, oi, tudo
certo pra hoje a noi... — Francisco observou o rosto do namorado sofrer uma
mudança brusca de expressão, da pura felicidade para uma total decepção em
questão de segundos.
— Sei, certo, eu
entendo... Melhoras pra ele. Não, claro! Nem tem como. Ah sim, essa época de
frio dá muito mesmo. Tudo bem, a gente remarca pra depois. Espero que o Paulo
melhore logo. Obrigado por avisar. Até. — após desligar, Joaquim ainda ficou
segurando o aparelho mais alguns segundos antes de depositá-lo sobre a pequena
mesa que havia na copa da loja.
— O que aconteceu?
— perguntou Francisco, mas já tendo uma suposta idéia do motivo. Ouviu o
namorado contar sobre como o irmãozinho de Diego voltou doente da escola e que
por ainda não estar bem, o outro rapaz não se sentia confortável de sair e deixá-lo
sozinho.
— Poxa... Que
chato isso. Mas, vocês vão remarcar essa saída, certo? — Joaquim disse que sim,
mas sua voz saiu meio abatida, como se tudo não passasse de uma promessa por
educação.
— Não fica
assim... — tentou segurar a mão do loiro, mas o rapaz se esquivou com um
movimento reflexo.
— É só que eu
tenho tão poucos amigos e... Ah, deixa pra lá. — o loiro esboçou um pequeno
sorriso doloroso e começou a se ocupar de juntar as marmitex e talheres de
plástico.
Estava descartando
o que tinha coletado, quando se sentiu ser abraçado por trás e experimentou o
aroma delicioso do perfume amadeirado de Francisco e em resposta acabou
relaxando dentro do abraço.
— Eu sinto muito
que isso tenha acontecido, mas, você poderia sair com a Mayara e a Letícia, o
que acha? — ouviu em resposta “e ficar
segurando vela?”. Francisco queria fazer algo para animar o namorado, mas
não podia não ficar até mais tarde na editora. Por fim, beijou a curva do
pescoço do namorado, aproveitando a diferença de altura e fazendo-o caber todo
dentro do seu abraço.
— Olha, eu preciso
ir, mas, você sai agora a uma certo? Então, por que não vai no shopping?
Assistir um filme ou algo assim. — Joaquim pensou em responder “ir sozinho?”, mas, no fim acabou
aceitando a sugestão.
— Vem, eu te dou
uma carona. — no trajeto até o shopping que escolheu, o loiro conversava com o
namorado, chegando a conclusão de que ele precisava começar a sair sozinho.
— É, não é ruim
passar um tempo sozinho. Claro que eu adoro sair com você e tenho certeza que o
resto do pessoal também gosta, mas às vezes, a gente tem de ser a nossa própria
companhia. — se despediu de Francisco beijando-o nos lábios com certa urgência
e pensando mais uma vez quando é que eles teriam um tempo para fazer algo mais
intimo de novo.
— Me manda uma
mensagem quando estiver indo pra casa. Talvez eu te faça uma surpresa. — concordou
enquanto descia no estacionamento e chamava o elevador para subir ao shopping.
***
Mayara desceu para
tomar café, apesar de já ser mais de uma da tarde, mas era final de semana e
por isso suas mães a deixavam dormir o quanto queria. Assim que a viu, Lola a
cumprimentou com “Apareceu a margarida”
enquanto a seguia até a cozinha.
— O que você quer
comer, filha? — ao que a moça respondeu que ia se virar e para que a mãe não se
preocupasse. Em resposta, recebeu um beijo suave no topo da cabeça e um afago
gentil da mãe.
— Eita menina,
quase mandei a Lola lá em cima te chamar. Tá tudo bem, filha? — Joana perguntou
enquanto enchia uma caneca com café da garrafa térmica e ouvia a filha contar
que Paulo estava com uma virose.
— Diga para o
Diego que o menino tem de beber muita água e comer coisas leves, sopa, purê,
nada com molho ou muito açúcar. — informou Lola, ao que Mayara respondeu
sorrindo com gentileza que já havia informado o rapaz sobre isso.
— Pobrezinho. Virose
num final de semana. — murmurou Lola ao mesmo tempo em que retornava para a
sala.
— Quando ele
melhorar peça para que o tragam aqui para passar umas horas com a gente, filha.
Aquele garoto é um raio de felicidade. — comentou Joana enquanto puxava uma
cadeira e se sentava perto de Mayara.
— Pode deixar mãe,
eu vou falar. — estava para morder o pão com manteiga que tinha preparado,
quando sua mãe Joana perguntou sobre Letícia, como iam as coisas e quando elas
a veriam de novo.
— Ah mãe, está
tudo indo... Bem. A gente se gosta e se dá bem. Agora, sobre ela vir aqui de
novo, vai depender da folga dela... — Letícia tinha folga naquele sábado e elas
iam sair com Diego e Joaquim, mas por conta do probleminha de saúde de Paulo, o
passeio foi adiado.
— E quando seria
essa folga? — após ponderar muito sobre contar ou não, Mayara informou que
Letícia estaria em casa naquele final de semana, ao que Joana gritou para Lola
“O que acha de convidarmos a namorada da
Mayara para jantar aqui hoje? Dá pra receber?”
Em resposta, Lola
veio da sala, dizendo para a esposa parar de gritar, porque “o bairro inteiro vai te ouvir e você vai
forçar seu coração, mulher!” ao que Joana rebateu com “E desde quando a corda vocal fica no coração?” e a discussão teria
durado horas, se Mayara não tivesse interferido e falado que ia convidar
Letícia.
— Ótimo! Então
está combinado. — declarou Joana, ignorando a filha que frisava que a outra
moça talvez não pudesse vir.
***
Enquanto isso, na
casa de Diego e Marcelo, o estomago de Paulo parecia ter afirmado, mas eles
ainda não queriam arriscar dar nenhum alimento com tempero mais forte para o menino.
Naquele momento
Marcelo espremia algumas batatas que tinha cozido e estava preparando um purê, enquanto
Diego embrulhava o irmãozinho em mais um cobertor, transformando-o em um
rocambole humano.
— Di, você vai
superaquecer o menino assim. — Marcelo comentou enquanto misturava os
ingredientes do purê e recebia em resposta um olhar meio enviesado por parte do
marido, que resmungou “Ontem ele tava
gelado de suor...”.
Era verdade, na
madrugada o menino estava coberto de suor frio, por conta do mal estar
constante, mas agora as coisas pareciam ter melhorado. Claro, ele ainda estava
febril e não conseguia manter nada muito sólido no estomago, mas teve alguma melhora.
***
Joaquim voltava
para casa. Tinha ido ao cinema e visto alguma bobagem que estava em cartaz e
apesar de ter servido para ocupar o dia, não foi assim tão satisfatório quanto
ele esperava.
Durante o trajeto
de volta para casa, ele pensava sobre como apesar de toda a estabilidade, sua
vida parecia chata. O trabalho, o curso, tudo parecia tão monótono e previsível
e claro, ainda tinha seu relacionamento com o namorado que estava dando uma
esfriada e o fazia se preocupar.
Quando entrou no
apartamento, se surpreendeu ao encontrar a luz da sala acesa. Chamou por
Francisco, mas antes de receber uma resposta, viu a mesa que ficava na pequena
cozinha, arrumada para dois.
— Oi, gostou da
surpresa? — viu o namorado saindo do pequeno corredor que levava ao quarto e
sorriu. Ele estava com o cabelo úmido e cheirando a sabonete e quando se
aproximou e o beijou com suavidade nos lábios, aquele aroma delicioso de banho
tomado envolveu Joaquim.
— É, adorei
encontrar você aqui em casa mais cedo. — Francisco trajava um pijama de malha
macia e o contato do tecido contra o rosto de Joaquim lhe causou um arrepio
gostoso.
— Mas esta não é a
surpresa... Vem comigo. — Francisco segurou a mão do namorado e o puxou com
delicadeza até a mesa, onde o outro rapaz enfim viu o que havia sobre a mesa.
Duas porções de pad thai, um prato da culinária tailandesa. Ele sabia o quanto
Joaquim gostava de comida asiática e achou que seria uma boa forma de tentar
animá-lo.
— Você... —
murmurou o loiro enquanto exibia um diminuto sorriso de satisfação para o
namorado, que estava puxando a cadeira para ele se sentar.
— Eu sei que não é
tão legal quanto sair com os amigos, mas... — impediu Francisco de terminar a
frase, tomando seus lábios em um beijo. A diferença de altura de alguns
centímetros entre eles obrigava Joaquim a ficar na ponta dos pés para beijar o
namorado, mas ele não se incomodava.
— Foi uma surpresa
incrível. Agora vamos aproveitá-la. — Pois é, sua vida podia ser meio monótona,
mas quando estava com Francisco, ela saia um pouco daquele padrão chato.
***
Durante o resto do
dia, a febre de Paulo foi baixando e os demais sintomas da virose foram
começando a querer abrandar. Claro que o menino ainda correu para o banheiro
algumas vezes e teve variações de temperatura constantes, mas comparado com o
dia anterior e com a madrugada daquele dia, havia ocorrido alguma melhora.
Naquele momento
Diego estava sentado no sofá, Marcelo do outro lado, com o menino entre os
dois, enrolado em um cobertor, meio acordado, quase cochilando. E então, o
casal exausto trocou um olhar de alivio ao notarem que o menino tinha
adormecido.
Diego mediu a
temperatura do irmãozinho com as costas da mão, constatando que a febre havia
baixado e não havia suor frio. Ele em seguida fez menção de se levantar e pegar
o menino no colo, para levá-lo até o quarto, mas Marcelo o impediu, carregando
Paulo primeiro.
— Eu não estou
doente, sabia? — resmungou Diego, meio ofendido, ao que em resposta o outro
disse.
— Sei que não
está, mas ontem e hoje foi bem cansativo, não é? Você tá exausto, posso ver
isso no seu rosto. Só vou colocar ele na cama e volto pra cuidar de você, ta? —
Marcelo deu uma piscada marota com o olho direito e em seguida saiu da sala,
para colocar o menino na cama.
Voltou alguns
minutos depois, munido de um cobertor da cama deles, no qual envolveu o marido
e a si mesmo enquanto puxava o outro para perto de si. Em resposta, Diego
suspirou cansado e se permitiu ser envolvido pelo abraço morno de Marcelo.
Tomar conta de
Paulo havia sido cansativo, isso não podia negar, mas não se arrependia nem um
pouco de ter desmarcado de sair para ficar em casa e cuidar do menino. Ele se
aconchegou ao marido e pensou em como o apoio dele era importante.
Quando ergueu o
rosto para agradecer por Marcelo ficar ao seu lado, descobriu que o outro havia
adormecido e em resposta apenas sorriu e apoiou a cabeça no peito macio do
marido.
Continua...
Nota da autora:
O plano era
terminar esta história agora em 2024, mas por conta de todos os hiatos que eu
acabei caindo, acho que não vou conseguir – tudo bem, digo, acho que quem está
acompanhando não tem a mesma pressa que eu para que a história chegue ao fim.
Eu já comentei no
capt anterior que acredito que ninguém lê as notas finais, mas mesmo assim
quero continuar fazendo-as, porque é aqui que eu compartilho um pouco do making
of da história, o processo de desenvolvimento dos capítulos, é aqui que eu
tento conversar com você, pessoa que está lendo e acompanhando a história.
Prometo que em
breve teremos mais uma cena quente entre algum dos casais, mas, como isso aqui
é uma história slice of life/cotidiano, tal cena precisa de um contexto prévio.
Enfim, espero que
tenha gostado deste capitulo, se puder deixar um comentário, me faria muito
feliz.
E também gostaria
de convidar você a ler meus outros projetos completos aqui no perfil – e
alertar que se tudo der certo, em 2025 teremos projetos novos, um deles será um
isekai e outro será uma narrativa de fantasia, se você se interessou, fique de
olho nas atualizações do perfil.
Obrigada por ler
até aqui e nos vemos no próximo capitulo.
Perséfone Tenou.
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