sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Lar é onde o coração está - capítulo 80

 

Naquela madrugada, Diego ainda acordou algumas vezes para ver como o irmãozinho estava e depois da terceira vez checando o menino, que não vinha mais levantando para ir ao banheiro de meia em meia hora, o rapaz enfim conseguiu dormir o resto da noite.



Ele acordou na manhã de Domingo se sentindo um pouco menos cansado. Se espreguiçou na cama e suspirou baixinho enquanto olhava para o marido adormecido ao seu lado. Marcelo exibia um par de olheiras escuras por conta não só da noite mal dormida no dia anterior, como também por ajudar a cuidar de Paulo.

— Oi. — quando Diego ergueu os olhos, encontrou Marcelo acordado e sorrindo para ele. Em resposta, encostou o rosto contra o tórax do outro e suspirou, sentindo-se ser abraçado ao mesmo tempo em que o ouvia murmurar. — Dorme mais um pouco, hoje é Domingo e o Paulo ta melhor.

— Quer saber? Acho que vou aceitar a sugestão. — e envolvido pelo abraço morno do marido, ele voltou a dormir.

***

Em outro ponto da cidade, Joaquim já estava de pé fazia algum tempo. Levantou em silencio e deixou Francisco dormindo. Na noite anterior ele foi surpreendido com um jantar com comida tailandesa, mas enquanto comiam o loiro pode notar o quão exausto o namorado estava e ainda assim quis surpreendê-lo.

Por isso achou melhor deixá-lo dormir naquele Domingo.

Fez duas torradas e esquentou um pouco de água para um chá e agora o rapaz se instalava na pequena sala de estar, em frente da tevê, procurando qualquer canal que não falasse daquela abominação doentia que em 2019 eles tinham de chamar de “presidente”. Acabou logando no streaming e colocando uma série qualquer apenas para fazer barulho.

Estava quase terminando de comer quando viu o namorado aparecer, vindo do pequeno corredor que levava ao quarto. O cabelo preto e bonito estava desarrumado, assim como o bigode característico, o qual ele costumava escovar todas as manhãs. Trajava uma camiseta e um par de shorts de pijama de algodão e ainda parecia meio sonolento, mas ao ver o loiro no sofá, exibiu um sorriso apaixonado.

— Você ta ai então? Acordei e me vi sozinho lá na cama... Tá tudo bem? — beijou o namorado no topo da cabeça enquanto se sentava ao lado do loiro e o via sorrir. Havia migalhas de torrada na bochecha dele e por instinto, Francisco deslizou o polegar pelo local, para limpar.

— Tá tudo ótimo. — ver o namorado exibir aquele sorriso sincero o deixou satisfeito, pois já fazia algum tempo que vinha notando como Joaquim estava disfarçando a própria tristeza.

— O que você quer fazer hoje? — perguntou, ouvindo em resposta, por entre risos, a frase “Tentar dominar o mundo?”* e em resposta Francisco abraçou o namorado e riu.

— Pra falar a verdade, eu queria só passar o dia assim com você. — o rapaz desviou o olhar para a tevê, em uma tentativa de esconder o fato de que durante aquela semana que passou quase sem ver o namorado, se sentiu meio solitário, mas tinha receio de parecer “carente demais”.  

— Quer que eu prepare algo para você tomar café? — perguntou em seguida, tentando desviar a atenção do que ele achava ser um “comportamento incomodo”, pois nas poucas vezes que tentou demonstrar algum tipo de interesse sentimental quando estava com o ex, Jonas, recebeu todo tipo de repreensão grosseira.

— Não, pode deixar que eu me viro. — Joaquim sentiu um beijo suave ser depositado em sua testa e em seguida viu o namorado levantar e ir até a pequena cozinha, onde começou a preparar algo para comer.

— Acho que sobrou um pouco de pad thai de ontem, a gente pode esquentar e comer no almoço. — ouviu Francisco sugerir e o loiro concordou com um resmungo enquanto encarava a tevê com um olhar sonolento.

Francisco voltou a se sentar ao lado do namorado, enquanto segurava uma caneca de porcelana com café na mão esquerda e com a direita, puxava com gentileza o loiro para se aconchegar ao seu lado.

Lá fora o clima estava nublado e meio escuro. Não parecia que ia chover, mas era um bom dia para ficar debaixo das cobertas.    

***

Diego acabou saindo da cama só depois da uma da tarde. Quando levantou, encontrou Paulo sentado no sofá, assistindo desenhos na tevê e ao vê-lo, o menino abriu um sorriso saudável, tão diferente de como ele estava até ontem.

— Oi rapaz, como está o estômago? — perguntou, enquanto se aproximava do irmãozinho e media sua temperatura com as costas da mão, constatando que a febre havia baixado. Ele ainda estava um pouco abatido, mas logo se recuperaria.

— Diego, eu tou com fome. — ouviu o garoto declarar e após dar um risinho sufocado, bagunçou os cabelos do menino e perguntou o que ele queria comer, já adiantando que por mais alguns dias teriam de se manter nos pratos leves.

— Só até você melhorar. Vem, vamos ali na cozinha preparar alguma coisa. Ou você prefere ir lá acordar o Marcelo? — o menino preferiu a segunda opção e foi correndo pelo pequeno corredor, até o quarto e então Diego ouviu um “Ugh!” sufocado e deduziu que Paulo havia pulado em cima de Marcelo.

Crianças realmente se recuperavam rápido.

Em poucos minutos o marido veio até a cozinha, esfregando a lateral da barriga, acompanhado de perto por Paulo, que exibia uma expressão de triunfo no rosto. Sentiu o marido lhe dar um beijo suave no rosto e informar que ia fazer a barba, ao que Diego concordou, falando que também iria em seguida.

E Paulo seguiu Marcelo. O menino parecia um filhotinho de cachorro atrás das pessoas que cuidavam dele. Esse pensamento fez Diego rir enquanto colocava o arroz para cozinhar e também seguia para o banheiro, fazer sua higiene (não tão) matinal.

Os três disputavam o espaço em frente ao espelho, Diego e Marcelo com os rostos cobertos de creme de barbear e com os aparelhos de barba nas mãos e Paulo no meio, tentando espiar.

Quando enfim conseguiram terminar, a água do arroz já havia secado e por pouco ele não queimava. E ao comentar isso com o marido, Diego o ouviu dizer, ao mesmo tempo em que colocava à mesa.

— Minha mãe sempre diz que tem duas coisas que a gente não pode tirar o olho quando ta no fogo. Arroz cozinhando e leite fervendo. Você se distrai um minuto e pronto! Queima. — pegou a jarra de limonada que tinha acabado de espremer e colocou sobre a mesa, observando que Paulo prestava total atenção na conversa.

— E parece que tem uma terceira coisa que a gente não pode tirar o olho... Né, rapazinho? — o menino riu e aquele som risonho e límpido preencheu a casa toda de alegria.

***  

Algumas horas mais tarde, Letícia estacionava na frente da casa de suas... “sogras”. A palavra ainda a fazia sorrir divertida. E assim que tocou a campainha, foi recebida com animação pelas duas idosas que a puxaram para dentro.

Mayara estava no banho, por isso até ela descer, a outra moça se viu encurralada pelas duas senhorinhas que a enchiam de perguntas sobre seu emprego, o que ela gostava de fazer no tempo livre e claro, como ia o relacionamento com a filha delas.

— Estamos... Bem. A gente se gosta bastante, acho que isso é importante em um relacionamento... — em seguida a moça tomou um gole longo de café, em uma tentativa de preencher o silencio incomodo que se seguiu. Ela havia sido convidada para almoçar lá, mas Lola ficava lhe oferecendo todo tipo de petisco e pedaços de bolo e Letícia tentava com toda educação possível recusar, para não fazer feio mais tarde.

— Mas você é tão magrinha, querida! Precisa comer um pouco mais! — declarou a idosa com aquele forte sotaque baiano que fazia cada frase parecer uma pequena canção.

— Imagina, na verdade eu queria perder alguns quilos... — a frase escapou antes que ela pudesse se conter e em resposta recebeu uma represália em dobro das idosas dizendo que ela “era linda do jeito que era!”.

Isso fez Letícia rir.

E ela se surpreendeu ao sentir os braços longos e macios da namorada envolverem seus ombros e pescoço enquanto sentia o aroma delicioso do shampoo dela.

— Oi, elas estão te aterrorizando? — Mayara perguntou rindo enquanto sentava na cadeira ao lado da namorada e recebia das mães um olhar de repreensão gentil.

— Estamos só querendo tratar bem a nossa nora! O que tem de errado nisso! — exclamou Joana que em seguida se sentou na cadeira ao lado de Letícia, enquanto Lola colocava as ultimas travessas de comida na mesa.

Letícia ficou observando as três discutirem de forma amigável e pensando no quanto àquela atmosfera familiar era gostosa. Ela nunca foi muito próxima dos próprios pais, então, ter pessoas que se preocupavam com seu bem estar era algo muito bom.

— E eu fiz bolo de fubá com erva doce para a sobremesa, então pode guardar um espaço menina! — informou Lola enquanto dava uma piscadinha marota para a namorada da filha. Ela e Joana estavam felizes de ver Mayara namorando alguém que a amava e a tratava bem. E a verdade é que elas gostavam de Letícia.

***

Joaquim passou o domingo todo assistindo séries debaixo das cobertas com o namorado. Foi uma boa forma de passar o dia. Eles levantavam apenas para pegar algo na cozinha ou ir rapidinho até o banheiro, mas aquele dia preguiçoso foi bem satisfatório.

Dali uma semana seria o casamento do ex de Francisco e o loiro estava bastante preocupado. Não que sentisse ciúmes do namorado, pois enfim havia se dado conta de que o outro o amava de verdade. Não, seu receio era sobre o desconforto que poderia sentir ao ir até um lugar onde não conhecia ninguém.

Tinha pavor de ficar deslocado.

Mas esses pensamentos fomentados pela ansiedade logo foram varridos para fora da sua mente quando o rapaz sentiu um afago suave dos dedos de Francisco em seus cabelos e testa e em resposta, suspirou satisfeito.

— Consegui compensar os dias que a gente não se viu? — escutou Francisco perguntar e em resposta, Joaquim ergueu o rosto e encarou os olhos castanhos do namorado.

— É, serviu pra começar... — respondeu sorrindo enquanto sentia-se ser abraçado e beijado pelo outro, mas para sua surpresa, aquela interação não resultou em nada mais físico, o que óbvio, só serviu para aumentar os receios de Joaquim.

— Sabe? Tá tão gostoso ficar aqui abraçado com você, só curtindo esse tempo da gente juntos... E eu também amo isso, essa nossa cumplicidade. — ouviu Francisco comentar com leveza e acabou sorrindo em resposta. É, nem tudo num relacionamento tinha de ser totalmente sexual. Alguns momentos de intimidade resumida apenas passar um tempo juntos também era muito bom.

— Eu também estou gostando... — murmurou enquanto se aconchegava ao namorado e começava a querer cochilar, quando o ouviu perguntar se estava pronto para ir ao casamento de Maurício na semana que vem e em resposta, Joaquim acabou suspirando fundo.

— Na verdade eu estou um pouco... Como é mesmo a palavra? Ah sim, receoso. Todo mundo que vai estar lá é seu conhecido, amigo de amigos e eu serei só um desconhecido que foi por que namora um dos convidados! — sentiu um beijo suave ser dado em sua cabeça e ouviu Francisco rir baixinho antes de responder.

— Você não é qualquer convidado, você é o meu namorado. E eu prometo que não vou te deixar sozinho na festa, tá bom assim? — É, por hora aquela promessa era o suficiente para Joaquim relaxar um pouco e adormecer.

***

As mães de Mayara conversaram com Letícia por horas e antes de a moça ir embora, Lola fez uma marmita para ela levar para casa e dizendo “você está muito magra, meu bem!” e “Adoramos que tenha vindo, volte mais vezes”, as duas idosas se despediram de Letícia, a qual Mayara foi acompanhar até o carro.

— Desculpe pelas minhas mães, elas são... — Letícia segurou a mão da namorada e sorriu, balançando de leve a cabeça para os lados. Já havia dito mais vezes do que poderia contar, o quanto adorava as duas idosas, mas repetiu novamente, só para manter a tradição.

— A gente se vê no final de semana que vem, ta? — enquanto ela dava um beijo rápido nos lábios de Mayara, ouviu um murmúrio agressivo as suas costas e ao olhar por sobre o ombro, encontrou duas mulheres de certa idade paradas as encarando com expressões de puro nojo no rosto.

— Boa tarde dona Hortência e dona Idalina! — gritou Mayara enquanto acenava com energia para as duas, que ao serem cumprimentadas pelos nomes, deram meia volta em passo acelerado.

— O que foi que...? — Letícia começou a perguntar, ao que ouviu a outra moça contar sobre as várias vizinhas que achavam que suas mães eram “um par de abominações pecaminosas e sujas”.

— Elas moram aqui há mais de cinqüenta anos e os vizinhos ainda não as aceitaram. Quero dizer, ninguém precisa trazer bolo ou coisa parecida, mas podiam pelo menos nos respeitar. — a moça suspirou cansada e contou que, logo que as duas senhoras a adotaram, há mais de 20 anos, a fachada da casa vivia sendo alvo de ataques noturnos, desde ovos podres até pichações grosseiras.

— Elas me adotaram eu já tinha uns 12 anos, digo, legalmente, a Lola me adotou. A Joana não está na minha certidão... Mas enfim, ainda hoje restaram alguns poucos gatos pingados que gostam de julgar a vida dos outros. Pelo menos os ataques mais diretos pararam. — Letícia viu uma sombra de tristeza passar pelo rosto da namorada e em resposta, deu outro beijo, mais longo e muito mais apaixonado na moça. Sem se preocupar se “havia alguém vendo”.

— Sinto muito que vocês passaram por isso, mas pense assim, eles que se danem! Eu sei, não serve de muita coisa esse tipo de frase pronta, mas é o que eu penso desse povo. Agora tou indo mesmo, qualquer coisa, inclusive se acontecer algo com uma das suas mães, me liga ta? Eu venho correndo. Tchau May, te amo. — Mayara permaneceu ainda mais alguns segundos em frente ao portãozinho da casa, acenando para o carro da namorada até vê-lo virar a esquina.

18 anos morando naquele bairro e algumas coisas ainda não haviam mudado.

***  

Na Segunda-feira, Diego tentou convencer Paulo a ficar em casa, por precaução caso tivesse uma recaída da virose, mas o menino se recusou, dizendo que sentia saudades dos amiguinhos e queria vê-los, mesmo que isso significasse ter de acordar cedo para ir a escola.

E apesar de preocupado, o rapaz acabou permitindo que o irmãozinho fosse para a aula, mas só depois de confirmar que a febre havia baixado. Antes de deixar Paulo descer do carro, Diego o encheu de conselhos e pediu que caso se sentisse mal, falasse para a professora e pedisse que ligassem para ele.

— Eu venho te buscar na mesma hora, ta certo? Ta, eu sei, você quer descer, dá um abraço aqui e bom dia. — sentiu os braços longos do menino apertarem ao redor do seu pescoço e com a mesma rapidez se desvencilharem enquanto o garoto descia correndo para encontrar os amiguinhos.

Havia sido um final de semana bem turbulento, na opinião de Diego, mas agora conforme se afastava da escola e via o menino pelo retrovisor, conversando com os coleguinhas enquanto entrava pelo portão, percebeu que tudo ia ficar bem, porque sim, crianças se curavam rápido de resfriados.

Enquanto isso, já dentro da escola, Agatha puxou Paulo e Luís para um canto no pátio e de dentro do bolso externo da mochila, estampada com as princesas Disney, ela sacou dois envelopinhos onde se podia ler o nome dos garotos.

— Semana que vem é o meu aniversário. Eu vou fazer oito anos! E queria convidar vocês para a minha festinha. Minha mãe disse que não vai ser nada muito grande, mas que vai ter bolo e refrigerante e um bexigão pra estourar! — o sorriso da menina se espalhou pelo rostinho miúdo, iluminando toda a sua face.

Os garotos pegaram os envelopes e guardaram com cuidado dentro das próprias mochilas e Paulo pensou que aquela seria a primeira festinha em que ele iria na vida, exceto talvez pela que Diego e Marcelo fizeram no seu aniversário.

Quando ainda morava com a mãe (e o pai era vivo), o menino era impedido de ir a festas ou reuniões feitas por pais de crianças da rua. Seu pai não gostava nada da idéia de ele sair e conversar com outros garotos.

E isso o fez pensar que, apesar de a dor de ter perdido a mãe ainda ser grande e que parecia que nunca iria embora, desde que veio morar naquela cidade com o irmão e Marcelo, a sua vida tinha começado a ficar melhor. Ele não sabia bem como expressar o que sentia, mas podia dizer que se sentia feliz e acreditava que aquilo era o suficiente.

— Vai ser muito legal se vocês puderem ir! — declarou Agatha ainda sorrindo, ao que os dois responderam que queriam muito ir sim, mas ao ouvirem o que ela disse em seguida, os dois garotos ficaram meio desconfortáveis.

— Meu pai disse que vai também e que vai me trazer um grande presente! — eles vinham acompanhando como o pai da menina não parecia ligar para ela e como isso a machucava e mesmo tendo visto Silas apenas uma vez, Paulo passou a detestá-lo, por fazer sua amiga chorar.

O sinal soou, informando que eles deviam ir para suas salas e apesar da alegria de Agatha ser contagiante, Paulo e Luís se sentiram um pouco incomodados, com a sugestão de que o pai da menina talvez fosse à festa. Porque se ele não fosse, isso deixaria Agatha muito triste.

Continua...

Nota do capitulo:

Obrigada por ler até aqui, espero que esteja gostando.

Também quero agradecer as pessoas que tem acompanhado esta história desde o começo, há 4 longos anos e que não desistiram de mim, mesmo com todos os períodos enormes de hiato que eu acabo caindo.

  Não vou me estender muito aqui, porque já me disseram várias vezes que ninguém lê notas finais de capítulo ou dedicatórias e nem introduções, mas sei lá, eu quero acreditar que alguém ainda lê, e essa aqui é só pra você:

Obrigada pelo seu apoio, saber que existem pessoas acompanhando o que eu escrevo é o que me dá forças para continuar escrevendo nos últimos 20 anos.

É isso então gente,

Até a próxima!

Perséfone Tenou


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